O relato da primeira crise da coligação PSD/CDS-PP, no final do verão de 2012, é relevado pelo então Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, no segundo volume das suas memórias políticas, “Quarta-feira e outros dias”, que será apresentado publicamente na quarta-feira, em Lisboa, pela presidente da Fundação Champalimaud, Leonor Beleza.
“Utilizei um batalhão de argumentos para demonstrar ao primeiro-ministro que não podia abandonar o navio”, conta Cavaco Silva.
O Tribunal Constitucional tinha ‘chumbado’ em julho a suspensão de pagamento dos subsídios de férias e de Natal dos pensionistas e funcionários públicos de 2012 a 2014 e a alternativa apresentada por Passos Coelho foi aumentar a Taxa Social Única (TSU) para os trabalhadores e reduzir essa contribuição para as empresas.
O líder do CDS-PP à data, Paulo Portas, mostrou-se frontalmente contra alterações à TSU e disse-o mesmo à saída de um Conselho Nacional do partido, “num discurso transmitido em direto pelas televisões”.
“O primeiro-ministro considerava que as atitudes do líder do CDS-PP durante a semana haviam deixado a coligação muito fragilizada” e, assim, recorda Cavaco Silva, concluiu que “não tinha condições de continuar no Governo”.
“Disse-lhe que não aceitava a sua demissão”, conta o antigo chefe de Estado, que também discordava da medida proposta por Passos Coelho, que acabou por recuar na decisão de alterar a TSU, ultrapassando a primeira crise da coligação.
Contudo, era claro” que a “desconfiança entre os líderes do PSD e do CDS-PP não tinha desaparecido”, escreve Cavaco Silva.
Nos primeiros meses de 2013, o então chefe de Estado começou a temer novos desentendimentos entre os partidos da coligação, com a situação económica do país a deteriorar-se.
Decorria a sétima avaliação da ‘troika’ e Passos Coelho receava que o Tribunal Constitucional reprovasse algumas medidas de austeridade do Orçamento do Estado para 2013. Caso isso acontecesse, disse, “o Governo não teria condições para cumprir os compromissos assumidos com as entidades internacionais e só lhe restaria apresentar a demissão”.
“Admitir a ideia de apresentar a demissão era absurda e muito grave”, respondeu, então, Cavaco Silva, relembrando a Passos Coelho que o Governo foi eleito para governar no respeito pela Constituição.
Entretanto, relata o antigo Presidente da República, Paulo Portas voltara a uma fase de “dúvidas existenciais” quanto à política que estava a ser seguida e um novo ‘chumbo’ do Tribunal Constitucional a medidas aprovadas pelo Governo colocou a coligação novamente em ‘rota de colisão’. Paulo Portas opunha-se, uma vez mais, às medidas que o Governo estava a negociar com a ‘troika’, nomeadamente em relação às pensões.
O dia 12 de maio “foi um dia politicamente louco”, lembra Cavaco Silva, a quem o primeiro-ministro voltou a dizer que “não tinha condições para continuar a liderar o Governo, que viesse outro que resolvesse melhor os problemas do país”.
Paulo Portas acabaria por concordar com uma pequena alteração na parte referente às pensões e ficaram, então, acertadas as condições para fechar a sétima avaliação da ‘troika’.
“Concluí, no entanto, que devia estar preparado para uma próxima crise. As surpresas podiam surgir facilmente e de todos os lados. Havia como que uma espada de Dâmocles suspensa sobre o Governo”, escreve Cavaco Silva, sublinhando que, ao contrário do que acontecia na Aliança Democrática, em 1980, em que o Governo era uma equipa e todos remavam para o mesmo lado, agora isso não acontecia.
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