Quando se dirigiu à assembleia de voto, em Lisboa, para exercer o seu direito cívico, o membro da mesa a quem entregou o cartão de cidadão, atirou-lhe um seco “Não gosto!” após ter lido o seu nome. Espantada, Esther questionou: “Não gosta de quê?”. “Não gosto do nome e dos massacres que andam para lá a fazer” foi a resposta. Que não deixava margem para dúvidas: “Ele percebeu imediatamente que eu era judia, e relacionou-me com o que se passa em Gaza…”, conta ao 7MARGENS a fundadora e presidente da Associação Memória e Ensino do Holocausto – Memoshoá, para concluir: “Nós, judeus, somos reféns desta guerra, porque acabam por nos culpar por ela”, e situações como esta precisam de ser denunciadas.
Perante o silêncio e a inação das restantes pessoas na mesa de voto e na fila para votar, Esther Mucznik manteve a calma e afirmou: “Eu sou portuguesa, voto como portuguesa e como o senhor está a infringir a Lei num espaço e num dia em que a neutralidade política é uma regra, vou apresentar uma queixa a quem de direito”, dirigindo-se depois ao local indicado para preencher o seu boletim. Quando regressou para colocá-lo na urna, o membro da mesa voltou a dirigir-lhe a palavra: “Mas não tenho direito de não gostar de um nome ou pessoa?”. A antiga vice-presidente da Comunidade Israelita de Lisboa respondeu: “Claro que tem o direito de não gostar, mas também a obrigação, em especial neste dia e aqui, de guardar para si”. E voltou a sublinhar que iria fazer uma queixa.
“Nunca me tinha acontecido uma coisa destas e nunca pensei que iria acontecer, muito menos nestas circunstâncias”, confessa Esther Mucznik ao 7MARGENS. “Vim embora magoada e a pensar com que direito é que ele podia dizer o que disse… Se me pedirem para caracterizar o que ele disse e a forma como falou, não posso afirmar outra coisa senão que se tratou de uma manifestação de antissemitismo, e que isto pode ser considerado um crime de ódio”, sublinha.
Esther Muczik partilhou o sucedido nas suas redes sociais, acrescentando que, face ao aumento do antissemitismo na sequência da guerra em Gaza, “a solidariedade de todos é fundamental”. Para a investigadora de temas judaicos, que acaba de publicar um livro onde conta a história da sua família, é essencial que as pessoas compreendam que “há muitos judeus contra a guerra e que, muito antes do dia 7 de outubro [de 2024, quando aconteceu o ataque do Hamas], milhares de israelitas saíam à rua todas as semanas para lutar pela democracia, e que muitos continuam a pedir a demissão do [primeiro-ministro de Israel] Netanyahu”.
Para isso, os meios de comunicação social, sobretudo as estações televisivas, “precisam de mostrar tudo, e não apenas o que se passa na Faixa de Gaza”, defende Esther Mucznik. “Vejo muitas vezes imagens repetidas do sofrimento em Gaza, o que não diminui em nada a tragédia que os palestinianos estão a viver ali – e eu estou solidária com eles –, mas ninguém fala nas mulheres israelitas que foram violadas, mutiladas e assassinadas pelo Hamas ou que ainda estão todos os dias à mercê dos terroristas, ou do sofrimento das famílias dos reféns”, assinala, considerando que “o facto de se ignorar deliberadamente o que aconteceu no 7 de outubro é, em si, um ato antissemita”.
Este “desequilíbrio” na informação veiculada por muitos média pode, na perspetiva de Esther Mucznik, ser um dos fatores que explicam o aumento do antissemitismo em vários países. “Em Portugal, ainda não temos números, mas eu acho que sim, que os atos antissemitas também aumentaram no nosso país”, afirma a investigadora, que regularmente assina textos de opinião no jornal Público e verifica que, “independentemente do que escreva, há cada vez mais comentários negativos”. “E eu até escrevo muitas vezes contra o Governo de Netanyahu… mas mesmo assim muitos acusam-me de ser uma sionista e há comentários verdadeiramente horríveis”, lamenta, acrescentando: “Quando leio aqueles comentários, a conclusão é que eu sou culpada da guerra que está a destruir Gaza.”
Precisamente a mesma acusação que pode ser inferida dos comentários que escutou quando foi votar no passado domingo. “Por isso, tal como disse ao senhor que os proferiu, estou a preparar a queixa à Comissão Nacional de Eleições e vou também à Junta de Freguesia, para identificar claramente as pessoas em causa”, adianta Esther Mucznik ao 7MARGENS. “Tenho algumas dúvidas sobre a eficácia destas queixas, mas espero sinceramente que haja consequências”, conclui.
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