Os contentores brancos onde funciona a urgência dedicada à Covid-19 do maior hospital do país estão instalados em frente à Urgência Central e separados do edifício principal para garantir a segurança dos outros doentes que ali vão fazer os seus tratamentos, consultas e cirurgias.
A nova ala foi criada recentemente já depois da primeira fase da pandemia, concentrando os serviços que eram assegurados até então pelas tendas da Cruz Vermelha, pelo espaço na receção central do hospital e por um pré-fabricado.
O que se pretendeu foi “separar os doentes suspeitos dos não suspeitos com a criação de circuitos separados”, diz à agência Lusa o médico Jacques Santos, adjunto da direção do Serviço de Urgência.
Sobre se tem aumentado a afluência de doentes com Covid-19 ou suspeitos de estarem infetados, o médico afirma que “tem sido de dia para dia, cada vez mais”.
“Temos capacidade para 26 doentes e, neste momento, a capacidade está quase preenchida no ‘Covidário’, embora estejam doentes a aguardar transferência para os serviços”, explica.
O movimento é visível à porta da urgência. No dia da reportagem da Lusa em Santa Maria, realizada na terça-feira. Há ambulâncias do INEM estacionadas, profissionais de saúde equipados com fatos de proteção e algumas dezenas de pessoas a aguardar para fazer o teste à Covid-19: uns estão sentados nos pilaretes que ladeiam o passeio, enquanto outros preferem esperar de pé a sua vez.
Lá dentro, os profissionais de saúde desdobram-se na zona de triagem, onde fazem as zaragatoas, e circulam pelas várias boxes individuais, onde estão os doentes em situação mais grave, deitados em macas à espera de serem transferidos para outros serviços.
Neste serviço, existem ventiladores, uma sala de reanimação e todos os medicamentos e máquinas necessárias para apoiar os casos mais urgentes.
“Estamos a internar muitos doentes em cuidados intensivos”, adianta Jacques Santos, recordando que no início da segunda vaga parecia haver menos doentes graves, porque a população infetada era mais jovem, mas “foi um erro acreditar nisso”.
“No meio de tantos doentes novos dá aquela sensação de que o vírus está a ser menos agressivo”, mas “a gravidade dos doentes não é menor”, observa.
Todos dias passam pela urgência entre 100 e 150 utentes, segundo o presidente do Centro Hospitalar Lisboa Norte, Daniel Ferro, considerando que ter a urgência separada ajuda, porque evita-se “ao máximo” o contacto com a instituição, que monitoriza os dois terços que recorreram à urgência e foram enviados para casa, mas podem vir ainda a ter sintomas.
Apesar dos longos meses de pandemia e do cansaço expresso na cara de muitos profissionais de saúde, a vontade de ajudar permanece.
“Em termos de enfermagem mantemos o mesmo perfil desde março até hoje”, disse à Lusa Carlos Neto, enfermeiro gestor dos Serviços de Urgência, que tem estado no combate à pandemia desde o primeiro dia.
Para o enfermeiro, as maiores dificuldades estão “na pressão da insegurança” que os profissionais têm e “na incerteza relativamente ao futuro”, devido ao “prolongamento desta situação”, o que se vai “notando na equipa no seu todo”.
“Mas não baixamos a guarda”, garante Carlos Neto, considerando que os maiores desafios que os profissionais têm de enfrentar é manter os “perfis de segurança, evitar a contingência de dificuldades de material e de meios humanos e prestar a assistência que é necessária”.
É uma situação que exige “um grande esforço” e apesar de os profissionais ainda não estarem em exaustão tudo isto “vai deixando umas marcas pela extensão temporal da pandemia e certamente pelo que virá, porque ainda vai demorar uns meses”.
Para o médico Jacques Santos, o problema é que os profissionais não tiveram um período em que estiveram “ausentes da infeção”.
Fazendo uma comparação com a gripe A, o médico diz que aí se sabia que havia “um período longo” de acalmia (a primavera, o verão e o outono), o que não aconteceu com este vírus.
Só no confinamento, mas não deu tempo suficiente para recuperar, além de que nessa altura havia muitos profissionais de saúde infetados ou em quarentena e isso fez com que “fosse difícil gozarem as férias em pleno”.
Cerca de 50 das 60 camas de enfermaria ocupadas
Cerca de 50 das 60 camas de enfermaria para doentes Covid-19 do Hospital de Santa Maria têm estado ocupadas no último mês, com a equipa médica receosa que de repente surjam muitos doentes nesta segunda vaga da pandemia.
“A grande diferença em relação à primeira vaga é o número de doentes que entram por dia e nós não nos podemos ver livres, entre aspas, dos doentes que já cá estão”, diz à agência Lusa o diretor do Serviço de Medicina II, António Pais Lacerda.
Desde o início da pandemia em março que este serviço recebe os doentes com infeção SARS-CoV-2. À medida que foi necessário, o número de camas foi aumentando e poderá ainda aumentar “à custa de não haver tantas camas” para doentes não-covid-19.
Cada doente tem um tempo demorado de estadia no hospital: “Nunca são doentes para estar uma semana”, mas 15 dias, três semanas, dependendo das complicações que vão tendo.
A nova norma de critérios de cura da Direção-Geral da Saúde veio beneficiar “um pouco” porque já não obriga os doentes a ter uma análise negativa para ter alta.
Os doentes que já estão sem sintomas, sem febre e sem necessidade de oxigénio, apesar de ainda poderem ter testes positivos, já não estão infecciosos e podem ir para outra zona do hospital, para casa ou para alguma instituição, explica António Pais Lacerda.
Nos casos em que a situação do doente piora, é transferido para o Serviço de Medicina Intensiva, onde atualmente “há um pouco menos de doentes internados” relativamente à primeira fase da pandemia, segundo o presidente do Centro Hospitalar Lisboa Norte, que integra o Hospital Santa Maria.
“Não sabemos se o crescimento irá ou não ultrapassar aquilo que foi a primeira fase, mas estamos preparados para isso quer do ponto de vista da enfermaria, quer do ponto de vista de cuidados críticos”, assegura Daniel Ferro, adiantando que, no dia da reportagem da Lusa, realizada na terça-feira, estavam internados no hospital 60 doentes e que são internados diariamente três ou quatro doentes.
No Serviço de Medicina Intensiva, imperam as mesmas regras do início da pandemia, mas com os profissionais mais preparados com o conhecimento que adquiriram ao longos de meses a acompanhar doentes que estão entre a vida e a morte.
Todos os dias, os profissionais travam ali duas batalhas: responder à mínima alteração detetada nos doentes e vestir e despir o equipamento de proteção individual que obriga a um ritual rigoroso.
Dos doentes internados, apenas um estava em coma induzido, os restantes estavam conscientes, mas todos entubados e ligados a máquinas de onde sai um emaranhado de fios.
O diretor do serviço, João Ribeiro, não quis falar de números, afirmando que, neste momento, “as grandes preocupações que devem presidir” são “a proteção do cidadão e do sistema de saúde”.
“Essa é a grande obrigação do Estado e de todos os seus agentes que vai desde a tutela aos diretores dos serviços de ação médica”, sublinha o intensivista.
Neste momento, vinca, “os problemas são realmente muito distintos e ultrapassam muito a dimensão estritamente clínica e que estão relacionados com o impacto de uma doença que tem esta expressão pandémica”.
“É fundamental tomarmos consciência que há um imperativo obviamente científico (…) mas depois há um imperativo que em termos muito globais é da sociedade naquilo que é a sua plenitude”, afirmou.
Para João Ribeiro, “há uma responsabilização que é absolutamente transversal e que tem de se exprimir”, defendendo que “se houver uma resposta sincronizada” haverá “melhores condições de conseguir os melhores resultados possíveis”.
“Não vamos conseguir de todo controlar em absoluto a expressão da pandemia, mas podemos alterar e mediar um pouco aquilo que é a sua expressão na sociedade”, considerou, desenvolvendo conceitos para conseguir o “achatamento da curva” epidémica, essencial para proteger o cidadão e o SNS.
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