Nas alegações finais do julgamento em curso no Juízo Central Criminal de Lisboa, o MP salientou que o tribunal deve aplicar aos dois arguidos “penas privativas de liberdade”, realçando que “os factos são muito graves” e destacando a conduta e antecedentes criminais de Cláudio Coimbra na medida da pena a impor, sem o ter feito em relação a Vadym Hrynko.
“Não resulta qualquer dúvida de que a morte resulta de lesões traumáticas, não há qualquer dúvida por parte do perito [da autópsia] em afirmar que a causa da morte foi pelas ações dos dois arguidos”, afirmou o procurador Luís Lourenço, que enfatizou: “As situações aqui são de especial censurabilidade e perversidade. A forma como os arguidos atuaram, ao atingirem as pessoas na cabeça quando já estavam no chão, demonstra uma especial censurabilidade”.
O magistrado Luís Lourenço salientou ainda a prática dos crimes de tentativa de homicídio de Cláudio Pereira e do polícia João Gonçalves (colega de Fábio Guerra) e de ofensas à integridade física qualificada aos agentes Leonel Moreira e Rafael Lopes, evidenciando ainda a ausência de arrependimento dos arguidos e que estes foram informados pelos polícias da sua condição de agentes da autoridade durante a confusão.
“Ao desferirem os socos e pontapés violentos, designadamente na zona da cabeça dos ofendidos, os arguidos sabiam que tais condutas poderiam provocar a morte daqueles cujas cabeças socaram e pontapearam indiscriminadamente e conformaram-se com tal resultado, fazendo-o repetida e sucessivamente, o que viria a culminar na morte de Fábio Guerra”, vincou, repetindo a ideia que já estava expressa no despacho de acusação.
Ao longo das alegações, o MP indicou também a maior fragilidade de Fábio Guerra em comparação com os arguidos e os próprios colegas e a sua intervenção para “afastar os arguidos da prática dos ilícitos” no exterior da discoteca Mome, em Alcântara (Lisboa), na madrugada de 19 de março de 2022.
“Estamos a falar de uma pessoa que tem 1,72 metros de altura e 55 quilos. Vimos aqui os arguidos e as testemunhas, a maior parte bem constituída, e uma pessoa que era notoriamente mais frágil do que as restantes”, observou.
Considerando que “deverão ser dados como provados os factos que constam da acusação relativamente à atuação dos arguidos”, o procurador defendeu também o pagamento de uma indemnização de cerca de 184 mil euros à família de Fábio Guerra.
Em sentido inverso, a defesa de Vadym Hrynko enfatizou que o arguido contou sempre a mesma história desde o primeiro dia e recusou a qualificação do crime de homicídio qualificado imputado pelo MP, apontando “legítima defesa”. Para o advogado José Teixeira da Mota, também não ficou provado de que os polícias envolvidos na confusão se tivessem identificado como tal perante os arguidos.
“Continuo convencido de que [Vadym Hrynko] cometeu um crime de ofensas à integridade física. Terá cometido um crime de excesso de legitima defesa, mas sempre num crime de ofensas à integridade física”, explicou, questionando diretamente o coletivo de juízes e jurados: “O Vadim quis matar alguém? É a pergunta que devem fazer... Alguém que, numa luta, dá um soco, seguido de um pontapé, quer matar alguém?”
Já a defesa de Cláudio Coimbra centrou a sua argumentação no relatório da autópsia a Fábio Guerra, sublinhando que “não é conclusivo” e lamentando que não tenha sido autorizado o depoimento do perito responsável. O advogado Miguel Santos Pereira criticou ainda o MP, acusando-o de usar “a técnica do arrasto” no processo e que teria, alegadamente, recorrido às notícias da comunicação social para sustentar a argumentação em tribunal.
“Não há uma testemunha que tenha ouvido ‘Polícia!’, além dos polícias”, realçou ainda a defesa, que notou que Cláudio Coimbra e Vadym Hrynko “estavam em minoria” perante os agentes da PSP que se aproximaram da confusão com Cláudio Pereira e que os dois arguidos “não são de fugir”.
Por último, o mandatário da família de Fábio Guerra, Ricardo Serrano Vieira, referiu que os dois arguidos nunca mostraram preocupação pela vida humana e apelou ao tribunal para aplicar uma condenação pesada, apontando a penas próximas do máximo legal de 25 anos. “Uma decisão que não seja próxima do limite máximo não fará justiça”, resumiu.
A leitura do acórdão do julgamento ficou agendada para o dia 05 de maio, às 09:30.
O agente da PSP Fábio Guerra, 26 anos, morreu em 21 de março de 2022, no Hospital de São José, em Lisboa, devido a “graves lesões cerebrais” sofridas na sequência das agressões de que foi alvo no exterior da discoteca Mome, em Alcântara, quando se encontrava fora de serviço.
O Ministério Público (MP) acusou em setembro os ex-fuzileiros Cláudio Coimbra e Vadym Hrynko de um crime de homicídio qualificado, três crimes de ofensas à integridade física qualificadas e um crime de ofensas à integridade física simples no caso que culminou com a morte do agente da PSP Fábio Guerra.
(Notícia atualizada às 20h01)
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