Tem 37 anos e é natural de Pias, uma das quatro freguesias de Serpa. Relações públicas numa adega local, licenciada em Geografia e Planeamento Regional pela Universidade Nova de Lisboa, Ana Cristina Moisão arrisca "dizer que 99% das pessoas da minha família são comunistas, apoiantes do Partido Comunista Português. Durante anos, ela também.
Até que, em 2009, resolveu "partir para uma nova aventura" e foi para a Suíça, onde esteve sete anos. E conta que foi ter estado em contacto com uma sociedade tão diferente que a fez ter outra "sensibilidade para a nossa situação em Portugal, olhar para o país de uma forma diferente".
E foi já depois do regresso a Serpa que começou a tomar atenção aos discursos de André Ventura, que ainda estava na câmara de Loures em representação do PSD. Identificava-se. A curiosidade "matou o gato" e hoje é membro do Conselho Nacional do Chega, vice-presidente da Distrital de Beja, com a função de ajudar a desenvolver o projecto autárquico para o distrito e, por uma sucessão de coincidências, acabou como candidata à câmara municipal de Serpa.
Gostava de conhecer um pouco do seu percurso até ao Chega, num concelho tipicamente comunista. Fale-me de si.
Tenho 37 anos, sou natural de Pias, no concelho de Serpa. Em 2009 resolvi partir numa nova aventura, fui para a Suíça. Estive lá durante sete anos a trabalhar, primeiro, porque mal sabia falar francês, na cozinha de um restaurante, depois numa empresa de gestão financeira. O facto de ter estado na Suíça, poder contatar com outra sociedade, com outra cultura, deu-me uma sensibilidade diferente para a nossa situação em Portugal. Nasci, fui criada e vivo num sítio em que a força política que domina há 47 anos é o Partido Comunista.
Poderei mesmo arriscar dizer que 99% das pessoas da minha família são comunistas, apoiantes do Partido Comunista. Eu também fui, ajudei algumas pessoas que localmente estiveram e ainda estão ligadas a projetos políticos do Partido Comunista. Porque acredito nas pessoas e acredito sempre que têm bons projetos para nós.
Diz que ter estado na Suíça a fez olhar de forma diferente para Portugal. Como aplica em Portugal o modelo da Suíça?
Poderíamos aplicar alguns os bons exemplos que existem na Suíça e que cá não temos. Por exemplo, na nossa realidade local não há incentivos à iniciativa privada, as empresas não são acarinhadas pela autarquia. Também não há associativismo - a Associação de Agricultores de Serpa está fechada. E há uma gigante diferença entre Portugal e a Suíça ao nível da burocracia nas instituições. Talvez a maior diferença seja a participação cívica, que cá é quase inexistente, o debate público não existe, as pessoas não participam nas decisões. Lá há os referendos, as pessoas foram de tal forma habituadas a participar nas decisões e no debate político, a ser ouvidas, que nada se faz sem elas, ao contrário do que acontece aqui. Isto eram coisas que podíamos fazer melhor. Não faz sentido tomar decisões sobre a vida das pessoas e deixá-las de fora do debate e do processo de decisão. Nunca estive num projeto político, nunca fui filiada num partido político. Quando chego a Portugal, venho com uma consciência política de sociedade diferente, já tinha outro tecto de comparação, um modelo político completamente distinto do nosso. E André Ventura, ainda na câmara de Loures, rapidamente me captou a atenção. Comecei a tomar alguma atenção aos seus discursos e identifiquei-me com várias coisas.
Com o que é que se identifica no discurso de André Ventura?
Para começar, o sentido patriótico. Depois, a defesa de quem trabalha, a justiça social. Foi o que me despertou a atenção.
Entretanto, conheceu-o.
Entretanto, André Ventura veio a Serpa para as presidenciais. Foi em Serpa que iniciou a sua campanha política - não sei se se lembra do episódio do esqueleto, que foi muito falado: quando André Ventura sobe ao palco do Cineteatro de Beja para fazer o discurso, abre-se a cortina e atrás dele está um esqueleto. Eu era a única pessoa de Pias que lá estava, fui a única. Ninguém mais arriscou ir lá. E tive contacto com algumas pessoas da Distrital de Beja.
O que quer dizer com ninguém mais arriscou ir lá? É preciso coragem?
É, é. É muito fácil perceber: o maior empregador do município é a Câmara Municipal de Serpa. Sendo que a Câmara Municipal de Serpa está há 47 anos no poder, é importante dizer e frisar. Por isso, muito facilmente qualquer um de nós tem um familiar que trabalha na autarquia. E as represálias existem, as represálias existem. É esta a grande dificuldade que temos aqui em termos de perceber quem é o nosso eleitorado, quem são as pessoas que nos apoiam, porque temos um eleitorado silencioso.
Facilmente qualquer um de nós tem um familiar que trabalha na autarquia. E as represálias existem
"Silencioso" não é um adjetivo que atribuísse ao Chega. De que represálias está a falar?
São as ameaças. "Tem cuidado, que a tua mãe trabalha na câmara municipal" ou "o teu pai tem um negócio, pode ser prejudicado".
Dizem isso assim mesmo?
Dizem, dizem. A sério. Tem havido muita coisa, temos passado... Nós e as nossas famílias, atenção. Mas, entretanto, estive no Cineteatro de Serpa, foi em janeiro. Queria esclarecer dúvidas. Lá, tive contacto com alguns elementos da Distrital de Beja, falámos um pouco, trocámos ideias e, rapidamente, fizeram-me o convite de integrar a Distrital de Beja do partido Chega. Chego à Distrital e havia uma nova lista, porque o presidente, Pedro Pinto, saiu para secretário-geral do partido. E convidam-me para o cargo de vice-presidente. Aceitei e é aí que começa o meu percurso.
E a candidatura à câmara de Serpa, como aconteceu? Porque foi tudo muito rápido e recente....
Na distrital, fiquei com a função de ajudar a desenvolver o projeto autárquico para o distrito de Beja, e começámos a organizar as coisas para ter as listas a nível dos concelhos. Sendo natural daqui, do concelho de Serpa, onde estudei até ao 12.º ano, tenho muitos amigos, tenho família, conheço muito bem o concelho. E fiquei responsável por organizar a lista para a Câmara Municipal de Serpa e as listas para as juntas de freguesia. De início, não era eu a candidata, não queria ser eu. Achava que ainda não era o momento, que não estava preparada, até para enfrentar tudo isto, passar por tudo o que temos de passar. E já tínhamos o grupo formado de pessoas que estavam disponíveis para ajudar. Era preciso começar pelo candidato à câmara e, a parti daí, tratar das juntas de freguesia. Mas estavam todos muito reticentes, uns porque isto, outros porque aquilo. Todos que não, que não podia ser. E alguns colegas disseram: "Nós achávamos que tu, Ana, eras a pessoa indicada para poder avançar em Serpa na frente do projecto". "Eh, pá... E o meu trabalho? O trabalho é exigente, tenho um filho com seis anos...". Porque sei da exigência de um projeto desta envergadura.
Mas acabou por aceitar.
Tive ali algumas reticências, mas depois, na segunda reunião, tínhamos a decisão tomada. E eu aceitei. Aceitei, pronto. O partido, claro, sempre com grande apoio. Até porque sabia que havia vontade deles em que fosse eu à frente do projeto para a Câmara Municipal de Serpa. E tenho participado, como é normal, no percurso do partido. Também já tivemos duas formações autárquicas, para nos preparar para este desafio que é ser candidato a um órgão autárquico. Porque é muita informação, são muitas coisas, sobretudo em termos legais, e é bom que as pessoas estejam preparadas. O partido tem tido essa sensibilidade, também temos coordenadores autárquicos, sempre em contacto connosco para nos ajudar.
Disse que era comunista. Porquê o Chega? Como é passar da extrema-esquerda para a extrema-direita?
Inicialmente, nas presidenciais, a minha aproximação ao Chega talvez tenha sido realmente por uma questão de protesto. Por ver que tudo aquilo que temos. Mas nos últimos anos, desde que estive na Suíça, a minha orientação política foi-se colocado mais à direita. Percebi que não fazia sentido ser contra o capitalismo e a iniciativa privada nos tempos atuais. Além de que acho que para lá dos partidos, também se vota nas pessoas que estão a apresentar as ideias e as propostas.
Nos últimos anos, desde que estive na Suíça, a minha orientação política foi-se colocado mais à direita
Posso dizer e o actual presidente da Câmara Municipal de Serpa [Tomé Pires] é uma pessoa de quem gosto muito, por quem tenho muito respeito. É uma pessoa de Pias, como eu, que conheço há muitos anos, com quem tenho uma excelente relação.
Como é que ele vê a sua candidatura?
Honestamente, acho que nem ele nem eu queremos ter essa conversa [ri]. Sendo que não é ele o candidato, não se vai recandidatar. Mas está tudo muito bem, tudo muito calmo. Nós falamos, não há muito tempo falámos, mas por outras situações. As pessoas têm maturidade para perceber o que é uma coisa e o que é outra.
É que em Serpa toda a gente se conhece. Isso faz diferença?
Pode causar alguma estranheza. Se olharmos, vindo eu de famílias historicamente comunistas: o meu avô participou no movimento da Reforma Agrária em Pias, a minha avó foi muito ativa nas manifestações do pós-25 de Abril - costumo dizer que cresci com a fotografia da Catarina Eufémia na casa da minha avó, e ela sempre a falar na senhora, a mencionar a senhora. Mas depois, cá está, isto é que é interessante e faz parte da evolução de cada um. Hoje, temos muita informação disponível, antigamente não. Temos todo este mundo global que nos permite ter contacto com tudo, ver um pouco mais, saber um pouco mais. E eu... Se olhamos para um território como o concelho de Serpa - e isto é transversal a todo o Alentejo - vemos o abandono e dizemos: "Poças, vocês estão cá há 47 anos". Em termos populacionais é uma catástrofe, temos tido uma perda muito grande de habitantes, sobretudo jovens. Há responsáveis. Ou seja, alguma coisa não funcionou. Quem é que cá está? São políticas de esquerda e alguém fez alguma coisa de errado. É preciso assumir as responsabilidades.
O meu avô participou no movimento da reforma agrária em Pias
Há outros partidos, o espetro político é alargado. Porquê o Chega?
André Ventura e o partido Chega são partidos fora do sistema. Em todo o espetro político, desde o Bloco de Esquerda até ao CDS, vermos o mesmo, todos eles fazem parte do sistema. Há ali umas diferençazinhas, mas é como uma nuvem, e já não se consegue bem tirar grandes diferenças entre uns e outros. Há um conjunto de interesses, de benefícios, um compadrio. É muito complicado. E penso que tudo isto teve um efeito muito grave nas pessoas, sobretudo nos jovens, que é o descrédito. Muitos deles nem vontade têm de olhar, de pensar e de tentar ajudar envolvendo-e em projectos políticos. Das listas do PCP, 90% são pessoas que trabalham na autarquia. E podemos rapidamente fazer uma análise se olhamos para a faixa etária dessas listas. Não têm jovens. Isto dá-nos logo um panorama da situação. Qual o futuro do Partido Comunista aqui? Eu considero que não tem muito futuro. As listas do Chega têm uma média de idades que ronda os 30/35 anos, o que é muito bom, um excelente indicador.
Serpa é um dos concelhos portugueses com maior área, Beja é o maior distrito. No entanto, olhamos e estão despovoados. Porquê e como se pode alterar esta realidade?
Infelizmente, o Alentejo... Contamos muito pouco em Lisboa. Esse é o grande problema. E os nossos autarcas.... Há muitas decisões que não são competência das autarquias, é verdade. Mas cabe aos nossos autarcas, no Alentejo, saírem dos seus escritórios e passarem mais tempo em Lisboa. Porque tem que haver mais pressão, têm de olhar para nós. Somos poucos, mas somos uma área muito vasta e com uma riqueza muito grande, quer em termos de património histórico, quer património natural. Temos recursos naturais fantásticos. Mas, como temos pouca gente, estamos mal representados no Parlamento. Convido todos aqueles que estão no Parlamento e todos aqueles que estão no governo central a vir fazer o percurso que chamam IP8, uma ligação que devia estar feita há muitos anos, que vai de Sines a Vila Verde de Ficalho, que faz fronteira com Espanha. Este seria um itinerário de extrema importância estratégica para o Alentejo, para o desenvolvimento do Alentejo. Façam-no e venham ver as condições em que está essa estrada. É uma afronta a nós, alentejanos, a figura em que estão as nossas estradas, as nossas acessibilidades.
cabe aos nossos autarcas, no Alentejo, saírem dos seus escritórios e passarem mais tempo em Lisboa. Porque tem que haver mais pressão, têm de olhar para nós
De quem é a responsabilidade?
Obviamente que é responsabilidade do governo. Mas a autarquia tem de levar o problema até lá. Sei que tem havido alguns esforços nesse sentido, mas não foram suficientes. Os nossos autarcas têm de sair e têm de perder mais tempo (que não é tempo perdido) a fazer isto, a estar lá em cima [Lisboa] com quem de direito e dizer: "Ei, somos poucos, mas têm de olhar que olhar por nós, que contribuímos igualmente como qualquer um. E estamos completamente ao abandono". Graças a Deus, temos o projecto do Alqueva, que deu uma dinâmica completamente diferente ao Alentejo. Costumo dizer, eu e amigos, que se não fosse pelo Alqueva, neste momento, e utilizando uma expressão com toda a carga dramática que possa ter, já tínhamos morrido todos à fome.
E o Alqueva é um projeto de há 50 anos. Que ainda não está terminado.
Exactamente, o perímetro de rega ainda não está completamente terminado. Mas aqui na nossa zona, no concelho, está. E, sendo que a agricultura representa quase 40% em termos económicos no concelho de Serpa, é muito importante. E estes 40% estão estão ligados ao projeto do Alqueva e é a agricultura que dá mais emprego às pessoas. Porque temos aqui vários problemas, a começar pela falta de mão-de-obra qualificada. Mas temos de começar pelas acessibilidades, um problema muito complicado, porque assim não há empresas que queiram instalar-se aqui.
Por curiosidade, quanto demora ir de Serpa a Lisboa?
Ui! [ri] De Serpa a Lisboa... Depende da velocidade, mas diria que à volta de duas horas e meia, três horas. Depende por onde vamos. E depois temos o aeroporto em Beja.
Aviões a toda a hora.
Não é? Temos lá a infraestrutura do aeroporto e mais nada. O que nos foi dito pelos tais senhores que estão lá em cima [Lisboa/governo], promessas de há muitos anos, é que teríamos uma autoestrada. E há um troço, inaugurado não há muito tempo, que esteve muitos anos parado. Foi aberta a circulação, mas não chega ao aeroporto. A autoestrada vem, se não estou em erro, até à zona de Figueira de Cavaleiros, para lá de Ferreira do Alentejo. Todo esse troço de Ferreira do Alentejo, que é o tal IP8 que sonhamos, até Vila Verde de Ficalho é como lhe digo: convido os senhores que estão no Parlamento e no governo a fazer esse trajeto com os seus carros, os seus Mercedes e BMW. Porque é uma vergonha. É um troço, porque levo o mesmo tempo de Pias, Serpa a Lisboa do que depois de Lisboa até ao Porto.
Todo esse troço de Ferreira do Alentejo, que é o tal IP8 que sonhamos, até Vila Verde de Ficalho é como lhe digo: convido os senhores que estão no Parlamento e no governo a fazer esse trajeto com os seus carros
Queria que me falasse do seu programa e daquilo que falta a Serpa, além das acessibilidades. Por exemplo, educação, saúde, cultura...
No concelho de Serpa temos um agrupamento de escolas, em que temos uma escola básica em Pias e temos também em Vila Nova de São Bento. São escolas onde os alunos estudam até ao 9.º ano. Depois temos a escola secundária em Serpa, até ao 12.º ano. Além deste agrupamento de escolas, temos outra escola de grande importância para o concelho, a Escola Agrícola Profissional, com cursos ligados ao sector, ao mundo rural.
Há pouco falou na falta de mão-de-obra qualificada.
Consideramos que esse é outro dos handicaps do nosso concelho. Há falta de mão-de-obra qualificada. Por exemplo, se sabemos que o futuro passa pelas energias renováveis, porque não desenvolver esta área e ter cursos nesta área? Temos alguns parques, temos muito sol. Na Amareleja já há um dos maiores parques fotovoltaicos, em Brinches também já existe. Mas não temos mão-de-obra qualificada nossa para poder trabalhar nesses projetos. Achamos que é importante em termos de ensino, com os nossos jovens, haver essa possibilidade, de ter outro tipo de formações, ligadas às novas tecnologias e às energias renováveis, coisa que não existe no concelho. Neste momento, poucos ficam na agricultura e a maioria vai embora. Não existe um meio termo. Posso-lhe dizer que em Pias, na minha geração, da minha criação, 80% foram embora. Mas muitos têm muita vontade de voltar. O problema é: para fazer o quê? Como lhe disse, em Serpa o maior empregador é a câmara municipal.
Se for eleita presidente, como é que pretende mudar isso?
Temos de criar empregos e, para isso, temos de criar melhores condições no concelho. Falei nas acessibilidade, mas aqui em Serpa não temos tecido industrial. Temos uma agricultura muito forte - e muito criticada, também. Mas não temos a parte industrial, da transformação.
Muito criticada porquê e por quem?
A agricultura tem sido muito apontada, até pela autarquia, por causa da questão do olival, da cultura do olival intensivo, que cresceu muito com o perímetro de rega, com o Alqueva, e veio dar uma nova vida e uma nova dinâmica à agricultura. Há, efetivamente, quem tenha más práticas - falo na utilização de pesticidas, na proteção do ambiente. Mas isso já não é muito possível com as regras que existem. A cultura predominante aqui é a oliveira, o olival. Que é uma cultura nativa. Logo, em termos de disponibilidade, quer de água, quer de erosão dos solos, não é tão agressiva. Há maus exemplos, mas também há muitos bons exemplos, cada vez mais. Ao invés de apontar o dedo, penso que o que a autarquia deve fazer, a postura correta para com os nossos agricultores, é sensibilizar e controlar. E ajudar.
Concorda com os riscos que determinadas práticas representam para o ambiente?
Claro que tem de haver uma maior sensibilização das pessoas para as questões ambientais e tem que haver um maior controlo. Mas temos de apoiar o setor, sobretudo os jovens que estão a ingressar, a criar projetos agrícolas por conta própria, os que se estão a lançar nesta área. Por exemplo, havia aqui uma situação delicada, que tinha que ver com o transporte de produtos que na Espanha estão autorizados, mas em território português não. Neste momento, sei que as multas são extremamente pesadas. Mas também ao nível da atribuição de subsídios é preciso ter critério. Os agricultores da região já estão a optar, porque são convidados a trabalharem dessa forma, por culturas integradas. Eu trabalho numa empresa que tem esse tipo de culturas e vejo o cuidado que existe com o campo. Não podemos olhar para a agricultura como uma ameaça ao ambiente, temos de a olhar como uma oportunidade. Agora tem que haver uma sensibilização e tem que haver um controlo. Talvez oferecer mais formação às pessoas nesse sentido, e ajudá-los a perceber que efetivamente os solos esgotam-se e temos que ter preocupação com eles, como é óbvio. Depois, não temos indústrias.
Não podemos olhar para a agricultura como uma ameaça ao ambiente, temos de a olhar como uma oportunidade
Qual a solução?
Há muitos anos que no concelho de Serpa existe a promessa da expansão das zonas industriais. Que não foi feita. Temos três zonas industriais: Serpa, Pias e Vila Nova de S. Bento. Ambas estão paradas há anos. Têm empresas, mas não expandiram. Conheço jovens que precisam de um lote, têm projectos para instalar a sua empresa, mas não têm onde. O projeto não avança, simplesmente, vai para a gaveta. Há empresários do concelho que, pela indisponibilidade de lotes no município, instalaram as suas empresas em concelhos vizinhos. Isto não pode acontecer. Temos de apoiar os nossos a ficarem cá. E é isto que partido e eu defendemos. Queremos chamar aqueles que foram embora e dizer: venham, venham ter connosco, venham para cá, tragam os vosso filhos. Porque temos uma qualidade de vida maravilhosa. E, além do sol, a tranquilidade que é o Alentejo. É bom viver no Alentejo. Mas também tem que ser rentável, não é? E não é rentável. Porque se a pessoa vem para cá e não tem trabalho, não tem como sobreviver. Por isso, o objetivo principal é criar empregos. Para ter empregos, temos de criar condições para as empresas se virem cá instalar. E acessibilidades.
Além do IP8, o aeroporto de Beja faz sentido nessa estratégia de desenvolvimento?
O aeroporto já devia estar a funcionar como aeroporto de apoio, e termos lá uma lowcost. Daqui por uns anos, dizem os estudos, vamos ter o aeroporto de Faro em colapso também. Ter o aeroporto de Beja a funcionar como infraestrutura de apoio faria todo o sentido, até porque está pronto a funcionar, com condições maravilhosas em termos de pistas de aterragem. Seria muito muito importante para o Alentejo.
Mas, obviamente, o aeroporto não pode estar isolado, não funciona como uma ilha, tem de ser acompanhado com o resto. E não acompanhámos com o resto. Então e a auto-estrada? Então e os caminhos-de-ferro?
Partilha as ideias do Chega?
Partilho as ideias base do partido e concordo com elas. Identifico-me. Sou militante, faço parte do Conselho Nacional e sou vice-presidente da Distrital de Beja. Depois, em termos de atuação no terreno, cada um de nós tem a sua interpretação. A minha comunicação e a minha forma de comunicar, por ser minha, tem as minhas expressões, diferentes das de outro colega. Mas, claro, o que em Lisboa ou num bairro da Amadora representa um problema, pode não ser o mesmo que em Moura, em Beja ou em Serpa.
o que em Lisboa ou num bairro da Amadora representa um problema, pode não ser o mesmo que em Moura, em Beja ou em Serpa
Disse que as primeiras vezes que tomou atenção ao discurso de André Ventura ele ainda estava na câmara de Loures. Foi aí que fez o célebre discurso sobre os ciganos e a subsidio-dependência. Serpa também tem comunidades ciganas e de imigrantes?
Existem problemas com as comunidades ciganas um pouco por todo o distrito e um pouco por todo o lado, sendo que em Serpa o problema não é tão grave como em Moura ou em Beja. Não temos problemas de maior em termos de roubos ou de agressões, por exemplo. Agora, efetivamente, na nossa candidatura a Serpa, e era nesse sentido que gostava de trabalhar se tivermos oportunidade, temos um projeto de inclusão. Não temos projetos de exclusão para ninguém, nem no partido, apesar de a mensagem não passar muitas vezes dessa forma. Não queremos exterminar raças, não queremos excluir pessoas. Pessoas são pessoas. Um elemento da comunidade cigana é tão pessoa quanto eu, tem exatamente os mesmos direitos e os mesmos deveres. E é só isso que queremos, ser pessoas iguais. Recebia 19,90 euros de subsídio de abono de família pelo meu filho, agora já não recebo nada. Olho para a comunidade cigana e vejo valores muito diferentes, uma mão cheia de regalias. Não posso estar de acordo. Mas há aqui uma situação: eles têm regalias porque alguém lhes dá essas regalias, não é só porque lhes apetece. Alguém lhas dá. Por isso, o problema vai muito além da comunidade cigana, está lá em cima, em que decide. Nomeadamente, nos serviços da Segurança Social. Mas queremos incluí-los, o que é difícil, porque existe um preconceito muito grande, até mesmo a nível das empresas. Quem é que quer empregar um elemento da comunidade cigana? Não é fácil. Então, temos de criar incentivos. Sou completamente contra estes bairros que crescem nas periferias das cidades, das aldeias, como guetos. Isso é que não pode ser, porque assim nunca vai existir integração. Agora, há regras e as regras têm de ser respeitadas. Não queremos andar aqui 80% trabalhando, para o resto andar a gozar connosco ou, simplesmente, a aproveitar-se de subsídios.
Um elemento da comunidade cigana é tão pessoa quanto eu, tem exactamente os mesmos direitos e os mesmos deveres
É conhecida a realidade em que vivem muitos trabalhadores imigrantes na agricultura. Em Serpa também existe esse problemas, gente a viver em péssimas condições?
Existe, existe, mesmo no concelho de Serpa. Essas situações, na sua maioria, estão identificadas. Penso que nos últimos anos, sobretudo neste último ano, talvez por causa da pandemia, houve outro cuidado e outra sensibilidade para lidar com a situação. E isso é bom, porque precisamos de pessoas para trabalhar no Alentejo. Não temos mão-de-obra nem para a agricultura, existe um problema gravíssimo de falta de mão-de-obra. Gravíssimo, tenho amigos agricultores completamente desesperados.
Num concelho onde a taxa de desemprego é superior à médias nacional isso não parece uma incoerência?
É fácil. A maioria das pessoas trabalha na câmara municipal, sobretudo homens. E os mais jovens não estão cá. Não resta muita gente para trabalhar na agricultura. Depois temos a situação dos subsídios, da subsidio-dependência. Isto é um problema cultural, não se procura trabalhos, procura-se empregos. E nós aqui não temos empregos. Em Serpa tem havido melhorias, e ainda bem, nesse sentido, de dar melhores condições a quem vem para cá trabalhar na agricultura. Temos comunidades estrangeiras, sobretudo nepaleses e indianos, pessoas que já estão aqui a algum tempo. Estão integradas, fazem a vida delas.
A maioria das pessoas trabalha na câmara municipal, sobretudo homens. E os mais jovens não estão cá. Não resta muita gente para trabalhar na agricultura
Voltando ao seu programa para Serpa e à forma como se propõe resolver os problemas de que temos estado a falar...
Ponto número um, precisamos de fixar pessoas. Para fixar pessoas temos que criar emprego, temos que atrair investimento, temos que criar condições para que empresas queiram vir para o concelho de Serpa. Temos que tudo fazer para que o concelho de Serpa seja atrativo, seja visto como um terreno fértil, com oportunidades. Que é o que não está a acontecer agora. Temos de procurar fixar jovens que dinamizem os seus projectos, com condições, com apoio a nível burocrático - perde-se imenso tempo em burocracia, tanto que por vezes as pessoas desistem. Há muito tempo de espera para conseguir licenças, para fazer aprovar projectos. Terceiro, temos de cuidar dos nossos idosos. Somos uma população envelhecida, costumo dizer que o nosso Alentejo está velhinho e cansado. Precisamos de dar aos velhos condições dignas, porque temos muitos idosos sozinhos - numa extensão tão grande como Serpa. É preciso criar mais infra-estruturas de apoio, temos de melhorar os serviços de saúde. Temos centros de saúde a funcionar em sociedades recreativas, onde há cafés. Tem de haver um mínimo, e o mínimo não está a ser cumprido. Temos centros de saúde que só estão abertos da parte da tarde, como o de Vila Nova de S. Bento. Porquê? Falta de pessoal para trabalhar, falta de médicos. Nem os médicos estamos a conseguir trazer para cá. Estas políticas desde há 47 anos tornaram-nos num concelho deserto, estagnado em todos os domínios.
Serpa tem a serra, tem o Guadiana, tem história. Tem turismo?
Serpa é uma cidade riquíssima a nível histórico, a nível de património cultural e religioso. Mas todo completamente ao abandono. A maioria das nossas igrejas estão fechadas - não são da autarquia, são da diocese de Beja. Mas tem de haver uma cooperação, temos de deixar as ideologias políticas de parte, não? As ideologias criam-os aqui algumas barreiras. Prevalece sempre a doutrina do Partido Comunista. Tem de haver mais diálogo e cooperação entre as identidades do concelho. Temos um património riquíssimo. E há muito escondido, enterrado. Serpa tem um mundo em baixo. Houve uma altura, no início de mandato do presidente João Rocha, o anterior presidente do PCP, em que parecia haver vontade de colocar a céu aberto e de mostrar às pessoas o que Serpa tem dos antepassados. Mas depois o projeto foi abandonado, taparam e fecharam tudo. Temos os nossos monumentos, o castelo, a muralha do castelo... Qualquer pessoa que passe vê o estado de degradação em que está. Para trazer turismo para a cidade não podemos ter tudo sujo, ao abandono, em elevado estado de degradação. Tudo em Serpa está num elevado estado avançado de decadência. E há um problema muito grave de lixo na cidade, já para falar dos cãezinhos. Depois, temos um problema muito grande em termos de segurança e de falta de efetivos da GNR, postos que foram encerrados nos últimos anos.
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