É a única câmara que nunca escapou ao CDS desde há 45 anos. O partido, que chegou a ter 36 câmaras (em 304 municípios) em 1976, tem hoje seis. Mas já teve só uma, Ponte de Lima.
Por causa da limitação de mandatos, o atual presidente, Victor Mendes, dá a vez a Vasco Ferraz, o candidato oficial. Mas o partido, que em 2017 já se tinha partido em dois, com a dissidência de Abel Baptista - que agora tem o apoio do PS -, está agora dividido em três, e Gaspar Martins passa a oposição, como candidato independente.
Apesar disso, o candidato do CDS não está preocupado e tem as contas todas feitas: "Em Ponte de Lima votam sensivelmente 14 mil pessoas no CDS, 14 mil pessoas contra o CDS, e 13 mil pessoas não votam". A ver vamos.
Vasco Ferraz é natural de Ponte de Lima e recorda a casa onde vivia em miúdo, ao lado da igreja matriz: "Tenho uma irmã sete anos mais nova, mas sempre fomos muito chegados. O nosso tempo, realmente, foi um tempo diferente, vivíamos e crescíamos na rua. Como os meus pais trabalhavam bastante, eu ia tomando conta da minha irmã; lembro-me de que brincávamos encostados aos carros de praça, ouvíamos as missas todas, íamos espreitar, fazíamos as nossas traquinices. Mas sinto-me um privilegiado, independentemente de os meus pais serem pessoas que tiveram até determinada altura alguns momentos difíceis, com dificuldades económicas, tanto eu como a minha irmã conseguimos ter direito a um curso superior e singrar".
Engenheiro civil de formação, logo que acabou a licenciatura começou a trabalhar. "Trabalhava 14 a 15 horas por dia. Tive algumas dificuldades também, porque os pais da minha mulher faleceram os dois num prazo de tempo muito curto, e eu tinha de trabalhar para poder viver, pagar as minhas dívidas e crescer enquanto família. A minha mulher era muito nova, os irmãos mais novos ainda, e tínhamos a nosso encargo uma senhora com mais de 90 anos e ainda uma sobrinha", conta.
Melómano e cinéfilo confesso, o filme Ponte de Lima - com 39 freguesias (antes da fusão tinha 51) - é música para os ouvidos do CDS. Vasco Ferraz fala do seu projeto e explica o êxito de uma das câmaras mais bem geridas do país.
Não teme que, pela primeira vez, o CDS perca a câmara de Ponte de Lima?
Não, não. Não coloco isso como uma possibilidade. Conheço o povo limiano e sei que o povo limiano sabe reconhecer o trabalho que tem sido feito nos últimos anos. Ponte de Lima é um exemplo a nível nacional em muitos sentidos, e as pessoas vão reconhecer isso com alguma facilidade.
Em que sentido Ponte de Lima é um exemplo a nível nacional?
Se lhe disser na governação autárquica, penso que é um dos melhores exemplos, e isto abrange um pouco todas as áreas. Mas posso dizer no sentido do respeito pelo património, na gestão financeira, na educação, na cultura.
Antes de avançar para o seu projeto para Ponte de Lima, queria saber por que razão o CDS se partiu em três?
A questão Abel Baptista já não é de agora, já aconteceu há uns anos. Por isso não será novidade para o povo e não será muito diferente daquilo que poderia ser. De resto, o que penso é que estamos a falar de algumas pessoas que não souberam respeitar aquelas que foram as decisões do partido - e quando estamos dentro de uma estrutura temos de saber como essa estrutura funciona e deixá-la trabalhar da melhor forma. Se a estrutura a determinada altura escolheu que a melhor pessoa para estar a presidir aos destinos da câmara era o Eng. Victor Mendes e o Dr. Abel Baptista não aceitou isso, é um problema dele (contra o qual já lutou uma vez [2017] e não conseguiu vencer). Estas eleições não são diferentes.
Estamos a falar de algumas pessoas que não souberam respeitar aquelas que foram as decisões do partido.
E no caso de Gaspar Martins?
A questão do Gaspar Martins é exatamente igual. Não souberam respeitar aquela que foi a decisão do partido. No caso do Gaspar a ideia que tenho é que foi por causa de uma escolha do candidato que representava Viana do Castelo nas últimas eleições legislativas. Não soube respeitar uma decisão do presidente do partido, que nem sequer foi a nossa, e agora surge como candidato contra o CDS através de uma candidatura independente.
Não teme que essas duas candidaturas levem votos atrás?
O que nos diz o passado - claro que esta é uma fase um bocadinho diferente, estamos numa fase de limitação de mandatos do Eng. Victor Mendes, sou o novo candidato, não tenho exatamente o mesmo reconhecimento que ele teria já como presidente de câmara quando Abel Baptista foi candidato contra ele a primeira vez - é que temos entre todos ligações muito fortes, um trabalho de parceria muito grande e uma exposição pública muito idêntica. Penso que as pessoas, no geral, já me conhecem e reconhecem a minha capacidade para o trabalho a que me apresento. Assim como conhecem o Dr. Abel Baptista, e tenho a certeza de que em relação a isso vai acabar por não haver uma divisão de votos, já no outro mandato houve a entrada de um dissidente do CDS e a nossa posição manteve-se basicamente a mesma. Aqui vai acontecer igual. Aliás, acho que mesmo o candidato independente não terá sequer votação suficiente para se conseguir eleger para a câmara enquanto vereador.
A minha questão é se não está a acontecer com o CDS em Ponte de Lima aquilo que aconteceu com o CDS ao nível nacional: dividir para reinar e entrar em queda livre?
Não, de forma absolutamente nenhuma. Toda a estrutura do CDS a nível local é a mesma que existia para trás, continua igual, coesa, a trabalhar pelo mesmo objetivo. Temos aqui três ou quatro pessoas que não se sentiram satisfeitas com as decisões e que se afastaram. Por isso, não diria que estamos aqui na mesma plataforma em que está o partido a nível nacional. Estamos aqui até mais fortes do que estávamos no passado. Temos tido um aumento do número de militantes, tanto no partido como na juventude popular, o que só demonstra que a estrutura está forte e para continuar.
Não diria que estamos aqui na mesma plataforma em que está o partido a nível nacional. Estamos aqui até mais fortes do que estávamos no passado.
Além do fator independentes, ou dissidentes, como lhes quiser chamar, temos os novos partidos, que agora concorrem a eleições. Isto não vem baralhar as suas contas?
As pessoas de Ponte de Lima são muito inteligentes. Por norma, o voto nas eleições autárquicas é um voto que é muito considerado, muito pensado. A história tem-nos mostrado que neste tipo de eleições as pessoas votam pelas caras, não votam pelos partidos. É notável, porque Ponte de Lima, que é um concelho maioritariamente social-democrata em todas as eleições [legislativas e presidenciais], nas autárquicas funciona completamente ao contrário. Todo esse eleitorado que votaria no PSD e no PS, as duas forças políticas com maior representatividade no concelho, têm aqui o sentido de voto no CDS. Não acredito que o surgimento de novas candidaturas de partidos já com assento parlamentar vá fazer mossa. E digo que o povo limiano é inteligente porque o que se divide é apenas aquilo que são os votos da oposição. Em Ponte de Lima votam sensivelmente 14 mil pessoas no CDS, 14 mil pessoas contra o CDS, e 13 mil pessoas não votam. Essas 14 mil que votam contra vão dividir-se entre as outras candidaturas. Tenho isto mais ou menos estudado, não gosto de me enganar muitas vezes [ri].
Não acredito que o surgimento de novas candidaturas de partidos já com assento parlamentar vá fazer mossa.
Ponte de Lima está entre os municípios mais bem geridos e com maior autonomia financeira, ocupa o sétimo lugar. Como é que se consegue alcançar estes resultados?
Qual a grande vantagem da câmara de Ponte de Lima e daquilo que pode dar aos seus concidadãos? Basicamente, população e empresas estão isentos de tudo o que são impostos diretos; as empresas não pagam derrama, os 5% que nos são respetivos do IRS das famílias não são cobrados, o IMT não é cobrado às empresas que se fixam nos nosso polos, mesmo o IMI tem o montante fixado num nível baixo (que não é o mínimo). Ao longo de muitos anos a câmara nunca precisou dessas receitas para fazer face ao que são as despesas, e somos das câmaras que mas investem quando comparada com as que nos circundam. Lembro-me de há uns anos, em 2017, perto das eleições autárquicas, me dirigir para uma reunião com o senhor presidente na terceira maior cidade do país, e ver um outdoor imenso do candidato à câmara, que era também o presidente [Basílio Horta], a dizer que a câmara tinha investido 20 milhões de euros nas freguesias. Nesse ano Ponte e Lima investiu 23 milhões. Somos um concelho que terá uma receita dez vezes inferior [a Sintra].
Como a câmara de Ponte de Lima tem sempre muito capital no banco, consegue executar a despesa antes sequer da abertura dos concursos.
Como fazem essa gestão? A minha curiosidade é essa.
Primeiro, há um grande princípio de poupança. Cada vereador só tem autonomia para poder executar despesa de 500 euros. Ou seja, se eu quiser efetuar uma despesa de um valor superior, tenho de pedir ao senhor presidente. Que faz essa gestão muito bem ao longo dos anos. Isso às vezes impede que haja muito dinheiro mal gasto ou gasto de forma não sustentada. Se pensarmos que - isto de forma muito linear - estamos quatro vereadores por dia, estamos a falar de 2 000 euros por dia - a despesa é acima, isto é o mínimo. Vezes 300 dias por ano, faz-se as contas e chega a alguns milhares de euros. Mas a maior vantagem que temos é no que diz respeito ao aproveitamento dos fundos comunitários. Como a câmara de Ponte de Lima tem sempre muito capital no banco, consegue executar a despesa antes sequer da abertura dos concursos. Quando a abertura é feita, temos os projetos executados, concorremos e, basicamente, apanhamos tudo (adaptamos os projetos aos avisos dos concursos). Isso faz com que possamos ter um grande investimento quase a custo zero, porque ainda por cima, se considerarmos que temos uma execução rápida, temos alguns projetos que são majorados e às vezes financiados até 95% ou 100%. Isto faz com que a câmara possa poupar muito dinheiro.
Quanto dinheiro têm no banco?
Neste momento perto de 7 milhões e euros [a câmara de Sintra tem à volta de 100 milhões]. É flutuante, já tivemos 18 milhões.
Qual é o orçamento médio anual da câmara de Ponte de Lima?
Não chega a 40 milhões de euros. Desde que estou na câmara, já tive orçamentos até 29 milhões de euros. Depende muito das aberturas dos avisos dos fundos comunitários.
Como vão fazer no dia em que acabarem os fundos comunitários?
Acabamos por estar dependentes, mas por uma questão de poupança. Mas somos tão rápidos que nessa altura já temos a maior parte dos investimentos todos feitos. Em 140 milhões de euros de orçamento por mandato, temos muito investimento que é feito e que não é financiado.
Que projetos tem Ponte de Lima inscritos no PRR ou que possa vir a realizar no âmbito do PRR?
Aquilo que esperamos é à volta de 14 a 15 milhões de euros, para áreas muito diversas: ambiente, ação social - penso que vão ser as áreas mais apoiadas no PRR. Mas logo a seguir temos o quadro Portugal 2030 e ainda antes vamos ter o overbooking do 2020. Já temos a execução toda feita, só estamos à espera que o dinheiro nos entre pelas portas adentro.
Que projeto ou projectos são esses na área do ambiente?
O projeto na área do ambiente é, nomeadamente, no que diz respeito à reflorestação das áreas mais rurais, que também tem que ver com o apoio à produção de pequenos ruminantes para podermos tratar a floresta, reflorestar com floresta autóctone, com capacidade produtiva mas, ao mesmo tempo, com alguma capacidade de retenção do tempo dos incêndios, para fazermos com que haja um aumento da capacidade e da atratividade para o turismo, porque estamos a investir muito no turismo rural, no turismo de natureza, no enoturismo. Hoje a principal atividade económica é a indústria, que há uns anos praticamente não existia. Mas é sempre muito flutuante. Apenas uma das empresas que temos no concelho emprega duas mil pessoas [a maior concorrente da Bosch].
Ponte de Lima beneficia mais de Portugal ou da sua proximidade com Espanha?
É muito difícil conseguir explicar isso. Houve uma aposta muito grande nos últimos oito anos na promoção do concelho de Ponte de Lima em relação ao território de Espanha. Ponte de Lima sempre teve muitos turistas, que antes eram maioritariamente portugueses e que neste momento não são, sentimos que há um crescimento muito grande de pessoas que nos visitam oriundas de Espanha. Não nos podemos esquecer de que entre a região norte e a Galiza teremos muito perto de cinco a seis milhões de habitantes, que é muita gente. E somos um território atrativo, com muita mobilidade, e começámos agora a captar esse público.
Ponte de Lima perdeu um pouco mais de duas mil pessoas nos últimos dez anos, dados do Censos 2021. Porquê?
É um desígnio nacional, não somos um território muito diferente dos outros. Não nos podemos esquecer de que na crise da troika tivemos um primeiro-ministro que mandou as pessoas saírem de Portugal para não passarem fome. Até era capaz de lhe dizer que se não fossem os últimos três ou quatro anos esse número tinha sido consideravelmente pior, porque temos estado a atrair pessoas, há muita gente de fora que está a vir viver para Ponte de Lima.
Como é que atraem essas pessoas?
Um bocadinho com tudo, mas principalmente pela qualidade de vida que temos aqui. Não há filas de trânsito, para sair para trabalhar para 30 quilómetros ao lado nunca demora mais de 15 a 20 minutos para chegar. Mas mesmo em Ponte de Lima existem muitas ofertas de trabalho e muito qualificadas. Só a empresa de que estávamos a falar criou nos últimos anos perto de 200 postos de trabalho para técnicos altamente qualificados, porque tem um centro de investigação. Ponte de Lima é muito central em relação ao Minho e isso cria aqui algumas facilidade nos movimentos pendulares das pessoas. Tenho colegas que trabalham fora de Ponte de Lima, ela em Valença, ele em Braga, e fixam-se em Ponte de Lima (e não são de cá).
Se ganhar, que pelouros gostaria de ter para si?
O presidente de câmara não tem de necessariamente ter pelouros. A distribuição de pelouros será feita de acordo com aquele que for o nosso resultado, mas há mas coisas de que eu gosto muito, e até são da minha área de profissão, que são o pelouro das obras e o da cultura. Mas não acho que o presidente da câmara tenha tempo para poder ter um pelouro a tempo inteiro nas suas mãos.
Quantos funcionários tem a câmara de Ponte de Lima?
Entre funcionários da câmara e trabalhadores das escolas, e das escolas que vêm da delegação de competências do Ministério da Educação, temos perto de 600 funcionários.
Tem funcionado bem, essa passagem de competências do poder central para o município?
Nós negámos nos últimos anos, enquanto tivemos possibilidade e o fazer, muitas das transferências de competências, porque aquilo que achamos pelos cálculos que fizemos é que nenhuma das competências que nos estão a tentar passar têm verba suficiente associada para se poder gerir bem. As que já foram transmitidas, nomeadamente as das educação, do 1.º, 2.º e 3.º ciclos, em Ponte de Lima funcionaram bem porque a câmara tem dinheiro, porque se não tivesse dinheiro a tendência era que funcionasse pior. Temos um delegação de competências que nos é transmitida com uma verba associada para a gestão de competência de um milhão de euros e eu vou gastar 1,5 milhões. Numa câmara que não tenha dinheiro os 500 mil euros não vão aparecer e os serviços vão piorar.
Essa verba não é compensada por uma determinada eficiência de gestão?
Não, de maneira nenhuma. Para nós é muito mais difícil conseguir gerir. Vou dar-lhe o exemplo da gestão dos funcionários: temos cerca de 300 funcionários nas escolas, temos uma dificuldade enorme em fazer contratação - como provavelmente tem o Estado, mas o Estado tem funcionários a mais, nós temos funcionários a menos. Temos de gerir os problemas das baixas, das férias, e fazemos isto, grande parte das vezes, sem fazer mais contratação. Há uma gestão muito rigorosa dos funcionários. O Estado faz sempre as contas por baixo quando faz a transferência de competências. O que interessa ao governo é fazer um bom negócio para o Estado, independentemente de poder ser um mau negócio para as autarquias ou para as populações. O que querem é livrar-se de uma despesa fixa.
O que interessa ao governo é fazer um bom negócio para o Estado, independentemente de poder ser um mau negócio para as autarquias ou para as populações.
Há diferença no relacionamento da câmara de Ponte de Lima com o poder central, se no governo está um executivo PS ou se está um executivo PSD?
Não. Agora acho que vamos ter uma fase muito longa do Partido Socialista no governo e na governança dos municípios. Mas não sentimos essa diferença. Eles fazem essas traquinices - que não diria que são naturais - até às autarquias da mesma cor partidárias. Mas o que sentimos, muito possivelmente por sermos uma gestão autárquica diferente, é que temos um grande respeito por parte de quase todos os governos. Vou dar-lhe um exemplo no que diz respeito à Proteção Civil, que era uma das minhas áreas, existem umas Equipas de Intervenção Permanente [EIP], equipas que funcionam dentro dos corpos de bombeiros, no nosso caso é uma Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários, cujo funcionamento é comparticipado em 50% pelo governo e 50% pela câmara. Não fomos o primeiro corpo de bombeiros a ter a primeira EIP do país, mas fizemos uma enorme pressão e fomos os primeiros a ter a segunda EIP do país e a terceira EIP do país. Se é uma grande vantagem para as corporações de bombeiros e para as populações, porque é uma forma de garantirmos bombeiros a tempo inteiro no quartel, temos de andar atrás disso. Mas é uma enorme vantagem para nós ou para outra câmara qualquer.
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