As medidas sobre a identidade de género nas escolas voltaram ao Parlamento, esta quinta-feira, com o objetivo de ultrapassarem o chumbo do Constitucional a 29 de junho de 2021. Além do projeto de lei do PS, foram também discutidos projetos do Bloco de Esquerda e do PAN.
Num dia em que os olhos estiveram virados para a demissão do executivo de António Costa, estes temas foram debatidos e votados na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias desde as 13h30.
No caso do projeto de lei do PS, ainda com maioria absoluta no parlamento, é referido que: "as escolas devem garantir que a criança ou jovem, no exercício dos seus direitos, aceda às casas de banho e balneários, tendo sempre em consideração a sua vontade expressa e assegurando a sua intimidade e singularidade". O texto do PAN reflete exatamente a mesma intenção do partido do governo.
Já o Bloco de Esquerda (BE) tem uma abordagem um pouco diferente e refere que: "as escolas devem garantir que estudantes e membros do pessoal docente e não docente, no exercício dos seus direitos, acedam às casas de banho e balneários, tendo sempre em consideração a sua vontade expressa e assegurando a sua segurança e bem-estar".
"Nas escolas públicas, nós já temos casas de banho neutras, quer de alunos, quer de professores".
Este novo diploma, agora aprovado, na especialidade, destina-se a estabelecer “o quadro para a emissão das medidas administrativas que as escolas devem adotar para efeitos da implementação” da lei de 2018 que estabelece “o direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e o direito à proteção das características sexuais de cada pessoa”.
Três anos após a sua aprovação, o Tribunal Constitucional (TC) declarou inconstitucionais duas das normas sobre a aplicação da nova lei nas escolas, o que motivou a iniciativa desenvolvida agora pelo grupo parlamentar do PS para adaptação da lei.
Em entrevista ao SAPO24, o presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), Filinto Lima, sublinha que "nós não fomos tidos nem achados em relação a esta lei. Mas nas escolas públicas, nós já temos casas de banho neutras, quer de alunos, quer de professores".
"Se a lei passar a ser generalizada e obrigatória, vamos ter de ter algum tempo para fazer as devidas adaptações, algumas escolas poderão passar a ser alvo de remodelação para cumprir aquilo que for aprovado no parlamento", acrescenta.
A lei de 2018, assim como as alterações agora propostas, não determinam, todavia, as medidas que as escolas devem aplicar para garantir que os alunos acedem "às casas de banho e balneários, tendo sempre em consideração a sua vontade expressa".
"As escolas lidam bem com este tipo de temas"
Sobre o que já tem sido feito no que diz respeito à adaptação das escolas à identidade de género de cada um, o professor explica que, ao contrário do que muitas vezes é dito, "nunca foram criados espaços à parte para estes alunos". Ou seja, "o que foi feito foram casas de banho neutras, tal como já existe no caso dos professores. Se fosse um espaço à parte seria discriminação".
"Foram feitas casas de banho onde pode ir o rapaz e a rapariga", sublinha, neste caso "uma adaptação do uso que é feito das casas de banho".
Já a possibilidade da lei obrigar à existência de balneários neutros, o presidente da ANDAEP destaca que isso não existe neste momento: "Não sei quais vão ser as adaptações feitas à lei, mas neste momento ainda temos balneários masculinos e femininos".
"Os diretores nunca foram ouvidos e deviam ser ouvidos"
Diz ainda que não vê esta questão como um problema nas escolas portuguesas. "As escolas têm imensos problemas e não são estes. Sempre existiu uma ou outra situação, mas as escolas têm desempenhado sempre um papel neste campo, bem como na alteração de nomes ou mudança de género. As escolas lidam bem com este tipo de temas", refere.
No que diz respeito ao envolvimento da comunidade escolar nesta decisão, reforça que "a medida não foi bem discutida e os diretores nunca foram ouvidos e deviam ser ouvidos".
Questiona também "se a sociedade está a acompanhar esta evolução, então é algo que também devia ser aplicado a outros lugares públicos, como restaurantes ou comércio". "Na maior parte de outros espaços não existe nada disso", diz.
"Estamos, na minha opinião, [nas escolas] um pouco à frente daquilo que se passa na sociedade e é um problema que não perturba o dia dia de uma escola. A evolução na sociedade não está a acontecer ao mesmo tempo que nas escolas", reforça.
Sublinha ainda que este nunca foi um problema levantado por pais nem alunos, e todas as alterações feitas em escolas que já construíram casas de banho neutras foram amplamente aceites. "Ninguém questionou, nem pais, nem alunos".
Recorde-se que apesar do governo ser demitido esta quinta-feira, a dissolução da Assembleia da República acontece apenas no dia 15 de janeiro, último dia possível para que haja legislativas em 10 de março. Esta situação permite que este tipo de projetos de lei sejam discutidos mesmo com um governo de gestão.
O que devem fazer as escolas após terem conhecimento de um caso
De acordo com o texto hoje aprovado, as escolas devem definir “canais de comunicação e deteção”, identificando um responsável ou responsáveis “a quem pode ser comunicada a situação de crianças e jovens que manifestem uma identidade ou expressão de género que não corresponde ao sexo atribuído à nascença”.
Após ter conhecimento desta situação, a escola deve, em articulação com os pais, encarregados de educação ou com os representantes legais, promover a avaliação da situação, “com o objetivo de reunir toda a informação relevante para assegurar o apoio e acompanhamento e identificar necessidades organizativas e formas possíveis de atuação, a fim de garantir o bem-estar e o desenvolvimento saudável da criança ou jovem”.
O texto hoje aprovado estabelece ainda que as escolas devem emitir orientações no sentido de “fazer respeitar o direito da criança ou jovem a utilizar o nome auto atribuído em todas as atividades escolares e extraescolares que se realizem na comunidade escolar”, sem prejuízo de assegurar a “adequada identificação da pessoa através do seu documento de identificação” em situações como o ato de matrícula, exames ou outras situações similares.
Deve ser ainda promovida "a construção de ambientes que na realização de atividades diferenciadas por sexo permitam que se tome em consideração o género auto atribuído, garantindo que as crianças e jovens possam optar por aquelas com que sentem maior identificação” e, no que toca a vestuário, as crianças devem poder escolher de acordo com a opção com que se identificam “nos casos em que existe a obrigação de vestir um uniforme ou qualquer outra indumentária diferenciada por sexo”.
Agora que o texto foi aprovado na especialidade voltará a subir a plenário. Se passar na Assembleia da República, caberá ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, pronunciar-se.
*Com Lusa
(Atualizado às 18h14: alteração do título e acrescentada informação sobre as várias alterações à lei de 2018)
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