Catarina Martins disse que "o programa do Bloco de Esquerda faz contas"; Assunção Cristas convidou a sua oponente a fazer melhor o trabalho de casa. Impostos. IRC, IRS, impostos diretos, indiretos e sobretaxas. Se os opostos se atraem não é certamente nas contas para o país.
Coube a Assunção Cristas o arranque do segundo debate para as legislativas de 2019, moderado por António José Teixeira, na RTP3, e que sentou à mesa as líderes do CDS e do Bloco de Esquerda esta terça-feira, 3 de setembro.
"A prioridade número um do CDS é libertar as famílias, as pessoas, as empresas da maior carga fiscal de sempre, que foi imposta por este governo". Estava dado o mote para o tema que viria a dominar este frente-a-frente. "No programa do Bloco eu vejo um aumento da carga fiscal", continuou Cristas, procurando marcar desde o primeiro momento o tom de um debate confrontacional entre as duas líderes partidárias.
Catarina Martins respondeu à primeira investida da líder do CDS recusando "esta ideia de um Portugal offshore, esta ideia de que nós afirmamos a nossa economia baixando os impostos sobre as empresas". Depois, Catarina Martins procurou desmontar rapidamente a ideia do aumento da carga fiscal imposta pelo governo atual dizendo que "a receita fiscal aumentou não porque as pessoas estejam com um esforço fiscal maior, mas porque a economia está melhor".
Explicou a líder bloquista que "a primeira contribuição para esta carga fiscal são as contribuições para a Segurança Social, que aumentaram mais de 2 mil milhões de euros, não porque as taxas tenham aumentado, mas porque há mais emprego. Uma boa notícia. A segunda contribuição para este aumento foi o IVA. O IVA também aumentou sem que as taxas do IVA tenham aumentado, algumas até desceram, como a da restauração, o que quer dizer que as pessoas têm mais poder de compra e o turismo também participa. Há depois uma terceira componente neste aumento que é o IRC, cuja taxa normal não subiu, e que tem muito a ver com a dinamização da economia que foi permitida com o aumento de rendimentos".
Mas Assunção Cristas tem outra leitura, falando de uma "austeridade encapotada". "Nós temos a maior carga fiscal de sempre e isto é factual, não tem a ver com a melhoria da economia, porque a carga fiscal subiu acima da melhoria da nossa economia. Na verdade o Estado apropriou-se da riqueza que as pessoas foram criando com o seu trabalho, e foi através dos impostos indiretos [que se fez este aumento de impostos], nomeadamente da sobretaxa sobre gasóleo e gasolina — que o Bloco de Esquerda teve a oportunidade de eliminar votando a favor de uma proposta do CDS, mas infelizmente não o fez".
Assunção Cristas propõe agora reduzir os impostos aproveitando "o excedente orçamental" do cenário macroeconómico apresentado pelo próprio governo em Bruxelas — "que o próprio primeiro-ministro considerou prudente e conservador e que assume riscos" — pegando em 60% para baixar o IRS e em 40% para baixar a dívida. "São impostos futuros que estamos a baixar", salientou a líder centrista.
E a primeira farpa: "Não sei que famílias é que a Dra. Assunção Cristas conhece, mas as que eu conheço lembram-se da sobretaxa do IRS e do enorme aumento de impostos de Vítor Gaspar, e hoje sabem que estão a pagar menos impostos", replicou Catarina Martins. "Pela própria OCDE, o rendimento disponível em Portugal aumentou nestes anos", frisou.
Questionada sobre uma eventual redução da carga fiscal na próxima legislatura, Catarina Martins respondeu que acha "má ideia baixar impostos sobre quem deve fazer o seu esforço fiscal (...). Acho boa ideia desfazer o enorme aumento de impostos do governo onde esteve a Dra. Assunção Cristas e nós ainda temos ali uma parte para fazer".
A líder do Bloco de Esquerda criticou ainda "a ideia clara" que a direita teve e "impôs ao país" de que "empobrecendo as pessoas e destruindo o tecido económico ia aparecer uma nova economia pujante (...). O que surgiu foi um país pobre, com dificuldades, com enormes crises, sociais e de habitação, dos direitos dos trabalhadores, um país precário, com uma enorme dívida pública, que foi sempre crescendo, e incapaz de reagir para defender as pessoas".
A líder bloquista comparou ainda, por oposição, que "quando nós [Bloco] começámos a repor rendimentos — porque ao contrário dos milionários que o CDS gosta de apoiar, quem ganha o seu salário e a sua pensão não vai colocar o dinheiro num offshore, vai gastá-lo aqui, na economia — a economia começou a melhorar, começou a criar-se emprego e o país começou a respirar de alívio".
Assunção Cristas disse compreender que Catarina Martins "goste de falar de um passado longínquo em que o país esteve numa situação difícil, resultado de uma bancarrota socialista, e, portanto, compare um tempo de normalidade com um tempo de excecionalidade, mas isso não é possível". "Queria lembrar que o enorme aumento de impostos de Vítor Gaspar foi revogado pela carga fiscal máxima de Mário Centeno do seu governo, do governo que o Bloco de Esquerda apoia, e sem a desculpa de um tempo de excecionalidade. (...) Durante aquele tempo, por muito que quiséssemos não era possível baixar impostos, mas agora é possível".
"A proposta do Bloco de Esquerda é aumentar os impostos para a classe média", reiterou Cristas, frisando que o programa do partido de Catarina Martins prevê "acabar com 127 benefícios fiscais", nomeadamente "deduções com despesas para a saúde, deduções para quem tem filhos pequenos, isenções de mais-valias para quem vende a sua casa e compra outra (…) porque entende que é combater abuso e repor igualdade. Não me parece que seja um abuso uma pessoa vender a sua casa para comprar outra e não ter de pagar uma mais-valia, porque no fundo está a trocar de habitação. Não só o Bloco de Esquerda é co-responsável pela maior carga fiscal de sempre, como se propõe aumentar essa carga fiscal. E propõe-se aumentar também a dívida — porque para pagar o programa do Bloco de Esquerda é preciso aumentar impostos, já vimos que vai aumentar alguns, ou ir à divida, como confessa em alguns pontos do programa".
Catarina Martins respondeu a Assunção Cristas dizendo que "quando nós [Bloco] apresentamos um imposto sobre fortunas, faz de conta que é classe média. Como digo, a classe média do CDS há de ser diferente da que nós conhecemos", acrescentou, dando o exemplo do adicional do IMI que "chocou" o partido de Assunção Cristas quando "o que se pede é que quem tem imobiliário de luxo contribua para a Segurança Social".
Mas Assunção Cristas não largou o tema: "Eu queria perguntar-lhe se uma família de classe média que comprou uma habitação por 80 mil euros e vendeu por 120 mil euros, e que de acordo com a proposta do Bloco vai pagar cerca de 2000 euros de imposto de mais-valias, é uma família rica?"
Catarina Martins fintou a resposta e procurou esclarecer que "o que o Bloco de Esquerda propõe do ponto de vista de mais-valias tem a ver com o tempo que se tem o imóvel, o tempo a que se fez obras, o que se gastou, para se taxar mais aquelas operações que são meramente especulativas".
E depois, partiu para o ataque: "Justiça fiscal é também sermos sérios sobre quem paga impostos neste país. Era bom lembrar que, no tempo do governo PSD-CDS, Paulo Núncio, secretário de Estado do CDS, fez uma amnistia fiscal que permitiu a Ricardo Salgado, Zeinal Bava, José Sócrates e não só trazerem o seu dinheiro para Portugal sem pagar impostos. Nós no Bloco de Esquerda sabemos de que lado estamos, do lado de quem trabalha."
Assunção Cristas recusou a ideia de uma amnistia fiscal e lamentou "que o Bloco de Esquerda tenha sempre esta tendência de não conseguir fazer um debate sobre ideias e querer sempre mostrar uma certa superioridade moral, atacando as pessoas. Eu acho que isto mostra o desconforto do Bloco de Esquerda em relação aos impostos e aquilo que propõe que é um aumento de impostos para a classe média".
Dos impostos para o investimento público — após alguma insistência do moderador para que se procedesse a uma mudança de tema no debate. "Ou o país investe, ou não seremos capazes de resolver os problemas que temos", disse Catarina Martins. "O que é que nós aprendemos neste quatro anos? Aprendemos que quando investimos no país a economia fica melhor. (…) Se ficarmos parados sem investir ficamos crescentemente frágeis, dependentes e sem capacidade de dar resposta numa crise. (...) O programa do Bloco de Esquerda faz contas. Eu li o programa do CDS e o CDS não quer creches públicas, quer contratualizá-las com o privado; não quer um Serviço Nacional de Saúde, quer contratualizá-lo com os privados. Isto tem dois problemas: primeiro coloca o país mais frágil na mão dos privados; segundo, o CDS não diz como é que paga isto. O Bloco de Esquerda quer um Estado social forte e diz como é que o paga".
Mas se Catarina Martins e Assunção Cristas concordam sobre a importância do investimento, têm, por outro lado, diferenças fundamentais sobre quem deve fazê-lo. "Eu acredito que esse investimento tem de ser essencialmente privado, que de resto foi o que puxou o país durante estes quatro anos. O investimento público durante estes quatro anos ficou sempre abaixo dos anos anteriores: 2018 está abaixo de 2015. Se há alguma coisa que puxou a economia do país durante estes anos não foi o investimento público foi o investimento privado", respondeu a líder centrista.
Já sobre as creches e o acesso a serviços de saúde, Assunção Cristas salientou que "o que o CDS quer é uma saúde centrada no utente. (...) O que nós dizemos é que para uma pessoa que precisa de cirurgia, o mais importante é que o tenha em tempo útil. Se puder ter no Serviço Nacional de Saúde ótimo, se não puder que tenha no setor privado, porque é isso que nos traz coesão social".
Para o final do debate ficou o tema do ambiente e da desigualdade de género.
Catarina Martins lembrou que "com o clima não podemos negociar e temos de agir agora. Não podemos dizer que vamos ter um imposto verde que vai resolver tudo, temos mesmo de mudar a estrutura da economia, fazer uma reconversão da energia, mudar a mobilidade, ter uma indústria reconvertida e isso exige uma capacidade de intervenção pública".
Já Assunção Cristas reconheceu que o clima é um "tema extraordinariamente importante" e "o risco de seca recorrente é real". "Queremos incentivar e premiar comportamentos de uso eficiente de água. (...) É preciso fazer investimentos sérios e estruturais na área da água. (...) Se não houver água não há agricultura e mundo rural, em grande medida. Nós olhamos para o território em todo o país como um único e queremos ter atividade em todo o país e achamos este aspeto essencial".
Já sobre as desigualdades de género, Catarina Martins centrou a sua intervenção ao nível do combate à precariedade: "Precisamos de políticas de legislação laboral. A precariedade puxa as pessoas para baixo e no caso das mulheres complica. (...) Quando defendemos que queremos promover a natalidade temos de ter legislação laboral que protege as mulheres, as famílias, a segurança do seu emprego. Não é possível lutar pela igualdade sem ter uma legislação laboral capaz".
Assunção Cristas, por sua vez, salientou a proposta do CDS de alterar a licença de parentalidade — aumentando para um ano, com maior partilha entre pai e mãe e com a possibilidade de envolver os avós —, mas fez questão de salientar que um dos benefícios fiscais com que o Bloco de Esquerda quer acabar é o mínimo que existência: "Assim as pessoas que recebem salário mínimo também vão pagar IRS quando agora não pagam, e isto também afeta as mulheres".
Catarina Martins recusou a ideia e deixou um convite a Assunção Cristas: "Talvez valha a pena ler outra vez o programa do Bloco de Esquerda".
"20.10.3. Eu acho que não fez suficientemente bem o seu trabalho de casa", replicou Cristas.
Pelo menos aqui, os opostos não se atraem.
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