As eleições presidenciais em Angola estão aí à porta. Marcadas para o próximo dia 24 de agosto, as várias sondagens em Angola são algo contraditórias. Se umas apontam para uma possível mudança de curso, outras garantem a vitória do MPLA e do atual presidente angolano, João Lourenço. Estes últimos inquéritos dão, ou poderiam dar, alguma tranquilidade ao líder do povo angolano. No entanto, os últimos dias não têm sido fáceis para João Lourenço, que viu o seu nome associado a uma ação judicial pela “falta de isenção e tratamento desigual” dos partidos políticos. O SAPO24 ouviu um dos subscritores da mesma, que não lhe poupou críticas — e até Portugal foi alvo de uma ‘reprimenda’ por parte de Luaty Beirão, neste caso sobre a relação com o país africano.
A ação judicial, segundo os subscritores, visa João Lourenço e alguns meios de comunicação social públicos, que classificam como instrumento de propaganda pública do MPLA. Luaty Beirão fala em “manipulação das mentes dos angolanos”, destacando que este movimento, a poucas semanas das eleições, serviu para deixar o povo em alerta.
“A imprensa pública de Angola é financiada pelo Estado e acaba por ser a que tem a melhor cobertura do país: o único jornal diário do país, a mais extensa rede de rádio e o monopólio dos canais de televisão, um deles, a Zimbo, intervencionada pelo Estado. Depois há uma permanente desinformação, ocultação e até a propaganda que fazem é ilegal. Já no passado denunciámos esta situação, e mesmo que seja cada vez menos eficaz esta ação de manipulação das mentes dos angolanos, considerámos que deveríamos fazer pressão, usando as instituições. Acreditamos que só a ação cidadã pode transformar estas instituições e o ambiente de farsa política que nos querem impor”, começou por salientar o músico e ativista angolano.
"Todo o capital de confiança que João Lourenço granjeou foi completamente desperdiçado”
O “uso” dos órgãos públicos por parte do Estado foi assim o mote para esta ação judicial, mas também para criticar João Lourenço, sobretudo por não ter cumprido “uma promessa”: “Queremos encorajar as pessoas a exigirem o que têm direito. Saírem de uma posição que lhes tem sido imposta, de submissão à impunidade com que se usam órgãos públicos para servir interesses de um pequeno grupo, prejudicando todo o país. João Lourenço acabou por não cumprir uma promessa que fez no início do mandato, de criar um ambiente de abertura e pluralismo nos media. O uso dos órgãos públicos como instrumentos partidários é tão ou mais grave do que no tempo do anterior presidente”.
João Lourenço ainda deu esperança
Pouco tempo depois da eleição de João Lourenço, em 2017, Luaty Beirão, entre outros conhecidos críticos angolanos, revelou-se satisfeito com a postura e trabalho inicial do atual presidente, sobretudo por ter tido a coragem de “mexer com a família Dos Santos”, de José Eduardo dos Santos, antecessor do atual líder angolano. Cinco anos volvidos, contudo, o balanço é diferente.
“Muitos de nós sentimos uma enorme esperança no início do mandato de João Lourenço, algo que o país muito necessitava. Um estilo mais aberto, um aproximar aos cidadãos, mesmo os que tinham uma postura crítica, o convidar para conselheiros da República pessoas com pensamento independente, desafiar dos interesses económicos estabelecidos na base da proximidade e favorecimento do poder político. No entanto, todo o capital de confiança que granjeou foi completamente desperdiçado”, assinalou Luaty Beirão, considerando mesmo “medíocre” o trabalho realizado por João Lourenço.
"Não sei se a sua visão reformista era genuína ou o que quis foi apenas desmantelar o poder do antecessor. Não sei se foi apenas incapaz de concretizar as reformas e se acabou por render-se a novos interesses. Seja qual for a razão, o resultado é bastante medíocre: os problemas estruturais de partidarização do Estado, falta de pluralismo, distribuição desigual da riqueza, tudo isto continuam a ser traços da nossa sociedade”, confessou.
Luaty Beirão, que em 2016 foi acusado e condenado (chegou a cumprir tempo de prisão) por preparar uma rebelião contra o então Presidente José Eduardo dos Santos, não esconde também que João Lourenço “herdou uma situação difícil” do seu antecessor. Mas esperava mais.
"Acho justo reconhecer que João Lourenço herdou o país em recessão, pobreza generalizada, corrupção das instituições, etc. O presidente anterior deixou-lhe um país em situação difícil. Pela positiva, desafiou a situação vigente, atacou interesses instituídos e criou esperança. No entanto, não transformou as estruturas corruptas que encontrou, apesar de inicialmente aparentar querer fazê-lo. O estilo autoritário, com alguma sofisticação, do antecessor foi substituído por um estilo arrogante, meio atabalhoado. A forma como escolheu e substituiu dirigentes, a destituição de pessoas em cargos durante o exercício de missões no exterior, etc. Tudo num estilo pouco competente e arrogante, apesar de manter o coro de aplausos à sua volta", considerou o luso-angolano.
Necessidade de “alternância” política
Marcadas então para o próximo dia 24, as eleições em Angola marcarão, sobretudo, um frente a frente entre o MPLA de João Lourenço e a UNITA de Adalberto da Costa Júnior. As sondagens apontam para uma vitória clara do atual presidente, mas Luaty Beirão defende uma ‘troca’ no governo.
“Espero que tenhamos chegado ao momento de renovar, embora entenda também que ninguém se deve acomodar. Seja o MPLA seja a UNITA, a governar, a qualidade da governação é diretamente proporcional ao nível de exigência e aos sistemas de contrapoder que previnem o abuso. Até nisso seria bom termos o MPLA a experimentar o exercício da oposição, poderia ser muito bom para o país se todos conseguirem desempenhar esses papéis com fair play. Neste momento, não me parece que exista uma opção mais adequada do que a dupla Adalberto e Chivukuvuku. Os demais são, infelizmente, residuais e inexpressivos para serem considerados uma opção viável, muitos existindo por beneplácito do MPLA e constituindo pouco mais do que a mera dispersão de voto”, considerou Luaty Beirão, salientando que não dará “um cheque em branco, apenas o voto, e a promessa" que estará depois "a fazer ação cidadã com a mesma exigência”.
Conhecido no mundo artístico como Ikonoklasta, o rapper de 40 anos entende que a mudança é o caminho certo para uma verdadeira democracia em Angola, algo que, no seu entender, não é uma realidade no seu país.
"Tem de começar-se a apostar nas gerações vindouras e tornar vergonhosa a fotografia de crianças a brincarem em amontoados de lixo"
“Há várias pessoas que, como eu, desejam uma mudança profunda para o nosso sistema político e que me criticam por dizer que não temos uma democracia. Perguntam-me se não noto a diferença em relação ao tempo em que se prendiam pessoas por serem de um partido da oposição, ou quando os únicos órgãos de comunicação eram os controlados pelo Estado, a fazer propaganda, como se mantêm até hoje. Não posso festejar os passos dados em direção à democracia, que para mim ainda são insuficientes”, referiu, dando depois exemplos.
“Uma democracia onde agentes da segurança do Estado infiltram partidos da oposição e chegam à sua bancada parlamentar ou a posições em órgãos de regulação da imprensa, como representantes da oposição? Democracia onde o Tribunal Supremo barra a criação de um partido, mas permite o surgimento apressado de outros, claramente para dispersar o voto na oposição? Onde inúmeras instituições, polícia, tribunais, comunicação social, empresas, são utilizadas como instrumentos de um partido para seduzir, comprar e intimidar largar franjas da população? Para não falar da forma como a economia, os maus serviços de educação são usados na prática para manter as pessoas como súbditos carentes de favores dos monarcas no poder”, enumerou o ativista, que vê várias soluções para o seu país.
“Tem de existir um investimento muito sério e sustentado na educação e na democratização da economia. Libertar as pessoas da pobreza e da precariedade vai também aumentar o seu nível de autonomia e a sua capacidade para exprimirem as suas opiniões. Essas serão mais sofisticadas quanto maior o acesso à educação e à informação, pelo que, tem de começar-se a apostar nas gerações vindouras e tornar vergonhosa a fotografia de crianças a brincarem em amontoados de lixo, crianças que, pelas vicissitudes da vida, nunca chegam a frequentar uma escola. Temos também de reconquistar as instituições públicas, tornando-as autónomas dos interesses partidários e colocando-as ao serviço da sociedade. Há ainda outro pilar determinante, nomeadamente o aumento da participação por parte de todos”, concluiu.
Portugal: aliados na democratização e dos processos de corrupção
Luaty Beirão nasceu em Angola, mas o seu pai, João Beirão, tinha descendência portuguesa, com raízes em Aveiro. A ligação ao nosso país é, assim, especial, embora também nunca tenha escondido que o local onde nasceu é onde se sente melhor. Na hora de falar sobre o nosso país e a relação com o seu, o ativista deixa algumas críticas no ar.
“Falar sobre Portugal e Angola daria uma outra entrevista. Portugal não é uma entidade homogénea. Se é verdade que sempre houve aliados em Portugal em relação ao processo de democratização, também é verdade que houve firmes aliados dos processos de corrupção e outros que muito mal fazem ao país”, assinalou o rapper de 40 anos.
(Artigo atualizado às 11h10)
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