Três dias depois do fecho das escolas e de muitas empresas terem optado por mandar os seus funcionários para casa em teletrabalho, e muitos também para tomar conta dos filhos, devido à pandemia de Covid-19, o trânsito diminuiu nas ruas do bairro de Telheiras, em Lisboa, e os passeios encheram-se.
Um dos talhos da rua principal atende a meio da manhã os clientes que foram buscar senha pelas 08:00, normalmente a hora de abertura. As pessoas esperam, pacientemente, do lado de fora, já que no interior só podem estar seis clientes.
Entre eles, Ana Martins e Sónia Sequeiras explicam à Lusa que vão fazer “uma compra normal”, dado não terem espaço “para guardar muita coisa”.
Sónia Sequeira acrescenta que as encomendas do talho para entrega ao domicilio estão “com um prazo de mais de uma semana”, por isso hoje decidiu ir abastecer, temendo que o Presidente da República “mais logo declare estado de emergência no país”.
“Ontem [terça-feira] também vim à frutaria aqui do bairro, evito os espaços grandes onde se concentra mais gente”, diz.
André está a fazer um trabalho como eletricista no metro de Lisboa e aproveitou uma pausa para ir ao minimercado e comprar algumas coisas que não conseguiu em Moscavide, no vizinho concelho de Loures, onde vive.
“Consegui comprar o que precisava, não houve [fila] nada de especial. Aproveitámos o momento para comprar água, que lá onde moro já está complicado, há alguns mercados pequenos cujo acesso é difícil e depois também não têm os produtos”, diz o jovem, que por norma, mas ainda mais agora, escolhe o comércio local em detrimento das grandes superfícies.
Já Rosário opta por levar “pão e algumas coisas”, para si e para os seus pais. O marido ainda sa para trabalhar, mas os seus filhos, na casa dos 20 anos, não têm saído, assim como os seus pais.
“Não tenho nada em casa e estou a comprar para os meus pais também. Tenho imenso receio do que pode ser decidido mais logo. Nunca tive muita coisa em casa, mas agora é o descalabro com os dois miúdos em casa”, explica, adiantando estar “a tentar evitar ao máximo” sair de casa. Quando o faz, “é o mais cedo possível”.
Aeji, proprietário do minimercado onde André e Rosário fazem hoje as suas compras, conta que tem a loja aberta há 14 anos e vai continuar até ter o que vender.
“Hoje acaba a água e o pão, já não consigo comprar mais. A fruta também tenho de vender mais cara porque também a compro a outro preço. De resto ainda não tenho falta de ‘stock’ nas outras coisas”, diz Aeji.
A rua conhecida como “das esplanadas” em Telheiras tem ainda os cafés abertos, no entanto, as mesas estão despidas de clientes a conviver num dia de quase primavera que, numa outra situação, estariam cheias de pessoas a aproveitar o sol.
Mais à frente, numa outra frutaria, os clientes entram um a um, consoante a sua vez. Mónica explica à Lusa que normalmente sai todos os dias de casa, dado que, atendendo à idade, tem de andar e mexer-se. Agora, porém, evita, porque “dizem que o bichinho gosta dos mais velhos”.
“As lojas onde costumo comprar os alimentos confecionados estão já fechados e tenho de me governar em casa, onde somos dois. Sempre usei o comércio aqui do bairro, hoje levo pão, fruta e mais algumas coisas porque as medidas podem ser mais rigorosas”, explicou.
Maria Rita conta que veio “essencialmente buscar frutas e outras coisas” para ter em casa, mostrando-se apreensiva quanto ao facto de poder ser decretado estado de emergência.
“Não sei como será. Moro aqui e faço compras por aqui, agora até dá mais jeito fazer as compras no comércio tradicional, estamos mais protegidos do que nas grandes superfícies”, afirma.
Tem evitado espaços com muita gente e vai-se protegendo com luvas e máscara.
“Quando chego a casa descalço-me à porta, penduro o casaco na varanda, desinfeto-me e desinfeto aquilo que levo. Isto não é nenhuma brincadeira, há pessoas que ainda não perceberam que isto é muito perigoso”, lamenta Maria Rita.
Um pouco mais à frente, Maria de Lurdes faz as compras “de última hora”, como se de um sábado se tratasse: “Levo legumes frescos que ainda há, não estive à espera muito tempo, mas também não fui ao talho, é onde está mais complicado”.
“É imprevisível dizer se tenho tudo o que preciso em casa, vamos gerindo o dia a dia, não entrar em pânico, apesar de estar apreensiva quanto ao impacto económico da situação”, diz Maria de Lurdes, que já está a trabalhar em casa.
Admite estar apreensiva não só pela situação atual do aumento de novos casos positivos de Covid-19, mas porque a capacidade de resposta “pode não ser suficiente”. Diz ter consciência de que ninguém estava preparado.
“Este não é tempo para críticas, é tempo de dar as mãos e trabalhar”, afirma.
Em Portugal, a Direção-Geral da Saúde (DGS) elevou hoje o número de casos confirmados de infeção para 642, mais 194 do que os contabilizados na terça-feira. No entanto, este número baseia-se na confirmação de três casos positivos nos Açores, mas a Autoridade de Saúde Regional, contactada pela Lusa, sublinhou serem dois os casos positivos na região e adiantou estar em contactos para se corrigir a informação avançada pela DGS, baixando assim para 641.
Dos casos confirmados, 553 estão a recuperar em casa e 89 estão internados, 20 dos quais em Unidades de Cuidados Intensivos.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, reuniu hoje o Conselho de Estado, para discutir a eventual decisão de decretar o estado de emergência.
Portugal está em estado de alerta desde sexta-feira, e o Governo colocou os meios de proteção civil e as forças e serviços de segurança em prontidão.
Entre as medidas para conter a pandemia, o Governo suspendeu as atividades letivas presenciais em todas as escolas desde segunda-feira e impôs restrições em estabelecimentos comerciais e transportes, entre outras.
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