Numa comunicação ao país, depois de o Parlamento ter aprovado a renovação do estado de emergência até ao dia 1 de março, o primeiro-ministro António Costa, no final da reunião do Conselho de Ministros, anunciou que o "atual nível de confinamento" se vai manter nas próximas duas semanas e que a população deve assumir essa realidade como o cenário mais provável do mês de março.
A intervenção de António Costa fez-se em três mensagens. A primeira para afirmar que, "graças ao esforço cívico dos portugueses, o confinamento que temos tido em curso está a produzir resultados".
"Nas últimas duas semanas não só travámos o crescimento de novos casos como diminuímos acentuadamente o ritmo de crescimento de novos casos com uma tendência claramente crescente nas última duas semanas", disse, revelando também que o decréscimo de novos casos traduziu-se "numa redução significativa do risco de transmissibilidade, o famoso R, que está neste momento em 0,77, o mais baixo que o país já teve desde o início da pandemia".
A segunda mensagem foi um devolver os pés à terra, com o primeiro-ministro a salientar que apesar das melhorias dos números a "situação continua a ser extremamente grave".
"Como se recordam, nós temos diferenciado, de acordo com a tabela do Centro Europeu de Controlo das Doenças, o nível de risco em função do número de casos por 100 mil habitantes a 14 dias. E acima de 960 é considerado extremamente grave. Nós estamos numa trajetória descendente, mas estamos ainda ao nível superior a 960 casos por 100 habitantes nos últimos 14 dias. Esta gravidade da situação de novos casos traduz-se também num elevadíssimo número de pessoas que continuam internadas. Felizmente já em número menor do que há 15 dias, mas ainda assim com um número extremamente elevado com um enorme esforço a ser exigido a todos os profissionais de saúde do nosso país", explicou.
Para o líder do governo, o "elevadíssimo número de internados em Unidades de Cuidados Intensivos" e o "elevadíssimo número de óbitos diários" são "absolutamente inaceitáveis".
"Se os compararmos com o máximo de óbitos que tivemos na primeira vaga quando todos nos mobilizámos para combater a pandemia, com aqueles números que hoje continuamos a ter, percebemos como estes valores são absolutamente inaceitáveis", vincou.
Por último, António Costa disse aquilo que não se esperava ser novidade para ninguém: "Temos que manter o atual nível de confinamento, seguramente para os próximos 15 dias. E devemos assumir, realisticamente, que o teremos de manter ainda durante o mês de março. Não é momento para começar a discutir desconfinamentos, totais ou parciais, é momento para continuarmos com toda a determinação a fazer o que temos feito nas últimas semanas porque só assim poderemos trazer o conjunto do país para um nível de segurança que nos dê conforto a todos na gestão da pandemia".
"O Governo decidiu manter o essencial em vigor"
Ainda antes de se disponibilizar para responder às perguntas dos jornalistas, o primeiro-ministro salientou dois novos riscos que o país deve ter em conta. O primeiro, "uma redução muito significativa do número de vacinas de que vamos dispor neste primeiro trimestre relativamente aquilo que tinha sido inicialmente contratado pela União Europeia (UE)".
"Se as empresas farmacêuticas tivessem cumprido o contratado com a UE nós poderíamos dispor ao longo deste primeiro trimestre de 4,4 milhões de vacinas, o que permitira seguramente vacinar mais de dois milhões de portugueses. Acontece porém, pelas razões já por todos conhecidas, que as empresas farmacêuticas reduziram significativamente o seu fornecimento à União Europeia. No nosso caso, em vez dos 4,4 milhões de doses, vamos receber neste primeiro trimestre 1,9 milhões de doses. O que significa que a nossa capacidade de vacinação neste primeiro trimestre vai ser cerca de metade daquilo que estava previsto nos contratos assinados entre as farmacêuticas e a Comissão Europeia", explicou.
Recordando a intervenção do Almirante Gouveia Melo, coordenador da Task Force, na reunião do Infarmed na terça-feira, António Costa salientou que os atrasos na vacinação não são um problema Portugal, "não é [um problema] nem de distribuição nem de recursos humanos suficientes para a administração da vacina".
"O nosso problema está a montante, está fora de Portugal, está fora do nosso controle que é a nossa capacidade de produção por parte da indústria. Por isso gostaria aliás de dirigir aqui um apelo a todos os autarcas que com grande generosidade, empenho e sentido de serviço se têm estado a mobilizar para desde já criarem novos espaços de vacinação que reservem essa energia para os trimestres seguintes onde disporemos da quantidade de vacinas que poderá exigir efetivamente a mobilização de outros espaços que não os espaços atualmente definidos no âmbitos dos agrupamentos de cuidados de saúde. Neste momento esses espaços ainda não são necessários e continuarão a não ser enquanto a indústria não produzir a quantidade de vacinas suficiente, não entregar a quantidade de vacinas suficiente à UE e nós não recebermos a quantidade devidamente contratada", alertou.
O segundo risco referido pelo governante é o da multiplicação de novas variantes do vírus.
"Algumas felizmente ainda não [foram] detetadas em Portugal, algumas [foram] detetadas em Portugal num número completamente confinado, mas outras porém, como a chamada variante britânica que tem tido uma larga prevalência no número de novos casos no nosso país, tendo uma prevalência de cerca de 40% no número de novos casos existentes no país", afirmou.
Segundo Costa, "ninguém sabe, ninguém pode garantir e ninguém pode evitar que novas variantes venham a surgir. Significa isto que devendo nós estarmos confiantes nas medidas que têm vindo a ser seguidas, respeitadas pelos portugueses e que estão produzir bons resultados temos que ter consciência que a situação ainda é extremamente grave que existe por isso o prolongar destas medidas seguramente não só até ao final do mês de fevereiro, como com grande probabilidade pelo mês de março, tanto mais que o número de pessoas a serem vacinadas será menor do que aquele que está inicialmente previsto e que estamos neste momento a viver uma fase em que há várias novas variantes do vírus que exigem cuidado redobrado".
Tendo tudo isto em conta, o primeiro-ministro anunciou que "o Governo decidiu manter o essencial em vigor, o decreto que foi aprovado há 15 dias, e prolongar ao longo deste mês as medidas anteriormente adotadas, que os portugueses já conhecem, e que deverão continuar a ser aplicadas com determinação e que estou certo que continuarão a ser aceites pelos portugueses com sentido de sacrifício, mas de exigência e consciência de que estamos a lutar paela sobreviência coletiva de todos nós e que essa sobrevivência depende do que cada um de nós faça por si e pelos outros".
"Não haverá seguramente festejos de Carnaval e seguramente que a Páscoa também não será a Páscoa que conhecemos"
Questionado sobre se o Governo estava a prever levantamentos das restrições para os períodos do Carnaval e da Páscoa, à semelhança do que aconteceu com o Natal e Ano Novo, António Costa pediu que que "não nos comecemos a concentrar no desconfinamento e concentremo-nos em cumprir de forma rigorosa, como temos estado a fazer, as medidas de confinamento".
"Quanto à Páscoa, já estará fora deste período, teremos tempo para ver, agora há uma coisa que é certa, não haverá seguramente festejos de Carnaval, isso claro que não há, e seguramente a Páscoa também não será a Páscoa que nós conhecemos", assegurou.
A Páscoa, feriado móvel, é este ano no dia 4 de abril.
O primeiro-ministro pediu, mais de que uma vez, que perante uma situação epidemiológica ainda “extremamente grave”, as pessoas não se comecem a concentrar no desconfinamento, mas mantenham o foco “em cumprir de forma rigorosa”, como têm feito, as medidas de confinamento.
“É prematuro começar a discutir o desconfinamento. O desconfinamento não está no horizonte”, alertou, explicando que no estado de emergência que decorrerá até 01 de março “a regra é manter tudo como está”.
Receitas do Estado foram maiores do que era expectável
"Tínhamos saído de 2019 com um excedente orçamental, fechámos 2020 com aquele que se não é o maior défice é um dos maiores défices de sempre. Portanto, houve tudo menos poupança. E se o défice ficou abaixo do previsto, e ainda bem, não foi devido à poupança na despesa, mas foi devido ao aumento da receita expectável e esse aumento da receita expectável resulta essencialmente de dois factores positivos. Um, apesar da crise a receita de IRS ter continuado a aumentar por melhoria do rendimento dos portugueses. Segundo lugar porque os níveis de desemprego não foram tão acentuados quanto aquilo que tinha sido previsto e portanto o montante de contribuições para a Segurança Social superou claramente aquilo que eram as nossas expectativas", disse o primeiro-ministro.
António Costa sublinhou que se "o défice foi menor não por poupança, mas porque a economia resistiu mais porque as nossas empresas foram mais resilientes, porque o conjunto de medidas de política pública que foram sendo adotadas pelo Governo e pela Assembleia da República no Orçamento Suplementar permitiram que os resultados económicos fossem menos maus em 2020 do que aquilo que, inicialmente, se chegou a prever". "
Depois de passarmos de um excedente orçamental em 2019 para o maior ou um dos maiores défices de sempre da nossa vida, podemos falar em tudo menos em poupança", concluiu.
No plano económico, António Costa defendeu que o Governo tem vindo a adotar medidas de apoio, "sendo a melhor forma de as medidas os resultados recentes sobre o nível de desemprego".
"Chegámos ao final de 2020 com um nível de desemprego de 6,8%, claramente abaixo das previsões do Governo. A quebra do Produto Interno Bruto foi menor do que aquilo apontava a generalidade das previsões internacionais. Temos de manter vivo o tecido económico, com proteção do emprego e dos rendimentos, tendo m vista atravessar este túnel muito difícil da vida nacional sem destruir os elementos indispensáveis pata o relançamento da economia", acrescentou.
Costa pede consenso científico sobre metas para confinar ou desconfinar
Questionado sobre quais os indicadores que servirão de base ao Governo para iniciar a prazo um processo de desconfinamento em Portugal, o primeiro-ministro afirmou que o seu Governo "segue critérios que têm a ver com a evolução da pandemia, de capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e com o risco de contaminação existente".
"Na última reunião do Infarmed, um dos cientistas [Manuel Carmo Gomes] propôs três marcas fundamentais que deveriam servir como linha vermelha para se decretar confinamento e não linhas verdes para lhe pôr fim. Por isso, pedi aos nossos cientistas um esforço de consensualização científica sobre aquilo que devem ser os níveis relativamente aos quais as medidas devem ser adotadas", declarou.
Segundo António Costa, a ciência "é naturalmente um espaço de debate e de opiniões diversas e numa democracia não há uma verdade científica oficial".
"Mas, obviamente, daria conforto a todos se o consenso científico pudesse ser mais consolidado e mais alargado. Há opiniões diversas, o que é natural, mas esse debate científico no domínio público gera muitas vezes confusão nas pessoas, que ficam sem saber bem qual a verdade", advertiu.
Por outro lado, António Costa acrescentou que o decisor político "deve seguir o melhor conhecimento científico disponível" antes de decidir.
"Essa informação deve ser tão consensual entre os pares quanto aquilo que seja possível", insistiu o primeiro-ministro.
Debater a reabertura de escolas "é extremamente prematuro"
“Infelizmente é muito cedo para começarmos a especular sobre essa matéria. Estamos a estudar, estamos a trabalhar, ouviremos os parceiros sociais, as comunidades educativas, falaremos com os autarcas, falaremos também com o Presidente da República, ouviremos os partidos, mas neste momento seria extremamente prematuro trazer esse debate para a opinião pública, porque pode induzir em erro os cidadãos. Induzir em erro no sentido de pensarem que o desconfinamento pode começar para a semana ou daqui a 15 dias. O desconfinamento não vai começar nem para a semana nem daqui a 15 dias”, disse António Costa.
Antecipar se o regresso ao ensino presencial acontecerá, mesmo que forma gradual, antes ou depois das férias da Páscoa, este ano mais reduzidas, é igualmente “prematuro”, disse ainda o chefe do executivo.
Sublinhando que as medidas em vigor têm produzido resultados, alertou que têm também custos, nomeadamente na aprendizagem, mas também sociais e económicos, mas que, ainda assim, são “indispensáveis para conseguir trazer de novo a pandemia para níveis de segurança”.
“Estamos ainda longe de o conseguir, por isso neste momento no que nos devemos focar é em prosseguir estas medidas”, disse António Costa, apelando para um cumprimento rigoroso das restrições em vigor e adiantando que qualquer levantamento de medidas será sempre gradual.
“Neste momento o que queria dizer cara a cara aos portugueses, com toda a franqueza, é que concentremo-nos em continuar a cumprir as medidas que estão em vigor com toda a determinação, com o sentido de sacrifício profundo que elas implicam para todos, mas que neste momento acho que seria extremamente precipitado aquilo que certamente teremos que discutir, mas ainda, infelizmente, faltam várias semanas para o termos que fazer”, disse.
Questionado se a redução de números de casos diários está diretamente relacionada com o encerramento das escolas, o primeiro-ministro recusou que o Governo substitua os cientistas na análise das relações causais entre medidas individuais e efeitos obtidos, afirmando que “uma redução geral da circulação das pessoas e um confinamento geral tem consequências imediatas e muito visíveis”.
“A regra é simples e é uma verdade de La Palice: quanto maior for o confinamento, mais rápido nós controlamos a pandemia. Se me pergunta se foi as escolas eu tenho dificuldade em dizer que tendo as escolas fechado a 22 [de janeiro] e tendo o pico sido a 24 [de janeiro] que foram dois dias de encerramento das escolas que determinaram essa quebra. É evidente que o encerramento das escolas somado ao encerramento de todas as outras atividades, tudo junto produziu esses resultados”, disse.
António Costa referiu ainda que os estudos conhecidos já indicavam que não eram as escolas que produziam contaminação, mas que uma redução geral da mobilidade trava a circulação do vírus e alertou que é preciso não esquecer “o outro prato da balança”, o dos custos sociais na aprendizagem e vivência familiar.
O novo estado de emergência
O decreto presidencial para a renovação do estado de emergência até 01 de março, tendo em vista permitir medidas de contenção da covid-19, teve os votos favoráveis de PS, PSD, CDS-PP, PAN e da deputada não inscrita Cristina Rodrigues.
Na votação de hoje, tal como há 15 dias, o Bloco de Esquerda voltou a abster-se. PCP, PEV, Chega, Iniciativa Liberal e a deputada não inscrita Joacine Katar Moreira mantiveram o voto contra este quadro legal, que permite suspender o exercício de alguns direitos, liberdades e garantias.
O projeto hoje aprovado introduz algumas alterações face ao que está atualmente em vigor, prevendo que seja definido um plano faseado de reabertura das aulas presenciais, incluindo uma ressalva a permitir a venda de livros e materiais escolares e admitindo limites ao ruído em certos horários nos edifícios habitacionais para não perturbar quem está em teletrabalho.
Nos termos da Constituição, cabe ao Presidente da República decretar o estado de emergência, por um período máximo de quinze dias, sem prejuízo de eventuais renovações, mas para isso tem de ouvir o Governo e de ter autorização do parlamento.
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