Por um triz, 413 votos, Inês de Medeiros ganhou Almada para o PS nas últimas eleições autárquicas. As sondagens mostram que este ano a corrida volta a estar renhida, mas a candidata da CDU, Maria das Dores Meira, promete não dar tréguas.
As sondagens mostram uma disputa renhida para a presidência da câmara de Almada. Se há quatro anos parecia impossível, como encara hoje para as possibilidades do PS?
Temos consciência do que foram as eleições há quatro anos. Sabemos que estas são eleições especiais no contexto em que se fazem. Agora, estou muito confiante, e devo dizer que o sentimento que tenho na rua não corresponde de todo a esse "renhida". Mas isto vale o que vale. Estou em campanha ao mesmo tempo que, naturalmente, continuo a ser presidente da câmara. Penso que nunca devemos fazer grandes interpretações de sondagens, é preferível continuar a fazer o nosso trabalho, dar a conhecer o nosso programa futuro, mas também a obra que foi feita, num contexto tão particular e difícil como foi este mandato.
Está a falar da pandemia?
Sim. É evidente que os últimos dois anos foram muito difíceis para todos os autarcas. A proximidade foi muito condicionada por uma batalha maior que tivemos de travar. Mas a perceção que temos quando estamos na rua, mostra o contrário, uma confiança redobrada, com proximidade e com um conhecimento mais profundo. Ou menos superficial, se quiser. Fizemos uma coisa muito importante, todas as nossas sessões de câmara passaram a ser transmitidas online. E as pessoas ganharam o hábito de ver. É verdade que muitas vezes são muito animadas, muito acesas [ri], e que as pessoas, provavelmente, também passaram a conhecer o meu lado determinado e até combativo. Isto sem falar nas pessoas que já convivem comigo, que vêm falar comigo, que sabem onde estou. As pessoas não hesitam, não têm nenhuma relutância em aproximar-se.
Fizemos uma coisa muito importante, todas as nossas sessões de câmara passaram a ser transmitidas online. E as pessoas ganharam o hábito de ver
Disse que as pessoas conhecem melhor o seu lado combativo. A oposição chama-lhe conflituosa.
[Gargalhada]
É uma pessoa conflituosa ou são invenções?
Acho que não sou conflituosa, mas também não viro a cara a um debate ou a um confronto quando ele tem de existir. E naturalmente não escondo, para grande pena minha, que foi muito difícil ao longo deste mandato o relacionamento com a oposição - aliás, as coisas têm de ser claras, com a oposição, não, mas com a CDU. Até acredito que tenha sido um choque muito grande para a CDU perder o município de Almada, mas quem instalou um clima de conflito permanente foi, de facto, a CDU. Começou logo na noite das eleições, quando resolveram insultar os almadenses ao dizer que estavam enganados, que tinha sido um erro [votar PS], que iam ficar dececionados. Desde então temos tentado gerir o melhor possível tudo o que foram inventando durante o mandato.
acredito que tenha sido um choque muito grande para a CDU perder o município de Almada, mas quem instalou um clima de conflito permanente foi, de facto, a CDU
Que inventonas foram essas?
A primeira foi que eu nem sequer ia tomar posse. Depois foi que eu ia desistir. A seguir era a quantidade de coisas que iam deixar de existir. Enfim, Almada ia afundar-se em todos os níveis, isto ia ser uma hecatombe, um dilúvio, uma coisa horrível. Aos poucos, os almadenses foram percebendo que nada disso era verdade. Pelo contrário, criou-se uma dinâmica, criou-se uma energia, avançou-se com projetos. A requalificação está a andar, há projectos estruturantes a todos os níveis: social, cultural, desportivo... Os apoios aumentaram, o investimento aumentou, as obras começam a ver-se. E, muito importante também, quando foi preciso redirecionar toda a nossa ação porque havia uma situação de emergência, o município não faltou aos almadenses. Aliás, os almadadenses também não hesitaram em mobilizar-se solidariamente para, coletivamente, conseguirmos ultrapassar o que foram dois anos muito difíceis.
Que promessas ficaram por cumprir?
Vou ser franca: não fiz grandes promessas. E continuo a não fazer grandes promessas. Falo de projetos em concreto, ou que já estão em curso ou que já estão acabados. Mas há uma promessa que cumpri, que foi mudar totalmente a atitude de Almada, deixarmos de estar numa posição de permanente reivindicação, muitas vezes estéril, num queixume permanente, e olhar o futuro com confiança. E ser um elemento para se encontrarem e para se desenvolverem soluções: criar mais emprego, mais habitação, mais requalificação do espaço público, mais transportes. Mesmo que a meio do mandato, a partir de 2020, algumas das nossas prioridades tivessem de ser redirecionadas por causa da situação de emergência.
há uma promessa que cumpri, que foi mudar totalmente a atitude de Almada, deixarmos de estar numa posição de permanente reivindicação, muitas vezes estéril, num queixume permanente, e olhar o futuro com confiança
Que medidas foram tomadas no âmbito da pandemia?
O nosso plano "Almada Solidário", de repente, era de cinco milhões de euros. Estamos com 1,700 milhões de euros de apoio à economia local. Criámos programas a todos os níveis - alguns já estavam previstos, mas foram reforçados -, como um programa de apoio às rendas, para as pessoas não ficarem sem casa, um programa de apoio aos medicamentos... Ainda há dias fomos inaugurar um espaço ao nível da saúde, uma nova resposta na área das Fast-Track Cities, que tem a ver a estratégia contra a sida, com o GAT [Grupo de Activistas em Tratamentos], uma parceria com o Garcia de Orta e o ACES [Agrupamento de Centros de Saúde] Almada-Seixal. Já está em curso o hospital de dia, porque a nossa prioridade era a saúde mental. Criámos respostas para os sem-abrigo, algumas já estão a funcionar (havia zero respostas). Portanto, mesmo dentro a urgência, dos apoios sociais devido à Covid, não deixámos de continuar a trabalhar e de encontrar soluções. Em simultâneo, avançámos com obras estruturantes, como a EN 377, a via principal da Charneca, que já está praticamente requalificada. Ou, na Sobreda, outra estrada nacional, que não tinha passeios - construímos milhares de passeios onde as pessoas passaram a poder circular, sair de casa em segurança. Na cultura, apesar da pandemia, duplicámos e triplicámos o número de espetáculos e de espectadores em todas as vertentes. Nos nossos museus, nas nossas galerias, nos espetáculos que oferecemos aos almadenses. Em todas as freguesias. Conseguimos em tempo recorde uma proposta ao nível da mobilidade para o concurso dos transportes públicos rodoviários. Fomos os primeiros a apresentar um plano local de mobilidade e transportes e a estratégia local de habitação.
Fomos os primeiros a apresentar um plano local de mobilidade e transportes e a estratégia local de habitação
Porque é que o metro ficou fora do PRR?
Em relação ao metro no PRR, o que houve foi um entendimento por parte do governo porque, como sabe, o PRR tem um prazo de execução muito curto, o projeto tem de estar concluído
No âmbito do PRR têm de estar concluídos até 2026.
Mais do que isso, o projeto tem de estar concluído até 2023 e a obra tem de estar concluído até 2026. Mas ficou o compromisso que, não estando no PRR, está no Plano Nacional de Investimentos ou será cofinanciado pelos fundos de coesão. O enquadramento financeiro é que é outro, só isso. É verdade que neste momento estamos todos muito concentrados no PRR, porque o prazo da sua execução é muito curto, mas nada impede que, assim que abrirem as candidaturas, os projetos para o resto dos fundos possam avançar imediatamente, como o metro. Foi uma decisão do governo. Mal chegámos, mas isso também da parte do governo, criou-se um grupo de trabalho para estudar o espaço canal do metro. Esse grupo de trabalho funcionou como funcionou, nem sequer tivemos grande intervenção nisso, infelizmente. No fundo, chegou a uma decisão que, provavelmente, será em linha dedicada. Também já comunicámos ao governo, juntamente com a Metro Sul do Tejo, que é preciso um novo percurso, porque o percurso que tinha sido apontado, já lá vão uns anos, está desatualizado, não faz sentido em função daquilo que é a evolução do território, em função daquilo que são os grandes projectos estruturantes do território, como o Innovation District. Portanto, o que temos de fazer logo a seguir às eleições é definir e estabilizar o percurso do metro.
É mais fácil gerir uma câmara quando quem está no governo tem a mesma cor política, quando se tem amigos no governo?
Vamos lá ver... Naturalmente, há pessoas que conheço há muitos anos, por aí a questão não se põe. São longos anos de convivência. Mas todos nós temos a perfeita consciência daquilo que é a nossa função. Devo dizer que não acho que fosse menos interventiva ou menos contestatária ou tivesse menos propostas - quem me conhece sabe isso - fosse qual fosse o partido que estivesse no governo. Se há uma coisa que estes quatro anos demonstraram, é que foi possível fazer aqui uma gestão, chegar a consensos, estabelecer projectos em comum. Ao contrário do que se dizia, este mandato chegou ao fim, avançou, deu frutos. Imagine onde poderíamos ter chegado se por parte da oposição tivesse havido mais colaboração, que não houve. Perguntou-me se sou conflituosa; não imagina a quantidade de conflitos que conseguimos resolver. Porque a câmara de Almada, antes de nós chegarmos, estava em conflito com o Metro, com a Transtejo, com o governo, com os investidores, com os proprietários. Havia uma cultura de alimentar o conflito, era um conflito permanente. Penso que aquilo que conseguimos fazer durante estes quatro anos foi, justamente, eliminar imensas dificuldades, criar pontes, reformular.
Perguntou-me se sou conflituosa; não imagina a quantidade de conflitos que conseguimos resolver
Queria ir um pouco atrás e falar da estratégia para a habitação. É acusada de ter deixado pessoas na rua, ainda que fossem ocupas. De os ter posto em tribunal.
Ainda hoje essas pessoas estiveram comigo nesses mesmos bairros. Algumas ocuparam as casas, algumas estão em tribunal, mas ao mesmo tempo apoiam-nos. É muito fácil reduzir a questão da habitação a uma parangona política. Não há matéria mais difícil de gerir, mais delicada de gerir do que a habitação. Porque estamos a falar de um direito fundamental, muitas vezes da primeira condição para as pessoas terem esperança na vida. Almada tem um problema de habitação quase endémico, que começa com um pecado original: quando houve nos anos 90 houve o grande programa para a erradicação das barracas, Almada só cumpriu 60% do programa. E acabou. Ficou muito contente por ter construído 1.500 fogos, só que construiu com tão má qualidade que 20 anos depois estão num estado miserável. Foi tudo do baratucho. E se tivesse poupado para construir tudo, ainda vá que não vá, mas não só não construiu, como decidiu ser poupadinho. Agora há dois terços que precisam de obras entre urgentes e muito urgentes. E quando um município se candidata aos novos programas, seja o Primeiro Direito, seja o PRR, tem de saber nominativamente a quem vai atribuir estas casas. Podem-me dizer: isto é absurdo. É. É uma burocracia louca? É. Sobretudo quando sabemos que a construção pode demorar um ano, um ano e meio ou dois anos. Mas tivemos que fazer um levantamento exaustivo.
Almada tem um problema de habitação quase endémico, que começa com um pecado original: quando houve nos anos 90 houve o grande programa para a erradicação das barracas, Almada só cumpriu 60% do programa
O que mostra o levantamento que fizeram?
Mostra que havia 700 fogos que nem nome tinham. E mesmo aqueles que tinham nome, era difícil saber se eram os originais. O faroeste total. E já vou às ocupações. Depois, foi preciso criar um regulamento, criar uma verificação de regularização de rendas, seja a subir, seja a descer. Porque nunca houve regularização de rendas, o que cria situações de injustiça inacreditável, ninguém sabia porque é que um pagava uma coisa, outro pagava a outra. Era um caos total. Ao mesmo tempo lançámos uma série de empreitadas para reabilitação de fogos, algumas integrais, de cima a baixo, outras mais pontuais. Mas estamos a falar de quase de 200 fogos reabilitados. As casas ocupadas estavam todas ou quase todas emparedadas há muitos anos. Havia casas emparedadas desde 2016. O que é inaceitável é que na altura em que estamos a requalificar essas casas, em que já temos identificadas as pessoas a quem as vamos atribuir, surge de repente um movimento de ocupas. Estas pessoas foram enganadas. Meço bem as minhas palavras: foram enganadas porque alguém quis aproveitar-se politicamente deste facto. Se há uma coisa que nunca aceitarei, nem aqui nem em qualquer lado, é a lei do mais forte. E as ocupações são a lei do mais forte.
O que é inaceitável é que na altura em que estamos a requalificar essas casas, em que já temos identificadas as pessoas a quem as vamos atribuir, surge de repente um movimento de ocupas. Estas pessoas foram enganadas
Que alternativa tem para essas pessoas?
É evidente que as pessoas fizeram aquilo porque estavam habituadas a que na câmara não houvesse nenhum tipo de fiscalização, não houvesse nenhum assumir de responsabilidades. As pessoas que ocuparam as casas tiveram por parte da câmara um espaço alternativo, e a grande maioria desocupou. As que não desocuparam foram instrumentalizadas. Algo que eu nunca farei é pôr pessoas em situação de fragilidade contra pessoas em situação de fragilidade. Ou, mais prosaicamente, pobres contra pobres. E isso é muito importante. Quem nos alertou para as ocupações foram as pessoas do bairro. Se não formos firmes na equidade, na transparência, alimentam-se extremismos - e não são os extremismos generosos, são os extremismos mais odiosos, mais preconceituosos, mais xenófobos e mais racistas.
Se não formos firmes na equidade, na transparência, alimentam-se extremismos - e não são os extremismos generosos, são os extremismos mais odiosos, mais preconceituosos, mais xenófobos e mais racistas
Almada, como tantos concelhos, tem um Plano Director Municipal antigo e desatualizado...
Essa sim, foi uma promessa. E temos uma proposta que já foi apresentada e votada e já está a correr nas instâncias próprias. E que de alguma maneira define as grandes prioridades para o concelho.
O PDM de Almada é de que data?
De 1993, foi publicado em 1997. A revisão foi iniciada em 2008. Como a duração dos PDM é de dez anos, significa que a câmara de Almada começou a rever o seu PDM um ano depois do limite da duração do plano. Como deve imaginar, quando chegámos, em novembro de 2017, e me dizem que o PDM está em revisão desde 2008, eu estava à espera de receber uma coisa extraordinária, completa, a precisar apenas de uns ajustes. Mas não, não havia nada escrito, só muito estudo. É assim como quem escreve uma tese, há a fase da pesquisa, longa, até que chega o dia em que temos de nos sentar à mesa para a escrever, porque não se escreve sozinha. Houve uma grande consulta pública, houve muitos workshops, consultaram-se os almadenses. Ou seja, os almadenses têm uma consciência perfeita do que é preciso.
E o que é preciso?
A requalificação da Costa de Caparica, a requalificação da nossa frente ribeirinha, a maior criação de corredores verdes, a aposta no turismo, na habitação. Os problemas estão todos identificados. Foi preciso pegar nesse diagnóstico e vertê-lo para propostas concretas. Foi um trabalho ultra-intenso, sobretudo porque no primeiro ano ainda tínhamos um contrato com uma entidade externa, aquilo não andava nem para frente nem para trás. Até que tomámos a decisão de contratar só os estudos específicos e mobilizamos equipas internas, que são quem conhece o território.
Quando é que o estará o PDM aprovado?
Dezembro de 2022. Da nossa parte, garanto-lhe que estará. E penso que da parte de todas as entidades também. Já tivemos a primeira reunião, com as comissões consultivas, e penso que também há vontade.
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