Em dia de dérbi, Benfica-Sporting, o SAPO24 decidiu ir ver como é e como funciona a famosa “caixa de segurança” que transportou os adeptos leoninos de Alvalade até ao Estádio da Luz. E de regresso à casa de partida.
Ponto de encontro: Sede da Juventude Leonina, a principal claque de apoio do Sporting Clube de Portugal. Hora: 14h30. A “casinha”, assim se chama este espaço por baixo das escadas de acesso ao Estádio de Alvalade, é o local de culto e encontro antes dos jogos desta fiel legião de adeptos. Em casa ou onde for.
Entrar lá dentro, à primeira vista parece que estamos a entrar numa rave. Num segundo frame, olhando para o constante entra e sai, alguns dos presentes parecem estar a sair de uma. O barulho é ensurdecedor. A música tecno ouve-se muito antes de lá pormos o pé. Algumas cabeças abanam, os corpos mexem-se e saltam. Não é uma coreografia de natação sincronizada. Nada que se pareça.
As paredes estão pintadas em tons de verde. Bebe-se e fuma-se. O ar é um tanto ou quanto irrespirável. Respira-se, isso sim, amor ao clube que apoiam. Mustafá, líder da Juve Leo, está ao balcão.
Lá fora entoam-se cânticos. São lançados alguns petardos. Aos poucos, os adeptos vão alinhando junto à torre Stromp do Estádio de Alvalade. Aproxima-se a hora.
Há fumo verde. A “casinha” da JL, assim como as sedes da Torcida Verde e do Directivo Ultras XXI, as outras duas claques, fecham as portas. De lá saem diversas bandeiras, algumas serão transportadas em carrinhos de supermercado.
Mustafá, trajado com um casaco preto, comprido e justo, e Samico, com camisola amarela, são os últimos a arrancar. Lá mais à frente já está o corpo de segurança e os spotters. E as “tropas” que vão comandar.
São dezenas e dezenas de metros de adeptos juntos, compactos, lado a lado, ombro a ombro. “Musta”, assim como é conhecido, com a “autorização” policial passa por um corredor lateral galgando até à cabeça do pelotão. Ele e Samico, que tem um megafone. Há aqui alguma inspiração nos filmes sobre Esparta. Ou Roma.
“É a fé. Isto é o amor. Isto é tudo, isto é o Sporting”, diz Mustafá, explicando que tem atrás de si, 1800 seguidores da Juve Leo, “algo inédito em deslocações” que se somam outros afetos às outras claques e não só, perfazendo mais de três mil adeptos. Há jovens e menos jovens. Há betos e menos betos. Há de tudo. Saem às 15h00 com a promessa de que uma hora depois estariam no campo do rival. É dado o tiro de partida.
Tudo é controlado pela polícia encarregue de guiá-los até ao Estádio da Luz. Sérgio Soares, simpático e afável, lá ia respondendo às solicitações dos jornalistas. Diz que o dispositivo engloba várias valências da Polícia de Segurança Pública (PSP) e é o adequado para conduzir em segurança os 3400 adeptos. Há spotters, que tem mais proximidade com quem vai no cordão de segurança e há o corpo de intervenção especial que impõe respeito só de olhar.
Há uma espécie de corredor frontal de segurança. Na frente os carrinhos com as bandeiras. Um par delas de dimensão considerável, dispostas horizontalmente, servem como escudo protetor. Nas laterais, spotters e corpo de intervenção. Uns metros mais atrás, novo cordão das forças de segurança que estão cara-a-cara com quem segue na primeira fila.
Ao longo de todo o trajeto definido a polícia impede que haja “infiltrações” no cordão. Quem se quer juntar tem que respeitar a fila. São convidados a entrar mais atrás. Na Rua Gentil Martins, em Telheiras, em algumas varandas há cachecóis verdes e brancos. Há gritos de e para o 3º andar. Sai gente dos cafés. Há aplausos e incentivos. Telemóveis testemunham a passagem da legião verde e branca. Com o trânsito cortado, um condutor da Carris sai do autocarro, esboça um sorriso e filma tudo.
Os cães ladram e a caravana passa
É chegada a altura de entrarem em cenas outras personagens. Há polícias com cães. Pastores alemães e rottweilers. Fiéis amigos destas andanças.
À passagem de um viaduto (Eixo Norte-Sul) rebentam mais petardos. “Pyro is not crime” apregoam alguns adeptos mais radicais. Não entramos na discussão em causa. Verificamos só que há quem tenha opinião diferente e podem deixar algumas mazelas. Como se verá mais à frente.
Os cães ladram. Basta olhar e não se escuta o tradicional comentário de “ele não morde”. Os jornalistas desviam-se e a pedido da polícia, passamos para a linha da frente. Entre o risco de estar demasiado perto do material pirotécnico ou levar uma dentada sem querer, reinou a obediência às forças da lei. Com a pressa, uma jornalista tropeçou num passeio e caiu. A simpatia e a mão de um agente colocou-a no sítio certo da caravana.
Entrada na Estrada da Luz. Já se sente o ambiente de estádio. Os cânticos sobem de tom. Aproxima-se a segunda circular, avenida General Norton de Matos. “Musta” e Samico aceleram o passo. Os outros seguem cegamente.
De repente, com a estrada que liga os dois estádios e clubes rivais cortada, um estranho silêncio apoderou-se desta enorme massa humana. Nesta altura lembro-me do filme “Alexandre, o Grande”. O que trará estes breves instantes de silêncio, questiono? A resposta é fácil. Não há prédios naquela zona. Ora não há público, não há espetáculo. Ou se quiserem, não há banana, não há macaco.
O Estádio da Luz está à vista. O asfalto da 2ª circular é feito em passo mais acelerado. Acelerados começam a estar também os adeptos. Afinal era para isto que reservaram a tarde de domingo. Ir à Luz ver e apoiar o clube do coração.
Mergulham nos túneis de acesso. Mais fumos lançados. Um ou outro petardo. Troca de piropos com adeptos do Benfica que recebem os leões com o cântico pedindo ao “leão para saudar o campeão”.
Na Avenida Machado Santos é feito um compasso de espera. 45 minutos depois de saírem de Alvalade estão no Estádio da Luz. As câmaras dos jornalistas estão proibidas de passar para o corredor de revista.
Tudo estava a correr bem até aquele instante. A tensão, o consumo pouco moderado de álcool, o calor e os petardos obrigaram os bombeiros a assistir alguns adeptos. Segundo rezam as crónicas uma dezena de feridos. E um detido por posse de artefactos pirotécnicos.
90 minutos a cantar
25 minutos antes do jogo começar, a reunião final de todos adeptos é feita no piso 3, da porta 23. O ambiente no estádio está bem recomendável. É pura devoção aos clubes. De quem joga em casa e dos visitantes.
À entrada das equipas, com as cartolinas vermelhas e brancas, lê-se a inscrição “Inferno da Luz”. Os adeptos leoninos, de voz bem afiada cantam “Jogamos sempre em casa”. Percebe-se porquê. Durante 90 minutos o jogo é visto em pé. É assim que veem os dois golos do Benfica, a bola ao poste de Bas Dost e o golo do avançado holandês. Dali quase ninguém vê ou se apercebe dos lances polémicos (que alimentam o exterior). Há quem receba um WhatsApp com as repetições.
Fim de jogo. Vitória encarnada, um estádio inteiro a aplaudir. A música “Bailando” e “Ser benfiquista” dá o toque de saída. Já sentados, durante mais ou menos 40 minutos, os adeptos leoninos vão falando das incidências do jogo, trocando telefonemas e mensagens com quem viu noutros palcos.
Filme rebobinado. A mesma polícia levará "Musta" e “amigos” em segurança até “casa”. Mas ao contrário da viagem de ida, a de volta é permitida a saída de alguns adeptos pelas laterais. Missão cumprida. Foi mais um dérbi para muitos. Polícias e adeptos. O primeiro visto assim pelo SAPO24.
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