Ana, vamos chamar-lhe assim, recebeu uma carta do centro de emprego onde está inscrita "para lhe ser apresentada uma oferta de emprego". Ficou entusiasmada. No dia previsto, à hora marcada, lá estava, na expectativa. Foi chamada para uma sala, ela e um grupo de rapazes e raparigas que não ultrapassava os dedos de duas mãos. Afinal, era para "ir para a tropa".
Na sala, um oficial do Exército explicou a beleza de ser militar: defesa da pátria, nada de tatuagens, nada de piercings, testes de aptidão, física e mental. Ninguém se mostrou interessado.
Ana ficou desapontada com esta "oferta de emprego" para, eventualmente, fazer parte das Forças Armadas. E arrependeu-se do "tempo perdido", mas a carta era clara quanto às consequências de faltar: "Caso não possa comparecer deve justificar a falta, no prazo de 5 dias consecutivos". Não o fazer dá direito à "anulação da inscrição para emprego" e significa a "impossibilidade de se inscrever nos 90 dias" seguintes.
O SAPO24 quis saber por que motivo o IEFP trata como "oferta de emprego" aquilo que é recrutamento militar. "O IEFP tem o dever de divulgar aos seus utentes as oportunidades de emprego que estão disponíveis. No caso dos recrutamentos que estão a decorrer por concurso para as Forças Armadas, está a ser feita divulgação por email e não é usada a expressão “oferta de emprego”", garante a instituição. "Aliás o email refere expressamente “Este é um e-mail informativo. Não se candidatar a estas vagas, não tem qualquer consequência na sua inscrição no IEFP".
Mas Ana recebeu uma carta, não um email. A convocatória é clara quanto a tratar-se de uma "oferta de emprego". E também quanto às consequências de uma falta injustificada.
O IEFP admite que "é prática" serem "registadas ofertas de emprego com as condições oferecidas para cada tipo de concurso militar", que são divulgadas aos candidatos que "reúnam condições". Ou seja, "quando os serviços de emprego optam por remeter carta aos potenciais candidatos, a mesma vem pré-formatada pelo sistema de informação interno e refere “oferta de emprego”. E não deixa de o ser, considerando esta como uma vaga disponível".
O instituto diz que "procura apenas apresentar aos candidatos ofertas que correspondam ao seu perfil e condições, no entanto, se ainda assim o candidato achar que a oferta apresentada não preenche as condições de emprego convenientes [como definido na lei] pode justificar os motivos da recusa ao Serviço de Emprego, no prazo de cinco dias consecutivos".
Mas faz uma ressalva: "No caso de ofertas/oportunidades de emprego nas Forças Armadas, pela sua especificidade, a recusa não tem qualquer implicação na inscrição para emprego, ou seja, as pessoas não são anuladas". Uma vez mais, não é isto que vem na carta e os destinatários estão longe de adivinhar as regras.
Existem ainda outras "condições e obrigações para estar inscrito no IEFP. Desde já, é pressuposto ter capacidade para trabalhar e estar disponível para aceitar emprego conveniente e, ainda, aceitar formação profissional, aceitar trabalho socialmente necessário, aceitar as ações previstas no Plano Pessoal de Emprego acordado", entre outras. Tudo definido nos direitos e deveres dos candidatos.
Um ano, 28 colocados em "atividades de defesa"
"No período de julho e 2023 a julho de 2024 foram realizadas 28 colocações na CAE 84220 - Atividades de defesa", através do IEFP, avança o instituto público. Os salários pagos variam, mas o vencimento ilíquido durante o período de formação é de 821,83€ (instrução básica).
Foi exatamente em Julho do ano passado que o Instituto de Emprego e Formação Profissional e a Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional (DGRDN) assinaram um protocolo de colaboração. Com dois objectivos principais: "Desenvolver ações de formação profissional" e criar "sinergias entre as entidades formadoras da Defesa e a estrutura formativa do IEFP, promovendo condições gerais de partilha de meios, infraestruturas e instalações" e "promover e divulgar as profissões militares".
Se tivermos isto em conta, 28 é um número reduzido. Mas desde há vários anos que os três ramos das Forças Armadas, "em especial Exército e Marinha, recorrem aos serviços de emprego do IEFP para divulgar as suas oportunidades de emprego/carreira", recorda o instituto.
Nos últimos cinco anos, o Exército obteve 93 candidaturas através do IEFP, a Força Aérea 377 (em 13.591) e a Marinha não dispõe "de dados específicos". Mas nem todos os candidatos acabam nas Forças Armadas.
Há quase 5 mil vagas por ocupar nas Forças Armadas, de acordo com um artigo publicado recentemente pelo JN. O número de candidatos até é superior ao número de vagas, mas acontece que mais de metade ficam pelo caminho, ou porque falham nas diversas provas ou porque, entretanto, desistem, pelos mais diversos motivos (do arrependimento ao aparecimento de uma proposta de trabalho mais favorável).
"Um Exército orientado para a excelência, pronto para servir, que integre homens e mulheres altamente motivados e qualificados, tem de assumir a formação como uma inequívoca prioridade", disse ao SAPO24 o porta-voz do Exército, Hélder Parcelas. Por isso, "o Exército tem procurado desenvolver competências" em coordenação "com as demais entidades formadoras do país".
Neste contexto, o Exército destaca dois protocolos de colaboração com o IEFP: um "no domínio da Formação de Formadores e da certificação de competências pedagógicas por via da experiência, estabelecido em 13 de abril de 2023", outro com a Escola dos Serviços, "que visa a realização de formação no âmbito de diferentes modalidades e estabelece as condições de partilha de instalações e infraestruturas, estabelecido em 17 de setembro de 2020".
No âmbito deste protocolo, "são ministrados pelo Serviço de Formação Profissional de Viana do Castelo, do IEFP, em instalações da Escola e Serviços e com recurso a formadores das duas instituições, os cursos de Técnico de Secretariado, Técnico de Logística, Técnico de Cozinha e Pastelaria e Técnico de Condução de Veículos de Transporte Rodoviário", por exemplo.
O Exército divulga as suas oportunidades de emprego/carreira através do IEFP e demais entidades, bem como através dos seus dois centros de recrutamento e 17 gabinetes de atendimento ao público (continente e ilhas). Em 2023, foram efetuadas 2.369 acções de divulgação entre escolas, universidades, feiras de emprego e IEFP. Atualmente estão disponíveis 47 especialidades para a categoria de oficiais, 30 para a categoria de sargentos, 32 para a categoria de praças.
No caso da Força Aérea, "existe um protocolo de colaboração celebrado entre a DGRDN e o IEFP" que abrange este ramo, celebrado a 24 de julho de 2023. Um dos objectivos é "promover a oferta de emprego das Forças Armadas junto da população jovem". Neste âmbito são desenvolvidas ações de formação profissional, promoção e divulgação das profissões militares, dinamização do regime de voluntariado e apoio à transição para o mercado de trabalho.
De resto, "o centro de recrutamento da Força Aérea solicita ao IEFP a divulgação dos vários concursos de admissão, através de um e-mail destinado a todos os inscritos que tenham nacionalidade portuguesa e idades até os 27 anos, para os diversos concursos", disse a Força Aérea ao SAPO24. Todos os concursos de admissão à Força Aérea são obrigatoriamente publicados no Diário da República, obedecendo aos procedimentos inerentes à contratação pública.
Atualmente, há concursos abertos para oficiais, sargentos e praças em Regime de Contrato, sendo possível apresentar candidatura até 18 de setembro.
As Forças Armadas estão a recrutar nos três ramos e para diversas profissões, o que pode ser consultado nos sites de recrutamento militar, bem como nos sites de recrutamento da Marinha, do Exército e da Força Aérea.
No total, o Exército está autorizado a preencher em 2024, para a prestação de serviço militar, em regime de voluntariado ou contrato, 171 oficiais, 135 sargentos e 2.200 praças. Na categoria de praças dos quadros permanentes, além das 112 vagas já preenchidas, serão admitidos 109 candidatos no concurso de admissão a abrir em Outubro de 2024.
A Marinha está autorizada a preencher os quadros permanentes com 566 militares 836 vagas em regime de contrato.
A Força Aérea tem a concurso 620 vagas para os cursos de formação de oficiais, sargentos e praças do regime de contrato, dirigido a voluntários de diferentes áreas. Esta é a terceira incorporação de 2024. Para o quadro permanente a recepção de candidaturas para o Curso em Ciências Militares Aeronáuticas da Academia da Força Aérea terminou a 22 de julho, 70 vagas sujeitas a aprovação da tutela. Está ainda previsto abrir até ao final do ano um concurso para estágios técnico-militares com dez vagas, ainda sujeitas a aprovação.
O IEFP está "a divulgar por email estas oportunidades aos desempregados inscritos que reúnam condições". E por carta também.
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