Segundo o deputado social-democrata e secretário da Mesa desde 1995, Duarte Pacheco, esta é uma via possível para resolver o problema, dependendo depois do entendimento das diversas bancadas parlamentares.
"Isto é uma questão jurídica e eu não sou jurista. Como não jurista, dá-me a ideia de que a regra regimental se impõe ao 'acordo de cavalheiros' estabelecido na legislatura anterior", disse à Lusa.
É que Joacine falhou o prazo estabelecido pelo "acordo de cavalheiros" da legislatura anterior, mas não o do Regimento da Assembleia da Republica, que ainda lhe permite levar o diploma do Livre ao debate de 11 de dezembro em conjunto com os projetos do BE, PCP e PAN.
O "acordo de cavalheiros" dá um prazo até à sexta-feira seguinte à conferência de líderes para arrastar iniciativas legislativas para o debate em plenário. Já o regimento possibilita o agendamento de projetos entregues com 10 dias de antecedência. Neste caso, a deputada do Livre ainda tinha tempo para agendar o seu projeto de lei da nacionalidade.
Duarte Pacheco deu outros exemplos de regras informais que contrariam o que está expresso no regimento, depois de terem sido consensualizadas por todos os partidos em conferência de líderes.
"Por exemplo, o regimento diz que os votos [de pesar, de condenação, etc] têm de ser distribuídos até ao final da sessão do dia anterior à sua votação, mas a regra agora em vigor desde a anterior legislatura é que eles sejam entregues até quarta-feira", disse, ou seja, dois dias antes das sessões plenárias normalmente destinadas às votações regimentais.
Para Duarte Pacheco, "não se pode dizer que o memorando [ou 'acordo de cavalheiros'] é aplicado nalgumas partes e noutras, quando há algum conflito, o mesmo não é aplicado e vigora o regimento".
Mas uma coisa é certa: Joacine Katar Moreira não teria falhado o prazo para agendar o seu projeto com alterações à lei da nacionalidade para a sessão plenária de 11 de dezembro se o parlamento adotasse as regras previstas no regimento.
Só que os deputados orientaram-se, nesta matéria, pelo "acordo de cavalheiros" firmado na anterior legislatura e que dá um prazo de poucos dias para a entrega de projetos para serem debatidos, por arrastamento, com iniciativas legislativas sobre o mesmo tema apresentadas por outros partidos.
O Regimento da Assembleia da República, no capítulo das regras para discussão e votação de projetos e propostas de lei (artigo 143), estabelece que "quando haja projetos ou propostas de lei que versem matérias idênticas, a sua discussão e votação devem ser feitas em conjunto, desde que os mesmos tenham sido admitidos até 10 dias antes da data agendada para discussão".
Ora, a sessão plenária que vai debater as alterações propostas por BE, PCP e PAN à Lei da Nacionalidade está marcada para 11 de dezembro, pelo que a iniciativa do Livre sobre a mesma matéria poderia ser agendada por arrastamento, se o estipulado no regimento fosse aceite pelos deputados.
E mesmo que os prazos fossem ultrapassados, o parlamento poderia aceitar o agendamento do projeto do Livre, uma vez que o regimento também prevê, no seu artigo 144 n.º 4, se houvesse consenso na conferência de líderes. "O disposto nos números anteriores não prejudica o consenso estabelecido na Conferência de Líderes no sentido de a discussão em comissão parlamentar ou em reunião plenária poder ter lugar com dispensa dos prazos estabelecidos", refere o regimento.
Os deputados optam, contudo, por orientar-se por um "acordo de cavalheiros" adotado na legislatura anterior que fixa a sexta-feira seguinte ao dia da semana em que se realiza a conferência de líderes como prazo limite para a entrega de projetos com vista ao seu agendamento por arrastamento.
Apesar de o parlamento não ter informado a deputada única do Livre sobre este acordo, e de Joacine Katar Moreira não ter assento na conferência de líderes, o secretário da mesa da Assembleia da República Duarte Pacheco disse, em declarações à agência Lusa, que isso não pode ser invocado em sua defesa.
"Ela [deputada única do Livre, Joacine Moreira] não tem assento na conferência de líderes, mas o seu 'staff' tem obrigação de conhecer o regimento e estas regras. O que estava a acontecer muitas vezes, antes de se estipular este prazo, era que os partidos entregavam iniciativas no próprio dia dos debates, ou seja, sem que os deputados tivessem tempo para as ler antes de as discutir - e aconteceu com todos os partidos", acrescentou Duarte Pacheco.
Segundo este deputado, que foi várias vezes porta-voz da conferência de líderes, "há um acordo de cavalheiros de que o prazo é até à sexta-feira seguinte à reunião da conferência de líderes".
"Isto foi uma das regras que constam de um memorando aprovado na legislatura anterior e que consta de uma das súmulas, através do grupo de trabalho para o efeito [liderado pelo socialista Jorge Lacão]. Não é uma regra regimental, mas na altura todos os partidos concordaram e aceitaram respeitar", sublinhou.
Além disso, para este elemento da conferência de líderes, "o desconhecimento da lei não pode ser invocado para defesa" dos direitos da deputada.
A conferência de líderes da Assembleia da República que agendou o debate sobre a lei da nacionalidade para 11 de dezembro reuniu-se na quarta-feira, dia 20 de novembro. Havia já projetos de lei sobre a matéria de BE, PCP e PAN. Joacine, por não integrar um grupo parlamentar, não tem assento na conferência de líderes.
Joacine Katar Moreira somente esta terça-feira entregou a sua iniciativa legislativa sobre a matéria, ou seja, fora do prazo que existe por "acordo de cavalheiros", uma vez que o regimento do parlamento nada estipula sobre o assunto.
Havia ainda a hipótese de, por consenso de todos os partidos, a iniciativa tardia do Livre poder ser arrastada para o debate sobre o assunto, mas, segundo fontes parlamentares, PS, PSD e PCP não concordaram em abrir exceções à tal regra do "acordo de cavalheiros".
O parlamento tem em curso uma discussão com alterações ao seu regimento - regras de funcionamento - de modo a atribuir tempos de intervenção em plenário aos deputados únicos. No âmbito deste debate, o PS tem uma proposta que fixa a sexta-feira seguinte à conferência de líderes como prazo limite para agendamento de iniciativas por arrastamento, que seria o caso do diploma do Livre sobre a nacionalidade.
O projeto de lei do Livre visa facilitar a atribuição da nacionalidade portuguesa através do conceito de "jus soli", ou seja, do nascimento ou permanência em território português, independentemente da nacionalidade dos progenitores.
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