O pedido consta de uma carta hoje dirigida a Francisca Van Dunem pelo presidente da comissão de Liberdades Cívicas, Justiça e Assuntos Internos (LIBE), o espanhol Juan Fernando López Aguilar, que justifica o requerimento com a necessidade de “transparência total” em torno do processo de nomeações para a Procuradoria Europeia e à luz do “princípio da cooperação mútua e sincera” entre as instituições.
Na curta missiva, à qual a Lusa teve acesso, López Aguilar recorda que, na semana passada, teve lugar uma audição conjunta da comissão LIBE e da comissão de Controlo Orçamental do Parlamento Europeu sobre o processo de nomeação dos procuradores dos Estados-membros para a Procuradoria Europeia, na qual Van Dunem participou enquanto presidente em exercício do Conselho de Justiça da União Europeia (UE), e na qual foi abordada a polémica em torno, sobretudo, da designação do magistrado José Guerra por Portugal.
“Os membros das comissões relevantes pediram transparência total nesta matéria, designadamente em virtude de o Conselho, em três casos, ter selecionado um candidato da lista que não era a primeira escolha do painel de seleção no seu parecer”, assinala o presidente da comissão parlamentar, referindo-se aos casos de Portugal, Bélgica e Bulgária.
O presidente da Comissão LIBE reforça que “uma total transparência sobre a forma como os procuradores europeus foram selecionados e nomeados é importante, e foi ainda mais reforçada após a audição da Presidência [Portuguesa do Conselho da UE] na reunião conjunta”, no final da qual vários eurodeputados manifestaram-se insatisfeitos com os esclarecimentos prestados.
“Por conseguinte, e em linha com o princípio da cooperação sincera mútua e sincera, por meio desta carta gostaria de solicitar ao Conselho que partilhe com a comissão de Liberdades Cívicas, Justiça e Assuntos Internos todos os documentos, incluindo ‘curriculum vitae’, cartas de justificação e minutas de todas as reuniões relevantes, a todos os níveis, relativas à seleção e nomeação dos candidatos nos casos em que o candidato selecionado não foi a primeira escolha do painel de seleção no seu parecer fundamentado”, lê-se na carta assinada pelo deputado espanhol, membro da bancada dos Socialistas e Democratas.
O pedido do presidente da comissão LIBE à ministra ocorre dois dias antes de Francisca Van Dunem voltar a comparecer perante esta comissão, na quinta-feira à tarde, mas desta vez para apresentar as prioridades da presidência portuguesa do Conselho, numa sessão conjunta com o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, dado ambos presidirem neste semestre ao Conselho de Justiça e Assuntos Internos (JAI) da UE.
Na audição conjunta de 26 de janeiro a que o presidente da comissão LIBE faz referência, a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, prestou esclarecimentos sobre a nomeação do magistrado português para a Procuradoria Europeia e, entre “desabafos” sobre “ironias”, lamentou que se esteja a “eternizar” esta polémica, mas manifestou-se totalmente disponível a colaborar com o Parlamento Europeu e a prestar informação adicional caso tal fosse necessário.
Na reunião, destinada a fazer um ponto da situação do estabelecimento da nova Procuradoria Europeia, e na qual participou a Procuradora-Geral, Laura Codruta Kovesi, a questão da nomeação do procurador José Guerra foi suscitada por vários deputados, entre os quais Paulo Rangel e José Manuel Fernandes, do PSD.
Lembrando que a questão “já foi discutida no Parlamento Europeu, em plenário”, com uma intervenção da secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Ana Paula Zacarias, em nome do Conselho da UE — a que Portugal preside no corrente semestre -, a ministra disse todavia entender “que subsistam nas mentes de alguns dos deputados dúvidas legítimas a respeito da isenção e da transparência desse processo”, pelo que, assim que foi convidada a participar na sessão, se disponibilizou “imediatamente” a “prestar todos os esclarecimentos necessários”.
“Permitam-me um primeiro desabafo: é que este processo tem para mim duas ironias, traz duas ironias. A primeira é que quando eu iniciei funções no Governo, no final de 2015, o processo de cooperação reforçada, o processo de adoção do regulamento, estava bloqueado por parte de Portugal. E de facto foi o Governo de que eu fiz parte que desbloqueou esse regulamento e que nos permitiu entrar na primeira fase da cooperação reforçada”, começou por referir.
A segunda ironia, prosseguiu, é que “a prática em Portugal é que quando se deve indicar pessoas para lugares internacionais não se faz concursos”, o que sucedeu por sua iniciativa.
“Eu decidi neste caso propor ao Governo, e o Governo propôs ao parlamento, uma lei nesse sentido, sendo certo que, embora a lei não estivesse ainda aprovada, nós seguimos o rito que a lei previa, ou seja, definimos que seriam os Conselhos Superiores, do Ministério Público e da Magistratura — ambos órgãos independentes do poder político — a definir os melhores candidatos”, explicou.
Van Dunem voltou a explicar o sucedido, enfatizando que “os ‘famosos’ lapsos” não constavam do currículo do magistrado José Guerra, mas sim “de uma nota que o Governo enviou a dar nota da sua preferência por um candidato diferente daquele que tinha sido colocado em primeiro lugar do ‘ranking’ pelo comité de seleção”.
Lembrando que o regulamento da Procuradoria “é claro” ao indicar que o ‘ranking’ estabelecido pelo comité de seleção independente europeu “não é vinculativo”, a ministra reiterou que Portugal fez “uma escolha diferente”, pois “havia uma diferença abissal” relativamente à seleção feita pelo Conselho Superior da Magistratura português, que ordenou a candidata que o painel considerou em primeiro em terceiro lugar, a 12 pontos de diferença do primeiro candidato”.
Manifestando-se “disponível para prestar mais esclarecimentos”, se tal for considerado necessário, Francisca Van Dunem lamentou, todavia, o tempo que a polémica já leva.
“Já vão mais de três meses. Estamos desde outubro nesta situação. A Procuradoria Europeia precisa de estabilidade, precisa de paz para trabalhar. Se aquilo que queremos é pô-la operacional, precisamos de resolver estas questões com grande rapidez, e não eternizar um problema que pode perfeitamente ser clarificado e esclarecido ao Parlamento”, concluiu.
Depois da intervenção da ministra, a deputada holandesa Sophia in’t Veld, do grupo Renovar a Europa (Liberais), manifestou-se insatisfeita com os esclarecimentos prestados, reclamando antes que o Conselho partilhe toda a documentação com o parlamento, e ameaçou com uma ação na justiça se tal não suceder. Também o líder da delegação do PSD, Paulo Rangel, considerou que permaneceram perguntas sem resposta.
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