Nos seus quase seis meses no cargo, Milei difamou quase todos os líderes de esquerda da região. As ofensas atravessaram o Atlântico este fim de semana e escalaram.

Numa visita à Espanha durante a qual não se encontrou nem com Sánchez nem com o rei, o líder argentino de direita radical acusou Begoña Gómez, esposa do presidente do governo espanhol, de ser “corrupta”, sem citar diretamente o seu nome.

Como resultado, a Espanha decidiu retirar “definitivamente” a sua embaixadora na Argentina, enquanto Milei alimentou a crise ao chamar Sánchez, do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), “covarde”. “É um disparate típico de um socialista fatalmente arrogante”, disse o mandatário argentino nesta terça-feira ao canal LN+ sobre a retirada da embaixadora, informando que não haverá qualquer medida de reciprocidade.

O confronto com Madrid é o último e mais grave de uma saga. Em março, Milei chamou ao seu homólogo colombiano, Gustavo Petro, “assassino” e “terrorista” e disse que o presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, era um “ignorante”.

A verborragia do presidente argentino levou Bogotá a convocar o seu embaixador para consultas. Mas o alvo favorito de Milei e o seu arqui-inimigo tem sido Nicolás Maduro, o governante venezuelano de esquerda, com quem troca regularmente insultos como “nazi” e “ditador”.

Tudo isso sem contar o que o radical de direita declarou sobre outros líderes quando ainda era candidato, ou mesmo antes de concorrer à presidência: chamou ao papa Francisco "representante do mal na Terra" e ao presidente Luiz Inácio Lula Da Silva "esquerdista selvagem".

Mas desde que assumiu o cargo em dezembro, o presidente “anarcocapitalista”, como o próprio se define, não insultou publicamente o líder do Brasil, o mais importante parceiro comercial da Argentina. Entretanto, Milei também pediu desculpas ao papa e abraçou-o efusivamente durante uma visita a Roma em fevereiro.

No entanto, os seus críticos questionam os riscos de uma política externa que o ex-ministro Santiago Cafiero qualificou como "infantil". "A Argentina sempre foi um fórum de diálogo para a América Latina. Agora, tudo isso está a perder-se com cada uma destas aparições. E é proporcional: perde-se em reputação internacional, ganha-se seguidores nas redes sociais", disse Cafiero à AFP.

Milei encarna “o tipo de liderança típico destas ultradireitas”, disse Sergio Morresi, doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, à AFP. “Eles tendem a privilegiar a sua agenda ideológica em detrimento de questões de interesse geopolítico”, acrescentou.

Na sua visão, o presidente argentino “repete exteriormente a estratégia que aplica a nível interno no sentido de acelerar”, sem medir as consequências.

Alejandro Rascovan, professor de Segurança Internacional na Universidade de San Martín, definiu a política externa do governo como “caótica”. “Prioriza os laços políticos e pessoais do presidente e não parece haver uma política de Estado por trás disso”, disse à AFP.

Até ao momento no seu governo, Milei já viajou seis vezes para fora do país, sendo três para os Estados Unidos, o seu norte geopolítico. Foi lá que se encontrou por duas vezes com o magnata Elon Musk, recebeu uma condecoração de uma comunidade judaica ortodoxa e conheceu o ex-presidente Donald Trump.

Tendo em conta a sua relação com as religiões judaica e católica, o mandatário também respondeu ao seu apelo espiritual com visitas a Israel e ao Vaticano.

A sua última viagem à Espanha, no fim de semana passado, foi para discursar numa convenção do partido espanhol de extrema direita Vox, onde foi recebido como uma estrela do rock.

Segundo Roy Hora, historiador da Universidade de San Andrés, “convicções e conveniências parecem combinar” na diplomacia de Milei.

Por sua vez, Rascovan avalia que “dá a impressão de que Milei procura posicionar-se como uma figura global, talvez esse seja o seu único objetivo real, é impossível saber; mas nenhum dos esforços durante as suas viagens teve, por enquanto, qualquer resultado real em investimentos" para a Argentina.

Para Hora, a crise com a Espanha "parece mais um capítulo da desorientação argentina, que há uma década celebrava (o falecido presidente venezuelano de esquerda) Hugo Chávez e hoje está a caminhar numa direção completamente oposta".

"Isto marca a subordinação da política externa aos imperativos de curto prazo da política interna e realça o amadorismo dos nossos governantes e a sua falta de clareza sobre os nossos interesses a longo prazo e o nosso lugar — modesto, talvez irrelevante — no cenário internacional", considerou o especialista.