O projeto de Lei da Identidade de Género, que já tinha recebido sinal verde do Senado no início de setembro, foi aprovado com 95 votos a favor e 46 contra no final de um acalorado debate no parlamento de Valparaíso. O sistema legislativo no Chile é bicameral, dividindo-se entre um Senado formado por 50 senadores e uma Câmara dos Deputados com 155 membros.
Com esta aprovação, coloca-se um ponto final a mais de cinco anos de tramitação legislativa neste país de caráter tradicionalmente conservador.
Quando entrar em vigor, os maiores de 18 anos poderão mudar de nome e sexo com um procedimento simples no Registo Civil e os casados num tribunal de família.
No caso de adolescentes entre 14 e 18 anos, terão de recorrer a um tribunal de família e deverão estar acompanhados por, pelo menos, um dos seus representantes legais ou responsáveis. Se não puderem contar com isso, poderão solicitar a intervenção de um juiz para que ele determine se a solicitação pode prosseguir.
Crianças menores de 14 anos foram deixadas de fora do projeto final em função da oposição nas fileiras conservadoras.
O ministro da Justiça, Hernán Larraín, defendeu a decisão de acrescentar a permissão de um tutor a adolescentes que desejam mudar seu nome e género, afirmando que, dessa forma, ficarão protegidos.
A lei deve ser sancionada pelo presidente, o conservador Sebastián Piñera, embora este ainda possa enfrentar alguns obstáculos porque os legisladores conservadores que se opuseram ao projeto não descartam contestá-lo perante o Tribunal Constitucional (TC).
"Estamos na presença de um evento histórico, que celebramos com muita emoção e alegria, porque vai melhorar a qualidade de vida de milhares de pessoas que adiaram a sua dignidade e direitos apenas por preconceitos em relação à identidade de género", reagiu o líder "trans" do Movimento de Integração e Libertação Homossexual (Movilh) Álvaro Troncoso.
"Neste momento, eu não existo para o estado chileno", disse a ativista transgénero Alessia Injoque à AFP pouco antes da lei ser aprovada, acrescentando que "para já existe alguém chamado Alejandro que não sou eu". Ela disse que a nova lei garantir-lhe-ia "reconhecimento legal" da sua existência, pois reconhecer a sua "identidade é reconhecer um segmento de população que tem sido ignorado e cuja identidade tem sido negada".
Efeito Hollywood
Apresentado durante o primeiro governo de Piñera (2010-2014), o projeto recebeu a máxima urgência na reta final do executivo da socialista Michelle Bachelet após a repercussão mundial do filme chileno "Uma mulher fantástica", interpretada pela atriz transgénero Daniela Vega.
O filme, que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro, mostra a discriminação e a violência que uma jovem transgénero sofre após a morte do seu parceiro, tornando a luta dessa comunidade visível no Chile.
Atualmente, a comunidade transgénero tem à sua disposição apenas uma antiga lei de mudança de nome. Embora na maioria dos casos a mudança seja aceite pelos tribunais civis, esta requer a presença de um advogado, o que tem um custo económico associado.
Além disso, é possível que a pessoa seja submetida a exames médicos e psiquiátricos, prolongando o processo por, pelo menos, um ano. Com a lei aprovada, o processo fica mais rápido e confidencial.
A partir de agora, o poder judiciário terá seis meses para regulamentar a lei e quatro meses para fazê-la entrar em vigor.
A norma faz parte de uma série de leis sociais promovidas durante o segundo governo de Bachelet (2014-2018) e que incluem a lei do aborto terapêutico e o Acordo da União Civil, que reconhece oficialmente casais do mesmo sexo, embora seja pouco provável que se vá aprovar a lei sobre a união oficial desses casais, que atualmente tramita no Congresso.
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