O número de pessoas convocadas para rastreios oncológicos de cancros da mama, do colo do útero e do cólon e reto diminuiu de mais de 1,2 milhões, em 2019, para 655 mil, em 2020, isto devido à pandemia da covid-19. A informação é avançada por José Dinis, diretor do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas da Direcção-Geral da Saúde (DGS), ao jornal Público.
De acordo com a publicação, no rastreio de cancro da mama, realizado pela Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC) na maior parte das regiões do país, em 2020, foram enviadas 276 mil convocatórias, em comparação em 2019 tinham sido remetidas 542 mil. A participação também caiu para menos de metade, de 283 mil para 132 mil.
José Dinis, no entanto, preocupa-se principalmente com a quebra verificada no rastreio do cancro do cólon e reto, que, segundo o diretor, estava “a descolar” e tinha atingido números apreciáveis em 2019.
“As metas que estavam definidas [no Plano Nacional de Saúde para 2020 e que apontavam para coberturas de 100%] foram pulverizadas, adiadas. A pandemia foi um balde de água fria”, lamenta José Dinis.
Este rastreio é o que tem maior impacto na sobrevivência dos doentes, já que o cancro do cólon e reto é o segundo mais mortal – a seguir ao cancro do pulmão. O diretor salienta que este é o rastreio que tem uma cobertura mais assimétrica no país e que está mais atrasado. O médico estima ainda que deveríamos estar a rastrear entre 800 a 900 mil pessoas por ano.
No entanto, mesmo com a pandemia, a cobertura geográfica aumentou, tal como a taxa de adesão, que registou um crescimento de um ano para outro - de 34% para 41% em 2020.
A publicação reitera ainda a necessidade de se aumentar o número de pessoas que participam no primeiro teste (rastreio), bem como garantir que há capacidade de resposta dos hospitais. “Há hospitais que dizem que não aderem e as ARS têm de convencer os serviços de gastroenterologia [a fazer colonoscopias]. Já foi estabelecido um preço compreensivo para garantir a realização destes exames mesmo fora do horário de trabalho, mas é preciso pagar às equipas. O grande objetivo é que este rastreio chegue a todos os cantos do país”, afirma o médico, citado pela publicação.
Até lá, o médico admite ter “dúvidas éticas em avançar com campanhas” de divulgação. "Na região de Lisboa e Vale do Tejo este rastreio ainda está a dar os primeiros passos, o Algarve está também a começar e no Alentejo é residual”, acrescenta.
Já no caso do rastreio do cancro do colo do útero, que atinge mulheres mais jovens e que deve ser feito de cinco em cinco anos, apesar de a adesão ser superior - 87,2% no ano passado -, José Dinis refere que “também há um problema”. Pelo facto de os centros de saúde terem sido fechados no início da pandemia, no ano passado, foram apenas referenciadas para consulta hospital 7.979 mulheres, quando em 2019 tinham sido referenciadas 12.572. “São cerca de quatro mil que escapam e que mais tarde podem vir a sobrecarregar o sistema, engrossar as listas de espera. Isto é como uma onda”, descreve.
A pandemia não teve apenas impacto nos rastreios, mas também nas cirurgias oncológicas. No fim de 2020, estavam em lista de espera para cirurgia 5.804 pessoas com neoplasias malignas, das quais cerca de 30% (1.728) nos três institutos de oncologia (IPO) do país.
O diretor salienta que estes números são “enganadores”, porque “não há um cancro, há muitos cancros”.
No IPO de Lisboa, que é o mais sobrecarregado, em 50% dos casos os tempos de resposta máxima garantida para cirurgia não eram cumprido. No caso do Porto, tal ocorre em 37% dos casos e no IPO de Coimbra em 22%.
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