Em entrevista à TSF e ao JN, a procuradora-geral jubilada argumentou que "não há na magistratura judicial a especialização necessária em sede de julgamento" e apontou que "o juiz que recebe os processos de criminalidade económica e financeira é o mesmo que julga roubos e homicídios, e terá de fazer um esforço imenso de adaptação e assimilação do tipo de prova específica, tendo de aprender isso do nada".
Para a antiga procuradora distrital de Lisboa, o argumento de que a criação de tribunais especializados é proibida pela Constituição não colhe porque, apontou, "o que a Constituição proíbe é a constituição de tribunais com competências para determinadas categorias de crimes, porque seria um retrocesso aos tribunais plenários".
Para Maria José Morgado, a lei fundamental portuguesa "não proíbe a criação de tribunais especializados por matérias, e não proibiria um tribunal especializado em criminalidade altamente organizada, por exemplo, tal como existe em Espanha”.
“E essa especialização seria uma adequação ao tipo de criminalidade e ameaças que temos", acrescentou.
Na entrevista, Morgado defendeu também a implementação de sentenças negociadas, argumentando que alguns processos tornaram-se excessivamente complexos e demorados, ao ponto de prejudicarem uma justiça célere.
"As sentenças negociadas são um movimento irreversível em toda a Europa, mas nós temos a mania que somos os inventores do Estado de direito, os campeões, e não somos, mais valia seguirmos as receitas que tiveram sucesso lá fora, e esta tem tido", argumentou.
"Sem estes instrumentos a justiça corre o risco de ser inoperante e ineficaz e os fins das penas não terem sentido nenhum", frisou a ex-procuradora-geral adjunta.
As provas nestes processos, vincou, "não são de produção instantânea, e leva a julgamentos muito demorados e um carrossel interminável de recursos por anos a fio, e criam uma sensação de inquietação na opinião pública".
Maria José Morgado, questionada sobre se há uma justiça para os ricos e outra para os pobres, tendo respondeu: "Não há, diretamente, agora, se as pessoas têm recursos podem evidentemente prolongar o tempo de duração dos processos, os recursos e exceder-se no contraditório admissível".
Sobre as leis, criticou diretamente a produção legislativa, dizendo que "a legislação tem sido uma máquina de fabricar imbróglios na justiça", nomeadamente no número de alterações e no impacto nas investigações em curso, exemplificando com o Código Penal, que sofreu 53 alterações desde 1982.
"Como [a lei] obedece ao princípio da legalidade e da tipicidade (uma pessoa só pode ser punida pela lei em vigor à data da prática do crime), cada vez que fazemos uma alteração, ela cria impacto e ondas de choque enormes em todas as investigações, julgamentos e penas a aplicar e punições, apuramentos de culpa, na medida em que há outra norma que diz que é aplicável a lei em vigor, mas houver uma lei posterior mais favorável, aplica-se essa lei, e a discussão sobre qual é a lei mais favorável pode tornar-se infindável", explicou.
Noutra passagem da entrevista, Maria José Morgado disse que "a produção legislativa foi uma fórmula desresponsabilizadora da atividade política porque foi uma forma de transferir para os tribunais todas as responsabilidades", lembrando que "também há questões éticas e de prestação de contas e integridade".
Em concreto, apontou: "Esta incriminação do enriquecimento injustificado ou ocultação de riqueza é o desatar deste nódulo, deste cancro na nossa democracia que precisava de ser resolvido e pode ser resolvido desta maneira, e o que é espantoso é porque é que não aconteceu há mais tempo, quando nós tínhamos um problema de integridade e prestação de contas ao nível político e também das magistraturas".
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