Os inspetores dos Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) Luís Silva, Bruno Sousa e Duarte Laja começaram hoje a ser julgados por, alegadamente, terem provocado a morte a Homeniuk, em 12 de março de 2020, numa sala do Centro de Instalação temporária do Aeroporto de Lisboa, e que, segundo Ministério Público, foi perpetrada com “comportamentos desumanos, provocando-lhe graves lesões corporais e psicológicas".
Cada um dos três arguidos apresentou aos juízes uma versão semelhante dos factos, dizendo que, quando chegaram à sala, Homeniuk, de 40 anos, apresentava algumas marcas “na cara e nos braços”, estava sentado num colchão e que já estava “atado com fita adesiva nas pernas e nos pulsos”.
Todos disseram que encontraram o cidadão “bastante agitado”, mas que, quando foram chamados ao local, desconheciam que este já estava manietado.
Nos cerca de 20 minutos que os três funcionários dizem ter estado na sala, Homeniuk tentou pontapeá-los, tendo os inspetores usados primeiro fitas médicas para o pulsos e pés e depois algemas de metal.
O inspetor Luis Silva, o primeiro a falar, disse que quando se apresentou ao serviço lhe falaram de um "cidadão violento que tinha tentado fugir durante a noite" — alegada razão pela qual foi trancado numa sala —, sendo que "um segurança alegou que ele tinha atirado um sofá e que gostava de morder", refere o jornal Público.
“Quando abrimos a porta, ele estava deitado no chão, com fita-cola nos pés e nos braços e mãos presas atrás das costas. Estava deitado no chão e a tentar rebentar a fita contra a parede — uma fita castanha com que se prende os caixotes — que estava esticada em fio", disse o arguido, citado pelo diário, afirmando ainda que decidiu deixar as chaves das algemas com o vigilante dizendo-lhe para libertar o cidadão "quando este estivesse mais calmo”.
O facto de Homeniuk estar detido numa sala vazia surpreendeu os três inspetores do SEF, tendo mesmo Duarte Laja dito que esperava encontrar o passageiro “sentado numa cadeira atrás de uma secretária” e não "sentado e atado com fita cola num colchão".
Os arguidos negaram ainda ter havido confrontos físicos com a vítima, afirmando que se limitaram a algemar Homeniuk, tal como a chefia lhes tinha pedido. “Não foi preciso bater no homem porque ele já estava numa posição de fragilidade", disse Bruno Sousa.
Os co-arguidos por homicídio qualificado negaram a versão do MP, segundo a qual Homeniuk terá sido agredido a soco e a pontapé e atingido com um bastão extensível, objeto que, contudo, Luis Silva confirmou ter adquirido.
O mesmo arguido negou também que, ao contrário do que se lê na acusação, tenha afirmado ao vigilante “isto não é para ninguém saber” e Duarte Laja recusa ter dito outra frase que consta na acusação: "Hoje já não preciso de ir ao ginásio".
Antes das declarações dos arguidos, logo no início da primeira sessão de julgamento, a defesa de Bruno Sousa considerou que os três inspetores do SEF foram "bodes expiatórios” e que a morte do cidadão ucraniano se deve “às condições deploráveis e inqualificáveis nas quais os cidadãos são colocados nos centros de detenção” temporários.
Para o advogado Ricardo Sá Fernandes, os três arguidos “já foram inapelavelmente condenados” na opinião pública, mas enumerou três linhas essenciais a ter em conta no julgamento para se saber o que aconteceu com Ihor Homeniuk.
O defensor, que começou por apontar “graves deficiências à autópsia”, disse que considera essencial saber se as lesões causadas ao passageiro foram acidentais ou intencionais, quem as causou e se houve dolo.
Por sua vez, o advogado Ricardo Serrano Vieira, defensor de Duarte Laja, contestou a acusação do MP e criticou o facto de as autoridades terem feito uma reconstituição do crime, sem a presença dos arguidos.
A advogada que defende o inspetor Luis Silva lamentou que não tivesse sido dado “o benefício da dúvida nem a presunção de inocência” durante o tempo em que os arguidos foram detidos e o dia do julgamento.
Ricardo Sá Fernandes afirmou também não ter nada contra o facto de as pessoas - sejam jornalistas, políticos ou cidadãos no geral - se pronunciem sobre os processos antes do trânsito em julgado da sentença, sublinhando que o problema não está em se pronunciarem sobre os casos judiciais, mas sim na forma e "como se pronunciam" sobre algo que ainda não foi julgado.
Em seu entender, neste caso em concreto - da morte de Ihor Homeniuk - houve um "coro nacional de afirmação" que os inspetores do SEF "torturaram e assassinaram o cidadão ucraniano" e isso "foi muito crítico".
"Desde o princípio até aos dias de hoje que existe uma posição consensual na comunidade portuguesa praticamente sem exceção que estas pessoas [arguidos] torturam e mataram o cidadão ucraniano", disse Ricardo Sá Fernandes, a propósito da questão de ter havido ou não um prévio julgamento na praça pública.
Segundo o advogado, a "verdade se fará em julgamento" e será com base nos "elementos que existem no processo" que se terá que fazer o escrutínio do que aconteceu.
"A partir do momento em que acham que eles (arguidos) aparecem como culpados, estão aqui a servir de `bodes expiatórios de uma situação que é de facto lamentável", que foi a morte de Homeniuk, adiantou ainda Ricardo Sá Fernandes.
O advogado classificou a morte de Ihor Homeniuk e as circunstâncias envolventes como uma "situação absolutamente lamentável", assumindo que o caso também o deixou "envergonhado enquanto português".
O julgamento dos arguidos, que estão em prisão domiciliária desde a sua detenção em 30 de março de 2020, continua na quarta-feira já com o depoimento de testemunhas de acusação.
Após a sessão, José Gaspar Schwalbach, o advogado da família de Ihor Homeniuk considerou que "era expectável" que os três inspetores negassem em julgamento a prática do crime.
O advogado da família do cidadão ucraniano não se alongou em comentários aos jornalistas, dizendo apenas que o julgamento começou hoje, com a audição dos arguidos, mas a audiência terá "desenvolvimentos", pelo que há que "aguardar" pelas restantes inquirições.
Para o Ministério Público (MP), os inspetores do SEF algemaram Homeniuk com os braços atrás do corpo e, desferindo-lhe socos, pontapés e pancadas com o bastão, atingiram-no em várias partes do corpo, designadamente, na caixa torácica, provocando a morte por asfixia mecânica.
A acusação critica os três arguidos e outros inspetores do SEF por terem feito tudo para omitir ao MP os factos que culminaram na morte do cidadão, no Centro de Instalação Temporária do Aeroporto de Lisboa, chegando ao ponto de informar o magistrado do MP que Homeniuk “foi acometido de doença súbita”.
Considera o MP que as agressões provocaram a Homeniuk dores físicas, elevado sofrimento psicológico e dificuldades respiratórias, que lhe causaram a morte, em 12 de março.
A viúva Oksana Homeniuk constituiu-se assistente no processo.
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