Falando na Comissão Parlamentar de Defesa Nacional onde está a ser ouvido, em conjunto com o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas e o Chefe do Estado-Maior do Exército sobre as suspeitas de tráfico de droga, ouro e diamantes envolvendo militares e ex-militares na República Centro-Africana, João Gomes Cravinho referiu que “a comunicação às Nações Unidas representa o cumprimento de uma obrigação assumida pelo Estado português no âmbito do memorando de entendimento entre as Nações Unidas e Portugal sobre a MINUSCA”, a Missão Multidimensional Integrada das Nações Unidas para a Estabilização da República Centro-Africana.
“O artigo 7.11 desse memorando de entendimento estipula que, havendo indícios de que um membro do contingente nacional poderá ter tido uma atuação ilegal, as Nações Unidas deverão ser informadas e o caso deve ser entregues às autoridades judiciais para a devida investigação”, destacou.
O ministro da Defesa salientou assim que “a comunicação às Nações Unidas se impunha em função das regras que enquadravam a participação nacional na MINUSCA”.
Abordando o conteúdo da comunicação em questão, Gomes Cravinho sublinhou que a informação transmitida "teve o cuidado de utilizar apenas informação muito genérica", designadamente que "tinham chegado denúncias de alegados 'crimes económicos' por parte de militares portugueses, que esses militares já não se encontravam no terreno, e que o assunto tinha sido entregue às autoridades judiciais portuguesas", estando em segredo de justiça.
“O relacionamento com as Nações Unidas foi gerido exatamente de acordo com as regras estabelecidas, salvaguardando a elevada confiança e prestígio que o nosso país merece em matéria de missões paz”, frisou.
Na mesma linha, o CEMGFA frisou que o referido memorando de entendimento é “legalmente vinculativo”, ressalva a “primazia do exercício de jurisdição e investigação do Estado português sobre os militares portugueses empenhados”, mas estipula “o dever do Estado português de informar” a ONU “quando se trata da suspeita da prática de crimes”.
Sobre a cronologia da Operação Miríade, o almirante António Silva Ribeiro, disse que foi informado, a 02 de janeiro e 13 de fevereiro de 2020, de duas denúncias relativas a dois militares que “indiciavam a prática de um ilícito criminal”, tendo dado instruções para que “a Política Judiciária Militar fosse de imediato informada” em ambos os casos, para que fosse aberta uma investigação criminal.
“Realço que, quando a 02 de janeiro e a 13 de fevereiro, fui informado, os elementos reportados e ainda por clarificar em nada faziam prever que o assunto estaria relacionado com uma potencial rede criminosa, como agora tem sido divulgado pelos órgãos de comunicação social e que envolverá alegadamente também ouro e droga”, salientou.
O almirante Silva Ribeiro salientou ainda que, depois do dia 13 de fevereiro, “nada mais chegou” ao seu conhecimento sobre “alegadas ações de natureza criminosa envolvendo militares das Forças Nacionais Destacadas”, exceto as notícias que vieram a público a 08 de novembro.
Já o Chefe do Estado-Maior do Exército, José Nunes da Fonseca, informou que, “em função da evolução pública da situação” e da informação que “o exército foi recolhendo”, decidiu instaurar, em 12 de novembro, “a instauração de processos de averiguações sobre os factos que são imputáveis a militares do exército, a fim de apurar a existência de indícios da prática de infração disciplinar, com a identificação dos seus autores”.
“Tratar-se-á de um ato isolado, embora grave, daí que sejam de evitar generalizações, tomando o todo pela parte. Não poderão estar em causa os quase 30 anos de contributo do exército e das Forças Armadas portuguesas para as missões no quadro da política externa do Estado em que se incluem os quase cinco anos de participação na missão das Nações Unidas para a República Centro-Africana, MINUSCA”, frisou.
Chefe das Forças Armadas considera “muitíssimo difícil” que factos se “voltem a repetir”
O chefe das Forças Armadas defendeu hoje que “será muitíssimo difícil voltarem a repetir-se” os factos que desencadearam a Operação Miríade e assegurou que “aquelas pessoas a quem for provado que cometeram crimes” serão “sancionadas”.
Reagindo a uma pergunta do deputado do Bloco de Esquerda João Vasconcelos, que interrogou se a reputação das Forças Armadas é posta em causa pela Operação Miríade e se a missão na República Centro-Africana está em risco, o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA) referiu que, há três dias, foi fornecida pela primeira vez “a informação dos nomes” dos militares envolvidos no processo, sendo que a maioria são ex-militares, apesar de haver alguns envolvidos “ainda em serviço”.
Nesse sentido, o almirante António Silva Ribeiro salientou que não se pode “confundir aquilo que são as competências” dos comandos com os “comportamentos desviantes de uma dúzia de militares”.
"Se se está a falar dos comandos e alguns militares dos comandos que cometeram eventualmente crimes, não podemos ao mesmo tempo deixar de enfatizar o extraordinário trabalho que essa força tem feito na RCA e ao serviço da humanidade", afirmou.
O CEMGFA argumentou que intervenção dos comandos na República Centro-Africana transformou “completamente o panorama operacional do país”, com uma presença que disse ter ficado pautada pelo “serviço daquilo que são os valores fundamentais da liberdade e da tranquilidade das populações”.
Apesar de elogiar o trabalho destes militares, Silva Ribeiro garantiu que “aquelas pessoas a quem for provado que cometeram crimes, serão evidentemente punidas” e informou que já solicitou ao Ministério Público que faça chegar às Forças Armadas as “comunicações” e “indícios que tem” para que seja dado início aos “procedimentos disciplinares”.
Interpelado ainda pelo deputado socialista Diogo Leão sobre as medidas que foram tomadas para reforçar o controlo das bagagens transportadas pelas Forças Armadas, o CEMGFA salientou que todas as aeronaves mobilizadas ao serviço das Forças Nacionais Destacadas são sujeitas a uma revista cinotécnica (com cães) sendo que, sempre que há indícios de ilícitos criminais, a PJ, PJM, Autoridade Tributária e o SEF são chamados.
“Estou convencido de que com isso, com o incremento dos controlos que estamos a fazer (…) nós podemos de facto garantir que será muitíssimo difícil voltarem a repetir-se estes factos que são gravíssimos, mas que em nada deslustram o património histórico, patriótico dos comandos”, indicou.
Abordando também a reputação das Forças Armadas portuguesas, o Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), general Nunes da Fonseca, salientou que não deve haver uma “extrapolação desproporcionada do que aconteceu”, referindo que se “houver dez militares que não tiveram atitudes corretas” na República Centro-Africana, num universo de 1.707 militares, isso “não deslustra de modo nenhum a imagem” da instituição.
“A imagem poderá ter ficado desfocada, mas se nos cingirmos aos factos, a imagem rapidamente será focada. (…) O civismo, o patriotismo, os valores éticos também fazem parte da condição militar e ficámos constrangidos com este acontecido, mas o anseio é que esta situação seja rapidamente esclarecida para servir de exemplo do que não podia ter acontecido”, disse.
PJ e PJM fizeram primeiros controlos de aviões em março de 2020
Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas revelou hoje que a Polícia Judiciária e a Polícia Judiciária Militar fizeram os primeiros controlos de aviões em Figo Maduro em março de 2020, após as suspeitas de tráfico por militares.
O almirante António Silva Ribeiro respondia a uma pergunta do deputado centrista Telmo Correia na Comissão de Defesa Nacional, no parlamento, sobre a fiscalização feita aos aviões militares.
O CEMGFA adiantou que o primeiro “envolvimento da Polícia Judiciária e da Polícia Judiciária Militar nos controlos em Figo Maduro [aeródromo]” foi feito “a 05 de março [de 2020], quando houve um voo de reabastecimento da Força Nacional Destacada” e depois num “voo de retração a 12 de março”.
De acordo com o chefe militar, depois de conhecidas as suspeitas de tráfico de diamantes por militares em missão na República Centro Africana, o “trabalho próximo” com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), a Autoridade Tributária, com a Polícia Judiciária e a Polícia Judiciária Militar “intensificou-se com a partilha de informação”, a partir de janeiro de 2020.
Respondendo a uma outra questão, o CEMGFA disse também que na quinta-feira “já foi realizada uma reunião coordenada pelo EMGFA” para reanalisar “aquilo que poderá ser eventualmente a sofisticação de uma eventual rede” e para se ponderar se é necessário “rever alguns dos procedimentos” de controlo implementados a partir das duas denúncias, de janeiro e fevereiro de 2020.
“Desde os factos iniciais, daqueles do dia 02 de janeiro de 2020 e 13 de fevereiro, nunca mais as nossas forças tiveram qualquer denúncia relativa a comportamentos inapropriados de militares no teatro da República-Centro Africana ou em qualquer outro teatro”, garantiu ainda o CEMGFA.
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