"É uma mera alteração da qualificação jurídica do crime constante da acusação para crime menos grave”, disse o juiz-presidente Rui Coelho na sessão de julgamento de hoje.
Neste julgamento, os inspetores do SEF Duarte Laja, Bruno Sousa e Luís Silva estão acusados do homicídio qualificado de Ihor Homeniuk, crime punível até 25 anos de prisão, sendo que dois dos arguidos respondem também por posse de arma ilegal (bastão).
No final da audiência de hoje, preenchida unicamente com a inquirição das últimas testemunhas de defesa, o juiz presidente anunciou às partes que o tribunal pondera uma "alteração da qualificação jurídica dos factos" constantes na acusação, nos quais os arguidos estão acusados de homicídio qualificado, para ofensa à integridade física qualificada agravada pelo resultado (morte).
Questionado à saída do tribunal sobre se o anúncio desta hipótese de alteração da qualificação do crime era uma "boa notícia para a defesa", Ricardo Sá Fernandes, como porta-voz dos advogados de defesa, mostrou-se cauteloso na antevisão do desfecho, declarando que "ainda não é uma boa notícia", mas apenas o reconhecimento pelo tribunal de poder haver uma terceira hipótese de decisão face às restantes duas opções de veredicto: absolvição ou condenação por homicídio qualificado.
"Agora o tribunal passou a ter três hipóteses", apontou Ricardo Sá Fernandes, reconhecendo que a moldura penal da ofensa à integridade física qualificada agravada pelo resultado é "menos grave" do que o crime de que os arguidos estão acusados pelo Ministério Público (MP).
Nas palavras do advogado de Bruno Sousa, "o homicídio pressupõe a intenção de matar ou a admissão dessa possibilidade ou ainda a conformação com essa possibilidade (morte)", enquanto a ofensa à integridade física "não pressupõe nem intenção, nem previsão de matar".
"São dois crimes diferentes", enfatizou Ricardo Sá Fernandes, lembrando que falta ainda saber qual vai ser a posição do MP, que nas alegações finais do julgamento poderá manter a tese mais gravosa de homicídio qualificado do passageiro ucraniano Ihor Homeniuk nas instalações do SEF no aeroporto de Lisboa, em março de 2020.
De acordo com Ricardo Sá Fernandes, a nova hipótese de crime (ofensa à integridade física) a ser ponderada pelo tribunal é "uma solução intermédia", mas tal não significa que o coletivo de juízes já tenha decidido o desfecho final, não se podendo ainda excluir quer a absolvição, quer o homicídio qualificado.
O advogado não precisou, na altura, qual a moldura penal do crime de ofensa à integridade física qualificada, mas, posteriormente, admitiu à Lusa que, a verificar-se a opção do tribunal pelo crime menos gravoso, o mais favorável para os arguidos seria uma condenação até cinco anos de prisão, medida que permite a suspensão da pena.
A moldura penal para o crime de ofensa à integridade física agravada pelo resultado (morte) é punível com pena de quatro a 16 anos de prisão, conforme indicou à Lusa fonte do Ministério Público.
Por seu lado, José Gaspar Schwalbach, advogado da família da vítima, lembrou que face à prova produzida em julgamento e mesmo que o tribunal opte por os arguidos terem cometido o crime de ofensa à integridade física qualificada agravada pelo resultado, a pena de prisão poderá atingir um máximo de 16 anos de cadeia.
Explicou a propósito este advogado, que, em abstrato, um arguido pode ser condenado a 10 anos de prisão por homicídio qualificado e embora a ofensa à integridade física qualificada seja um crime de menor gravidade, o ilícito pode ser punido até pena máxima de 16 anos, razão pela qual não está em jogo só a qualificação jurídica do crime cometido mas, sobretudo, a medida da pena a aplicar.
Assim, adiantou José Gaspar Schwalbach, só quando se conhecer o acórdão e a eventual medida da pena é que, na qualidade de assistente no processo, poderá dizer se "foi ou não feita justiça ao que aconteceu" a Ihor Homeniyk, por forma a "pôr termo ao sofrimento da família" do imigrante ucraniano que foi algemado e agredido nas instalações do SEF, vindo a morrer.
O advogado considerou que o anúncio do juiz presidente "pretendeu evitar decisões surpresa" neste julgamento, pelo que revelou existir a possibilidade de o crime vir a ser diferente do que consta da acusação, não interpretando a nova hipótese como uma "derrota" para os interesses da família da vítima, mas uma outra mera possibilidade que está consagrada na lei penal.
José Gaspar Schwalbach entendeu também que o anúncio do juiz visou "sensibilizar" as partes para "essa possível alteração" em vésperas das alegações finais do julgamento, previstas para dia 12, caso não sejam até lá deferidos requerimentos da defesa para ouvir mais pessoas.
Segundo a acusação, os três inspetores acusados foram à sala onde se encontrava Ihor e depois de o algemarem com as mãos atrás das costas e de lhe amarrarem os cotovelos com ligaduras, desferiram no corpo do ofendido um "número indeterminado de socos e pontapés".
"Encontrando-se o ofendido prostrado no chão, os três inspetores também com o bastão extensível continuaram a desferir pontapés e no tronco do ofendido e várias pancadas na mesma zona, enquanto aos gritos, lhe exigiam que permanecesse quieto", descreve a acusação.
Nessa ocasião - prossegue a acusação - alguns vigilantes aproximaram-se da sala e abriram a porta, que estava encostada, tendo de imediato sido repreendidos pelo inspetor Duarte Laja, que depois de os mandar embora lhes disse: “Isto aqui é para ninguém ver”.
[Notícia atualizada às 15:32]
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