Em declarações à agência Lusa, em Luanda, um dos rostos mais mediáticos da contestação à liderança de 38 anos de José Eduardo dos Santos, falava sobre a governação que desde 26 de setembro está a cargo de João Lourenço e de ter feito hoje, sem sobressaltos, o lançamento do livro, sobre a sua prisão, em 2015, juntamente com outros 14 ativistas.
“Termos conseguido o espaço, não ter havido nenhum tipo de pressão, nenhum tipo de recuo, eu acho que são passos significativos e é preciso que nós, cidadãos, continuemos a dá-los (…) Não podemos esperar só que sejam sinais que venham de cima, nós também temos que procurar ver se as portas estão abertas, e quando não estiverem, tentar abri-las”, afirmou.
A sala do Hotel Globo, em Luanda, foi pequena para as cerca de 200 pessoas que se juntaram para o lançamento em Angola – há um ano foi feito em Portugal e posteriormente no Brasil – do livro “Sou eu mais livre, então – Diário de um preso político angolano”, que teve como base o diário que conseguiu fazer sair da prisão, com 450 exemplares que voaram em duas horas.
“Não são muitos livros, não me vai dar um ganha-pão para viver muito tempo, mas é essencialmente simbólico, algo que seria impensável até há alguns meses”, contou ainda, satisfeito por a apresentação, contrariamente a praticamente todas as iniciativas que nos últimos anos dinamizou em Angola, ter corrido sem qualquer incidente.
“Espero que isto seja uma semente que comece a dar os seus frutos”, apontou.
Com João Lourenço no poder há um mês e meio, Luaty Beirão, ativista e ‘rapper’, não esconde que para já tem visto mudanças que o deixam “expectante, ansioso e positivo”, até porque “vê-se um pouco mais de liberdade”.
“São dias ainda de alguma expectativa, alguma ansiedade. Estamos todos ainda a fazer uma leitura (…) Acho que, felizmente, há coisas muito interessantes a acontecerem, mas acho também que não devemos estar a empolar ou superexcitados, porque o que está a acontecer tinha de acontecer. E felizmente algumas estão a ser feitas, mas vamos com calma porque quando a poeira assentar podemos ver que o que sobra não é assim tão atrativo”, alertou.
O luso-angolano foi um dos 17 ativistas condenados a penas de prisão pelo tribunal de Luanda, a 28 de março de 2016, por rebelião e associação de malfeitores, depois de ter já passado – então com outros 14 ativistas – seis meses em prisão preventiva, após a detenção a 20 de junho de 2015.
O diário, de 100 páginas, retrata os primeiros 16 dias de prisão preventiva, até ao início de julho, quando o ativista e outros do mesmo grupo partilhavam espaço numa cadeia com cerca de 1.500 reclusos.
Fez sair o diário para o exterior por entre as páginas de um jornal, para evitar que fosse apreendido, como aconteceu com os restantes, que ficaram com os Serviços Penitenciários e que ainda hoje tenta recuperar.
“Continua a faltar, continua a estar com eles. Eu espero que agora seja mais fácil recuperar esse material. Existe sobretudo um caderno, com mais de 100 páginas – duvido que fosse dar outro livro, porque seria mais do mesmo -, mas é meu. Quero poder lê-lo, tê-lo na minha casa, poder fazer o que quero com aquilo. Não tem que estar com os serviços prisionais e, se for o caso, responsabilizar quem o extraviou”, afirmou.
A apresentação do livro, na estreia em Angola, esteve a cargo do conhecido jornalista angolano Reginaldo Silva, que recordou ter sido dos primeiros a, em junho de 2015, classificar estes ativistas como “os primeiros presos políticos da terceira República” angolana.
O jornalista, que chegou estar preso em Luanda na sequência dos acontecimentos do 27 de maio de 1977, uma alegada tentativa de golpe por parte de uma das alas do MPLA, recordou que ele próprio perdeu o rasto do diário que então escreveu na prisão.
“Com o Luaty aprendi agora mais um bocado desta ciência que é exportar papéis escritos para fora de uma cadeia angolana. Conhecimento que, espero sinceramente, não voltar a precisar nunca mais e ainda com a esperança de um dia destes, alguém me chamar, não sei bem de onde, e me devolver aquele bloco de notas que me foi confiscado”, ironizou o jornalista.
Na apresentação do livro estiveram vários outros ativistas detidos em 2015 juntamente com Luaty Beirão. Durante a prisão, aquele ativista chegou a fazer uma greve de fome de 36 dias, em protesto contra a detenção, mas hoje garante que voltaria a fazer tudo da mesma forma.
“Sinto que valeu a pena, sinto que foi necessário, sinto que se o tempo voltasse atrás, com as mesmas condições, voltaria a fazê-lo. Foi mais uma dessas pedrinhas que nós estamos a meter nessa grande construção que é o nosso país (?) Todos nós sentimos que este sacrifício está a valer a pena. Está a valer a pena porque ainda não acabou”, rematou.
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