O australiano John Tanzer esteve em Lisboa no final de novembro para participar numa reunião do World Wild Fund (WWF), organização de que é um dos líderes mundiais. A reunião de Lisboa foi especificamente dedicada a duas regiões, África e Europa, e, como fez questão de sublinhar na conversa que teve com o SAPO24 não aconteceu na capital portuguesa "por acidente". Teve como host a Fundação Oceano Azul, uma entidade que, afirma Tanzer, "apoia os nossos ativistas e parceiros" e com quem têm "interesses similares, objetivos similares, e por isso é bom estarmos juntos".

Outra razão para que Lisboa fosse a cidade anfitriã deste encontro  é a realização, também na capital portuguesa, da Conferência dos Oceanos que, em junho de 2020, reunirá os países representados na ONU para uma reunião ao mais alto nível sobre o objetivo de sustentabilidade dos oceanos. Uma agenda que está longe de ser fácil, apesar da aparente consensualidade que o tema reune. "Queremos que tenha o maior impacto e significado possível – o menos possível um “talkfest” e o mais possível sobre ação e compromisso", afirma o dirigente do WWF.

Academicamente, John Tanzer fez a sua formação nas áreas da geografia e da economia, terminando os estudos na Universidade James Cook, em 1980. Desde então tem sempre trabalhado na gestão e políticas de recursos naturais, particularmente na área marinha. Foi responsável pela Autoridade de Gestão das Zonas de Pesca de Queensland, na Austrália, de onde é originário, e, em 1998, foi diretor executivo da Autoridade Gestora do Parque Marinho da Grande Barreira de Recife, a agência governamental responsável pela área, posição onde se manteve por 10 anos.

Desde fevereiro de 2012 que é diretor do programa global marinho doWorld Wild Fund. Em 2016 foi nomeado líder do WWF Oceans Practice tendo como responsabilidade o desenvolvimento e implementação de uma nova estratégia global para os oceanos muito focada na implementação dos objetivos de desenvolvimento sustentável, especialmente o SDG14, designação atribuída ao objetivo referente ao oceano.

Voltemos por isso à Conferência dos Oceanos. O que quer dizer com ser menos menos uma sessão de talks e mais um plano de ação, questionámos. "As conferências podem ser agrupadas em duas categorias: as talkfest, em que as pessoas se juntam e põem a conversa em dia, e as outras que resultam em mudança real e ação. E é nesta última categoria que estamos interessados".  Não podia ser mais explícito. Para isso, o WWF conta com o especial empenho da "pequena equipa" sediada em Lisboa, cerca de 10 pessoas, que vai "estar na linha da frente". "Não podemos estar à espera de chegar à conferência e a magia acontecer – há muita preparação, muitas reuniões, muita estratégia", sublinha o dirigente.

O principal papel do WWF neste tipo de eventos é exercer influência, pressionar, fazer lobbi. E é isso que se prepara para fazer em junho. "Vamos tentar influenciar o que vai estar em cima da mesa, temos certas prioridades em que estamos apostados e queremos influenciar organizadores e a maioria dos participantes no sentido de esses temas estarem na agenda".

A preparação está a ser realizada com a consciência de que se perdeu muito tempo - o mantra de toda a discussão climática - mas também com a noção de que se conseguiu alguma coisa. "Como já trabalho nisto há muito tempo, lembro-me quando os oceanos não eram um grande tema ou apenas um tema de biólogos marinhos. E, nessa altura, aqueles de nós que já eram ativistas estavam a ver o declínio a acontecer."

Nunca tinha passado, e ninguém no planeta tinha, pela morte de um ecossistema com aquela escala. Podia-se cheirar, podia-se sentir a morrer

Ele, em concreto, viu o declínio acontecer de uma das formas mais dolorosas no que respeita à preservação do planeta. John Tanzer cresceu em North Queensland, na Austrália, junto aos recifes. "Quando era miúdo estava sempre lá e pensava que estariam sempre lá".  Não foi - e não é verdade - e muitos anos depois, John Tanzer regressou aos recifes na qualidade de diretor executivo da Autoridade Gestora do Parque Marinho da Grande Barreira de Recife. "Para mim que trabalho na área ambiental, nunca tinha passado, e ninguém no planeta tinha, pela morte de um ecossistema com aquela escala. Podia-se cheirar, podia-se sentir a morrer, dois terços da grande barreira, 350 mil quilómetros quadrados num intervalo de semanas".

Uma realidade que nada tinha a ver com as memórias que trazia de infância. "No sítio onde eu vivia os recifes estavam ao longo da costa, era preciso apanhar um barco que saía pela meia noite, o que era muito excitante para um miúdo, porque se ficava acordado até essa hora. Ainda me lembro acordar de manhã, quando a madrugada rompia, o mar calmo e a cor mudava de azul para azul profundo e depois para verde quando nos aproximávamos. Porque o recife é massivo, são milhas e milhas. Ainda me lembro da excitação disso. Colocávamos as nossas máscaras e começávamos a nadar e era como um paraíso. Não acreditarias que não estaria sempre lá, mas não está".

A memória política não é melhor do que a emocional - mas por outras razões. Foi muito frustrante, diz John Tanzer, ver como a Austrália lidou com o desastre ambiental que foi a destruição do ecossistema da Grande Barreira de Recife. Uma tema tanto mais sensível quanto este ano de 2020 começou com notícias inquietantes sobre os incêndios no país, com várias semelhanças com o que se passou então, desde a condução política até à forma como alguns media abordaram o tema. "Na altura, foi muito frustrante, porque o governo não queria admitir as alterações climáticas, por causa da pressão da indústria do carvão e também porque as pessoas não podiam ver [a destruição]. E alguns media fizeram campanha ... Esta questão é quase ideológica e a ciência torna-se uma vítima, o que é uma vergonha, porque a ciência devia estar a liderar o processo e não devia ser sobre quem pode criar a verdade mais poderosa".

créditos: DR

E agora, aprendemos a lição? "Não o suficiente. Aprendemos alguma coisa, mas continuamos a ter pessoas em negação seja porque razão for, ou pessoas que não agem por que isso as vai afetar financeira ou economicamente, o que é uma visão muito curta". A frase que se segue é como diz a música, uma frase batida, mas se há contexto onde se impõe, este é certamente um deles: "Só temos um planeta, e estamos todos nisto, e as alterações climáticas e perda dos oceanos não tem em conta se somos ricos ou pobres; vão impactar mais os mais vulneráveis, porque têm menos capacidade de se adaptar, mas vai afetar-nos a todos".

Éramos zombie a caminhar em direção ao precipício – agora pelo menos estamos acordados, por isso há esperança

"Se tivéssemos acordado mais cedo, podia ter sido diferente. Penso que tínhamos consciência, mas estávamos adormecidos, éramos zombie a caminhar em direção ao precipício – agora pelo menos estamos acordados, por isso há esperança. Uma vez acordados, podemos parar de nos dirigir ao precipício".

A experiência que viveu faz com que John Tanzer seja uma voz especialmente empenhada no tema dos oceanos - e tenha, neste ano, como prioridade a conferência da ONU em Lisboa. Para a qual tem ideias muito concretas: "gostava de ver mais formalização e ação global, seja regional ou internacionalmente – podem ser leis, tratados. Quando digo formalidades não tem de ser só leis de regulação, mas devíamos ter um tratado global sobre os oceanos e garantir que não se trata apenas de uma moda e que talvez venha a cair, mas antes que se manterá no topo da agenda".

Para que esse objetivo seja alcançado, o diretor do WWF junta-se a um grupo crescente que defende a valorização dos recursos como caminho obrigatório para preservar a natureza. "A economia não é apenas sobre o que podemos extrair, ou retirar; é sobre valorização dos recursos e escolhas que fazemos sobre como os gerimos", afirma. Na prática, isto significa um novo olhar sobre a forma como a natureza deve ser encarada, transformando o que tem sido, me muitos casos, uma "arma" contra, numa ferramenta a favor. Como? "Temos de deixar de tomar o oceano por garantido, como se não tivesse valor e de onde podemos tirar o que quisermos sem ninguém pagar. Temos de quebrar isso. E a valorização desses ativos é um bom ponto de partida. Precisamos de valorizar os nossos ativos azuis, as zonas de pesca, e espelhá-los nas contas nacionais. Portugal tem o seu PIB, mas não leva em conta o valor do oceano e do que de lá vem. Temos de ser mais sofisticados nesta conversão, seja em Portugal ou na Austrália, senão não conseguimos medir o impacto do que vai acontecendo".

Claro que há o outro lado da moeda. Por se valorizarem alguns recursos, nomeadamente na natureza, iniciou-se uma corrida a esses mesmos recursos - e a pesca ou algumas espécies marinhas são exemplo disso. Não é arriscado? Para John Tanzer, as vantagens sobrepõem-se aos riscos, até porque estes decorrem em muitos casos de não haver essa efetiva valorização de recursos. "Muita gente não gosta que eu diga que devemos por um valor monetário nos oceanos – e isto tem tudo a ver com a minha relação com os oceanos, os aspetos emocionais contam, somos humanos, eles contam. Mas se tratarmos esses recursos como se não tivessem valor económico, não seremos capazes de os gerir. Diz-se que o que não medimos não podemos gerir, a minha convicção é que se não valorizarmos uma coisa, não a podemos gerir".

Por outro lado, acrescenta, ao medir estamos a usar a argumentação que o mundo melhor conhece, a económica. "Se dissermos 'este ativo que estamos a gerir está a acabar e não temos capacidade para o substituir', só gente doida o faria. É mais fácil manter do que restaurar".

E se a WWF escolhesse três medidas prioritárias, quais seriam?

"Proteger não é suficiente, mas precisamos de proteger a capacidade de regeneração dos oceanos, a recuperação, a resiliência, por isso acho que ter 30% de lugares certos completamente protegidos é um bom começo. Esta seria a primeira coisa. A segunda é garantir que as comunidades usam a sua voz na gestão dos oceanos: afastar-me-ia das grandes decisões governamentais e passaria para um sistema muito mais envolvido com as comunidades, sobretudo nos países desenvolvidos. A terceira coisa que faria é ver-me livre de velhos como eu e ter os jovens envolvidos; quanto mais cedo tivermos esta nova geração empoderada e em posição de tomar decisões, melhor vai ser".