Diz que Viseu é uma cidade maravilhosa, mas falta dinheiro nos bolsos de quem lá mora. Acredita que novos tempos exigem novas dinâmicas, que só dificilmente se conseguirão com equipas antigas - o PSD, que lidera a câmara há anos, voltou a escolher para seu cabeça-de-lista Fernando Ruas, presidente da câmara entre 1989 e 2013.
Militar na reserva, Fernando Figueiredo considera que "temos de ser mais do que as nossas fronteiras geográficas", o que significa deixar de "olhar para o umbigo" e pensar em conjunto uma estratégia para aquela área metropolitana. E "Viseu tem de ser o motor da mudança".
Propõe baixar impostos para as pessoas e para as empresas, alterar a política de transportes e pensar mais longe do que o "quase nada" que o município tem inscrito no Plano de Recuperação e Resiliência, nomeadamente para enfrentar os problemas de falta de água que já se fizeram sentir em 2017.
Antes de mais, como é que um coronel vem parar à política? É uma espécie de Ramalho Eanes de Viseu?
Gostava eu de estar ao nível do nosso general Ramalho Eanes, isso seria sobretudo uma honra e dava-me a certeza de que deixaria nome na história. Estou a trabalhar para isso, mas muito longe disso. De alguma forma fui sempre acompanhando a vida da cidade no aspeto mais social, recreativo, fui dirigente de alguns clubes, fundei outros, nunca deixei de ter uma participação activa em termos cívicos - políticos não podia, estava-me vedado pelos estatutos. Mas fui mostrando à cidade que podia ser útil. De tal maneira que quando passei à reserva, Hélder Amaral [deputado por Viseu] convidou-me para ser candidato pelo CDS à Assembleia Municipal. Foi uma experiência muito interessante, porque em 20 anos conseguimos abanar o gigante laranja, o "Cavaquistão", e passámos de uns míseros 2% para qualquer coisa para 10%, e elegemos um vereador e três deputados municipais. Uma vitória estrondosa. E ficou-me este bichinho.
Mas agora é candidato pela Iniciativa Liberal. O que mudou?
Eu dava consultadoria a grupos empresarias, sobretudo na área da liderança - as empresas gostam muito dessa experiência com os militares. E, a meio do mandato, em 2015, fui desafiado para ir para Timor Leste, onde já tinha estado em missão. Pedi desculpa ao eleitorado, apresentei as minhas razões, e fui cinco anos para Timor. Quando regressei achei a cidade mais do mesmo. Pensei que não podia ser, tínhamos de sair do marasmo. A cidade é fantástica, o concelho é extraordinário, o potencial enorme. No essencial, nada se alterou, continua a faltar dinheiro no bolso, a fatura da água continua a pesar muito no final do mês. À medida que fui encontrando algum desencanto no CDS fui-me afastando, deixei a militância, fiquei livre para outros projetos. De repente, vejo o Carlos Guimarães Pinto a aparecer, encantou-me aquele discurso, aquela forma livre de olhar a sociedade, e pensei: está aqui uma opção. Fui contactando o Carlos, fui juntando meia dúzia de jovens em Viseu, cujo principal requisito era não precisarem da política para viver, e fez-se um núcleo. Foi assim que apareceu a candidatura.
No essencial, nada se alterou, continua a faltar dinheiro no bolso, a fatura da água continua a pesar muito no final do mês
O que foi fazer para Timor e que diferenças encontrou desde a altura em que lá tinha estado em missão?
A primeira imagem de Timor, 15 anos depois, foi de desencanto. A estrada tinha o mesmo buraco que eu tinha deixado, a vida das pessoas não se tinha alterado significativamente; a vida nas montanhas continuava com as mesmas rotinas, as mesmas dificuldades, muita gente a viver abaixo do limiar da pobreza, gente a viver com cinco dólares [menos de cinco euros] por dia, que é uma coisa horrível. O primeiro choque foi de muita consternação, afinal, as notícias que lia em Portugal sobre os sete mil milhões que gastaram não eram verdade, o dinheiro desapareceu, não se via um quilómetro novo de estrada, um novo hospital, nada. Mas, como ia com um grupo para fazer uma clínica, um hospital, agradou-me poder contribuir. Depois, durante os cinco anos que ali estive Timor voltou a entranhar-se, aquela gente não tem nada, mas dá tudo. Literalmente. Acabei por levar para lá a família - tenho dois miúdos pequenos, nove e dez anos, e foi lá que cresceram, a brincar com os outros na rua, descalços, no meio da chuva, nas poças de água, com uma bicicleta que só tinha um pedal. Ali éramos nós os estrangeiros. Eles eram os dois miúdos brancos numa turma de timorenses, onde também havia chineses, australianos.
Quando regressaram a Portugal, cinco anos depois, o que sentiram, como foi a readaptação?
Confesso que foi um terror. Porque passamos do oito para o oitenta, de uma sociedade onde as regras são aquelas que são possíveis, para uma sociedade onde as regras são impostas. De repente, encontraram-se no Colégio da Imaculada Conceição, onde as freiras são piores do que eu era com os meus soldados na recruta. De modo que foi um choque, passei os primeiros meses a ser chamado à escola, ora porque o Manuel fechava uma freira na casa de banho, ora porque o António em novembro, num dia de chuva, resolvia tomar banho numa poça de água. Foi difícil até perceberem que há regras, que é preciso andar com cinto de segurança no carro ou que é atrás que se sentam, não à frente.
Não deve ter sido fácil, porque pouco depois veio a pandemia.
A razão de ter regressado a Portugal foram eles, porque, apesar de tudo - e havia lá uma escola portuguesa fantástica, com uma direção técnica e pedagógica muito ao nível de cá - os estímulos contam muito e achámos que era altura de não pensar só em dinheiro e pensar na educação deles. Porque, de facto, eles estavam em turmas de 27 ou 28 alunos, onde os timorenses fazem um esforço por aprender o português, não é exatamente como as nossas escolas, que hoje até têm uma educação bilingue.
Disse que as empresas gostam de convidar militares a falar sobre liderança, e pensar no vice-almirante Gouveia de Melo. O que têm os militares que os civis não têm?
É um dado curioso, mas, basicamente, o que temos é rigor e disciplina. Acho interessante que se desenhe este cenário à volta do vice-almirante e ele que sirva como exemplo galvanizador, mas, ao mesmo tempo, assusta-me quando penso que esta não é a norma seguida na administração pública. Porque ele devia passar absolutamente despercebido. E isso significaria que tínhamos um Portugal a sério, um Portugal em que valia a pena acreditar e que é capaz de se colocar ao nível dos melhores países europeus, ombro a ombro. Perdemos, de facto, esta capacidade de aceitar o óbvio, com rigor, com disciplina, com método. Ao fim ao cabo, é isso que os militares tentam transportar para a política, toda a parte de planeamento que envolve o processo de decisão. Decidir é sempre um processo que deve ser assumido com método, rigor e racionalidade. E, nessa matéria, o que fazemos é analisar o problema, e para isso rodeamo-nos especialistas nessa área, o chamado Estado-Maior, em que cada um dá o seu contributo ao seu nível - o que é preciso em termos logísticos, de meios, os objetivos a atingir - e é desenhado um plano. O comandante decide o plano depois há que executá-lo com rigor e disciplina. E supervisioná-lo, acompanhar de perto as pessoas a execução para as pessoas sentirem que não há margem para falhar. Acho interessante, porque às vezes falamos com grupos jovens sobre estas matérias e encontramos um esgar de espanto, quando aquilo que estamos a dizer são coisas básicas, o óbvio. E isso assusta-me. O facto é que perdemos essa capacidade de planear sem, ao mesmo tempo, deixar de sonhar. Porque há sempre um risco, mas temos de assumir esse risco e ser capazes de ter ambição planeada para dar passo mais além, fazer acontecer.
Acho interessante que se desenhe este cenário à volta do vice-almirante e ele que sirva como exemplo galvanizador, mas, ao mesmo tempo, assusta-me quando penso que esta não é a norma seguida na administração pública
Não deixa de ser irónico, porque uma sociedade super-competitiva devia gerar bons líderes.
Mas perdemos os princípios associados a isso. Perdeu-se a ética, a solidariedade, tornámo-nos uma sociedade muito condicionada a todos os níveis, só consumimos e não pensamos na produção. E basta um dos elementos da cadeia falhar, indignar-se, fazer greve, sair do processo, tudo se desmorona. É terrível viver numa sociedade assim. E a culpa é nossa, também. Tenho um filho mais velho, tem 33 anos, e só agora que é pai começou a descobrir que as batatas não nascem nas prateleiras do Continente. Porque eduquei-o um pouco assim, a pôr-lhe dinheiro no bolso. Talvez por ter visto os meus pais fazerem um enorme esforço para me darem uma vida melhor. Quando fui concorrer à Academia Militar o meu pai deu-me o dinheiro certo para o bilhete de ida de comboio, tive de ir a pé de Santa a Polónia até à Gomes Freire, o dinheiro não chegava para o táxi. E tive de andar a perguntar a toda a gente onde era, fiquei pasmado como a cidade era tão grande [1979]. Estas imagens acompanham-me, e procurei, e procuro, dar uma vida melhor aos meus filhos, mas ao mais velho não ensinei para que servem as mãos. Foi um erro. E se continuarmos a insistir nesta sociedade em que a competitividade só se faz por um lugar cimeiro, pondo o pé na cabeça dos outros, muita gente vai ficar enterrada nisto. Temos de alterar estes princípios e estas lógicas.
se continuarmos a insistir nesta sociedade em que a competitividade só se faz por um lugar cimeiro, pondo o pé na cabeça dos outros, muita gente vai ficar enterrada nisto
Não vai educar os seus dois filhos mais novos da mesma maneira?
Não. Primeiro porque a experiência de Timor também os marcou, habituaram-se a dar valor a outras coisas, depois porque sem lhes retirar aquilo que hoje faz parte do dia-a-dia deles, têm normas em casa, não podem estar o dia inteiro ligados aos gadgets porque temos uma ecopista aqui ao lado e vamos dar uma voltinha de duas horas na bicicleta. Divertem-se mais e além disso não engordam.
Por que motivo foi para a Academia Militar?
Foi por influência de amigos. O meu pai era muito amigo de um coronel do Exército lá da aldeia, que lhe vendeu a ideia de que isto era uma profissão com futuro. Para a minha mãe, a alternativa era eu ir para padre - preferi ir a pé até Lisboa.
E porque foi para a reserva tão cedo?
Por causa dos filhos que, entretanto, apareceram e contra a vontade do general-chefe, que rasgou à minha frente o requerimento que meti para passar à reserva. "Este requerimento é teu?" "Sim" "Wrap, wrap. Podes ir embora". Foi um despacho muito rápido. Lá fora é que me explicaram que tinha outras apostas para mim. Mas já tinha andado nas missões, fui para o Iraque, estive em Timor. O meu filho mais velho cresceu tão rápido e cortou o cordão umbilical tão cedo, que quando dei conta tinha um filho que não vi crescer e uma família que, entretanto, se desmontou. O primeiro erro todos podemos cometer, à segunda era falta de inteligência. Já tinha o tempo todo de serviço nos termos da lei, 36 anos de serviço efectivo, e os descontos todos feitos - comecei a descontar logo em 1979, nem sabia o que isso era -, passei à reserva.
Como foi a experiência no Iraque?
Bom, isso... Para Timor fui com prazer, para o Iraque foi uma imposição. Disseram-me que reunia os requisitos que ia naquela missão prestar assessoria militar no Centro Operacional da NATO, que dava assessoria directa ao primeiro-ministro iraquiano [Jawad al-Maliki]. Foi em 2007, estava aquilo ainda muito quente. Foi muito duro. O Iraque marcou-me muito na forma como passei a olhar o Homem, a olhar para a vida como valor supremo. Porque assisti a coisas que me chocaram muito e que me fizeram quase, naquele instante, sentir um canalha. As imagens marcavam-nos muito, estávamos numa realidade realmente oposta à nossa. Não percebo como é que nos metemos numa coisa daquelas, porque não podia resultar bem. Eles até escrever escrevem ao contrário. Para os ajudar a traduzir um documento no Excel ou no Word tinha de virar o ecrã ao contrário, nem conseguia trabalhar naqueles equipamentos.
O Iraque marcou-me muito na forma como passei a olhar o Homem, a olhar para a vida como valor supremo
Quando diz que a realidade era oposta à nossa e que assistiu a coisas que o chocaram, de que fala?
Nós somos capazes de dar a vida por um filho. Eles, se for preciso, fazem o contrário, usam o filho para castigar o inimigo, uma coisa que nos deixa sem chão. Na questão das mulheres, que é um tema outra vez na ordem do dia por causa do Afeganistão... Chorei no dia em que tive de despedir a minha intérprete, Reena (jóia em árabe), uma senhora encantadora, altamente profissional.
Por que razão teve de a despedir?
Quando chegou a altura do Ramadão disseram-me que tinha de despedir. "Mas porquê?!" "Porque temos ideias perniciosas à volta da senhora e o profeta castiga..." Por favor, também tenho um deus e ideias perniciosas, o mal é se as ponho em prática". "Tens de a despedir". "Mas, sabem o que isso significa?" "Sabemos". "Vou explicar, talvez não tenham percebido. Ela aparece connosco na televisão, toda a gente a vê. No dia em que passar este portão vai ser chacinada". "Sim, sabemos disso. É bom que assim seja para não contar o que se passa cá dentro". Imagine. Agora, como é que eu digo isto a uma mulher?
Soube alguma coisa dela depois de a ter despedido?
Durante uns tempos ainda recebi alguns emails, depois deixei de receber, não faço ideia se entretanto encontrou o seu equilíbrio ou se entregou a alma ao Criador.
Vamos a Viseu. Em que circunstâncias é que Viseu aparece na sua vida?
Viseu aparece para mim logo na minha juventude. Nasci no distrito da Guarda, no concelho de Gouveia, mas, curiosamente, já nos anos 60 Viseu era o elemento aglutinador da região, a capital da Beira Alta. E o meu pai, fosse para comprar um prego, fosse para vir à feira de São Mateus ver o último modelo do trator - uma coisa que me custava, estar ali horas e horas e ver tratores -, tinha de ir a Viseu, era fatal como o destino. Portanto, habituei-me a ir a Viseu. Quando vou para a Academia Militar e tenho de optar por uma arma ou por um serviço, opto pela Infantaria, que me permitia a colocação em Viseu. Primeiro estive por Mafra, mas no segundo ano lá fui.
E da Viseu de então para a Viseu de agora o que mudou?
Há muita diferença. Viseu, nessa matéria, tem sido sempre a crescer. Apesar de ter tido basicamente liderança laranja [PSD], é preciso reconhecer que os anos de ouro dos fundos comunitários foram bem aproveitados na cidade, que cresceu de forma harmoniosa.
é preciso reconhecer que os anos de ouro dos fundos comunitários foram bem aproveitados na cidade, que cresceu de forma harmoniosa
Diz-se que em equipa vencedora não se mexe. Porquê mudar, então?
Porque a equipa, como é próprio do poder, a dada altura vai perdendo vitalidade e vai-se corrompendo. Agora é preciso criar novas dinâmicas, novas formas de olhar a política e de projetar o concelho. Porque, entretanto, a realidade também mudou muito. Até esta questão da pandemia nos obriga a repensar tudo, até os equipamentos; vale a pena estamos a fazer um centro de artes e espetáculos todo fechado ou vale mais apostar em anfiteatros ao ar livre? Mudaram as circunstâncias temos de mudar a equipa, porque esta já não é capaz de se reinventar. E a prova de que não é capaz de se reinventar é que o PSD acabou por ir buscar o Dr. Ruas [ex-presidente], pese embora toda a vitalidade que apresenta (e que eu gabo e gostava de ter naquela idade [72 anos]. Mas vem formatado dos anos 70. Acredito que sou capaz de, com uma oposição séria e com ideias, injetar algum sangue naquela equipa, agora, estar à espera que a mesma água passe duas vezes na mesma ponte, isso não acontece.
Acredito que sou capaz de, com uma oposição séria e com ideias, injetar algum sangue naquela equipa, agora, estar à espera que a mesma água passe duas vezes na mesma ponte, isso não acontece
De que é que Viseu precisa e que projectos tem para o concelho?
Basicamente, Viseu precisa de investir mais nas pessoas e nas empresas. Colocar mais rendimento nas pessoas e facilitar a vida às empresas. A cidade, de forma geral, carateriza-se por ter quase tudo, senão tudo; no comércio tem ofertas de todo o género, de toda a qualidade, ao nível de lazer temos espaços como o [Parque do] Fontelo, a Aguieira, a ecopista, uma série de valências, espaços rurais à volta, enoturismo, o Dão, as pessoas simples da aldeia, o linho, o estanho. Isto chega para conseguirmos criar aqui uma marca, para podermos vender a cidade lá fora. Além da hospitalidade e da simpatia dos viseenses enquanto beirões. O que se nota, é que há um constrangimento muito grande ao nível de taxas e de taxinhas. Dou-lhe dois exemplos: um casal jovem paga de água anualmente 240 euros, se gastar 10 metros cúbicos de água. Desse valor, 42,5%, quase metade da fatura, são impostos. Uma pequena empresa paga por mês 19,44 euros e só 1,79 euros representam o consumo, os restantes 90% são impostos. Não podemos ser amigos das famílias e das empresas taxando-os sucessivamente.
um casal jovem paga de água anualmente 240 euros, se gastar 10 metros cúbicos de água. Desse valor, 42,5%, quase metade da fatura, são impostos. Uma pequena empresa paga por mês 19,44 euros e só 1,79 euros representam o consumo, os restantes 90% são impostos
Qual a proposta da Iniciativa Liberal?
Nós propomos aliviar a carga fiscal. Propomos reduzir no primeiro mandato de 4% para 2% a taxa de participação em IRS para pôr o dinheiro no bolso das pessoas. Isto significa 2,3 milhões no orçamento da câmara, que ronda os 120 milhões de euros. Da mesma forma, entendemos que há que desburocratizar o processo nas empresas, facilitando-lhes a vida para que se instalem aqui, e queremos reduzir as taxas de derrama para que possam pagar melhor aos seus empregados. Porque o que falta em Viseu é as pessoas ganharem um pouco mais, ainda temos um défice de rendimento muito grande em relação a Lisboa. O que leva os jovens a não se fixarem aqui - e não é de agora, vi isso com o meu filho mais velho. Em Viseu, um estágio é pago a 750 euros, enquanto em Lisboa, para o mesmo curso, na mesma empresa, é pago a 1250 euros. São 500 euros de diferença. Isto, para os jovens, representa ter ou não ter o último modelo da Apple. E, para os jovens, o preço da McDonald´s é igual é todo o lado, os preços do Continente também. Mas, além disso, em Lisboa há um passe social - pago por todos, incluindo pelos viseenses - e em Viseu não. No caso das famílias pesa ainda mais. É preciso criar uma rede de transportes para que as pessoas, mesmo trabalhando em Mangualde [a 25 km], possam deixar de levar o carro. E isso ainda não acontece no interior.
Em Viseu, um estágio é pago a 750 euros, enquanto em Lisboa, para o mesmo curso, na mesma empresa, é pago a 1250 euros
Por que motivo Viseu não se organiza com os concelhos à volta para resolver a questão dos transportes?
Penso que nós, no interior, ainda vivemos um bocadinho a síndrome de Salazar. Temos de libertar esta região de passar a vida a pensar pequenino. Como não temos ambição, não somos capazes de ir a Lisboa dizer: "Porque é que a universidade vai sempre para outros locais e para Viseu não?", "porque é que todos têm comboio e Viseu não?", "por que razão Viseu, capital de distrito, não tem uma auto-estrada a ligá-la a outra capital de distrito?". Mostrem-nos os estudos socioeconómicos que justificam isto. Mas nunca fomos capazes de criar sinergia para agarrar nos tratores e ir todos pelo IP3 abaixo, aquela desgraça de estrada, direitos a Lisboa, estacionar em São Bento e dizer que ou olham para o interior ou os tratores não saem dali. Claro que é uma alegoria para dizer que a região ainda não conseguiu encontrar uma liderança capaz de se afirmar. O Dr. Ruas, que foi presidente da Associação Nacional de Municípios durante vários anos, não conseguiu quórum nos diversos concelhos aqui à volta para se criar aquilo que seria uma área metropolitana, na altura denominada Grande Área Metropolitana de Viseu. Creio que ainda se olha muito para o umbigo, ainda há muito esta cultura do ego e não somos capazes de perceber que temos de ser mais do que as nossas fronteiras geográficas. Não posso ter Mangualde como adversário, não devo ter Tondela como obstáculo, não quero ter apenas Vouzela como exemplo. Viseu tem de ser o motor e somar o delicioso cabrito da Gralheira, à industria de Mangualde, à vitela de Lafões. Queremos que olhem para nós nesta dimensão e não só para o numero de eleitores.
Viseu tem de ser o motor e somar o delicioso cabrito da Gralheira, à industria de Mangualde, à vitela de Lafões.
Se a decisão fosse sua, que projetos candidataria ao PRR?
Fiz uma busca rápida e Viseu aparece uma vez no PRR, com uma pequena estrada de 12 quilómetros. Uma pena. Devíamos ter inscrito a barragem de Fagilde, por exemplo, que está identificada pelo LNEC [Laboratório Nacional de Engenharia Civil] e pela APA [Agência Portuguesa do Ambiente] por ter o paredão em fim de vida, aguenta mais seis ou sete anos. A partir daí tudo pode acontecer. É preciso prevenir e planear (aquilo que os militares fazem bem). Se houver uma rutura e falhar o abastecimento, não estamos a falar apenas do abastecimento a Viseu, estamos a falar do abastecimento a uma região, porque Mangualde, Penalva, Sátão e Nelas também são abastecido pela barragem. Acompanhei abismado a partir de Timor a seca de 2017, em que andavam camiões a transportar água - sobretudo porque lá também tinha essa dificuldade.
Comentários