A China, considerada um motor de crescimento para o setor de bens de luxo, está a enfrentar uma desaceleração económica que está a ter um forte impacto em marcas de luxo como a Burberry e Hugo Boss. Escreve o Financial Times que o crescimento do mercado de luxo chinês sofreu uma reviravolta em 2022, quando o governo impôs confinamentos em cidades como Xangai e Pequim, por causa da pandemia de COVID-19. Mesmo depois do alívio das restrições no final do ano, a recuperação do mercado foi afetada pelo abrandamento do crescimento económico, uma crise imobiliária, o aumento do desemprego jovem e a baixa confiança dos consumidores.
Mais: no segundo trimestre deste ano, o Produto Interno Bruto (PIB) da China cresceu “apenas” 4,7% em comparação com o mesmo período do ano anterior, de acordo com dados oficiais divulgados esta semana, aquém das previsões dos analistas. O número até é bom, tendo em conta o panorama mundial, é só pior quando se compara, por exemplo, ao crescimento do país em 2021, ano em que alcançou uma proeza de 8,1%.
Em comunicado, o Gabinete de Estatísticas da China justifica que desde o início deste ano, a dinâmica de crescimento económico global tem sido fraca, a inflação é persistente, os conflitos geopolíticos, as fricções no comércio internacional e outros problemas têm ocorrido com frequência, a procura interna é insuficiente, as empresas estão sob grande pressão operacional e existem muitos riscos e perigos ocultos em áreas-chave”.
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É boa altura para lembrar que o país tem mais de 1.400 milhões de habitantes e as dificuldades para promover o funcionamento estável da economia estão a refletir-se no comportamento dos consumidores, especialmente na classe média-alta, que está a enfrentar uma diminuição do património imobiliário, menor produtividade e redução dos gastos. E se há uma diminuição das compras é normal que as marcas, em concreto aquelas que não representam necessariamente um bem essencial, mas de luxo, sintam impactos nos seus resultados, que não têm sido animadores.
Os consumidores querem menos luxo?
A Burberry, marca britânica de luxo, anunciou na segunda-feira que, nas 13 semanas anteriores a 29 de junho (ou seja, no segundo trimestre deste ano), as vendas registaram uma quebra de 21%. Os resultados desfavoráveis já levaram a empresa a suspender o pagamento de dividendos e a substituir o seu CEO, Jonathan Akeroyd, por Joshua Schulman, antigo CEO de marcas como Michael Kors e Coach. As más notícias também se fizeram sentir na bolsa, com as ações da Burberry a caírem mais de 16% na segunda-feira.
“A fraqueza que destacámos à entrada do ano fiscal de 2025 agravou-se e, se a tendência atual persistir durante o nosso segundo trimestre, prevemos um prejuízo operacional para o primeiro semestre”, afirma a empresa, citada pela CNBC, que fala ainda num desempenho “dececionante” durante o primeiro trimestre deste ano.
“Face à situação comercial atual, decidimos suspender o pagamento de dividendos relativos ao ano fiscal de 2025. Esperamos que as medidas que estamos a tomar, incluindo a redução de custos, comecem a produzir uma melhoria na segunda metade do ano e a fortalecer a nossa posição competitiva e a sustentar o crescimento a longo prazo”, acrescenta a Burberry.
Tal como a Burberry, a Hugo Boss procura revitalizar a empresa ao mesmo tempo que lida com uma quebra nos gastos em artigos de luxo e condições de mercado desafiantes em solo chinês. A marca reduziu as suas previsões de vendas anuais para um total de 4.350 milhões de euros, de acordo com a CNBC. A previsão anterior apontava para os 4.450 milhões de euros.
A empresa justifica a revisão das perspectivas com os “persistentes desafios macroeconómicos e geopolíticos” e cita a China e o Reino Unido como mercados particularmente difíceis. “Estamos a operar num período de grande incerteza macroeconómica, o que está a afetar o nosso desempenho no segundo trimestre”, afirma o CEO Daniel Grieder em comunicado.
Os resultados preliminares do segundo trimestre do grupo Hugo Boss apontam para uma descida de 1% nas vendas, atingindo os 1.015 milhões de euros. Quanto aos lucros, caíram 42% face ao mesmo período do ano passado, ficando nos 70 milhões de euros. Este clima de incerteza geopolítica e de fraca procura na China levou a uma descida de 10% das ações da Hugo Boss.
Também o Swatch Group, o maior fabricante de relógios do mundo, registou uma queda acentuada nas vendas durante a primeira metade do ano, atribuindo grande parte deste declínio à diminuição da procura na China.
A situação é particularmente desafiante para as marcas de luxo de nível médio, que estão a lutar para encontrar o seu lugar no mercado. O Financial Times escreve que agora há uma polarização entre vencedores e perdedores no mercado de luxo chinês. As marcas que não são suficientemente baratas nem suficientemente grandes para sobreviver estão a enfrentar dificuldades significativas.
Apenas a gama alta do sector do luxo, que inclui marcas como Louis Vuitton e Hermès, parece resistir ao impacto da inflação e do abrandamento económico nas várias regiões do mundo, pois tem como alvo consumidores com maior poder de compra.
A resposta? Descontos com fartura
Em resposta a esta conjuntura desafiadora, muitas marcas estão a recorrer a estratégias agressivas de descontos para estimular as vendas. Marcas como Versace e Burberry estão a oferecer descontos de até 50% nos seus produtos na China, um aumento significativo em relação aos descontos de 30% a 40% oferecidos em 2023. Estas reduções de preços estão a ser implementadas através de vários canais de distribuição, incluindo plataformas de comércio eletrónico locais, de forma a atrair tráfego e tirar os produtos da prateleira numa economia em desaceleração.
A Marc Jacobs, por exemplo, estava a oferecer no início de julho descontos de mais de 50% em malas, roupas e sapatos na Tmall Luxury Pavilion, uma plataforma de comércio eletrónico premium. Enquanto isso, a loja Bottega Veneta estava a oferecer um empréstimo sem juros de 24 meses para a compra de malas na mesma plataforma.
No entanto, nem todas as marcas de luxo estão a seguir esta estratégia de descontos. As marcas de topo, como Louis Vuitton, Hermès e Chanel têm conseguido manter um controlo mais forte sobre a sua distribuição e evitado descontos significativos.
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