Os Censos de 2021 não vão incluir qualquer pergunta sobre a etnia ou a raça dos portugueses. Ainda bem. Seria bastante confrangedor confrontar o país com qualquer tipo de dados que indicassem que as condições de vida e a cor da pele possam estar interligadas.

Talvez conseguisse, sei lá, originar uma reflexão profunda, o que é extremamente perigoso. Das reflexões profundas podem aparecer conclusões sustentadas – e todos sabemos que é preferível que se mantenha uma névoa sobre o problema do racismo em Portugal.

Sugiro que nem sequer haja Censos em Portugal. A Portugal basta perfeitamente o bitaite por alto. Sabemos que somos uns 10 milhões, mais coisa, menos coisa. Metade devem ser gajos chamados Zé, a outra metade gajas chamadas Maria. Há velhos, há putos. As casas são frias. Já está. Para quê complicar?

Pergunta o leitor: porque é que não há uma questão sobre a raça ou etnia? É possível que o INE julgue que perguntar isso é mal-educado. Perguntar a raça, assim sem mais nem menos. Se assim é, talvez seja pouco avisado perguntar a data de nascimento a metade da população, pois não se pergunta uma idade a uma mulher.

Ou será que o INE tem medo de que as pessoas mintam na sua etnia? É possível que haja uns rappers da linha de Sintra que, depois de cooptarem o crioulo, queiram efetivamente demarcar-se da raça branca.

Percebe-se que não se pergunte pela raça nos Censos, até porque o recenseamento faz-se sobretudo de perguntas altamente pertinentes. Recordemos que o Censo de 2011 colocava questões fundamentais, como “que meio de transporte usa para se deslocar ao trabalho?”; “tem dificuldade em andar ou subir degraus?” – em que se permitia a resposta “tem pouca”; “na semana de 14 a 20 de março trabalhou?”; “o edifício (onde habita) tem elevador”; “o alojamento (onde reside) tem retrete?”; “qual a configuração do R/C (do seu prédio) – com três hipóteses arquitetónicas demasiado específicas para reproduzir aqui. Não me parece que haja espaço para aferir a composição étnica do país no meio de incontornáveis interrogações como estas.

Espero que em 2021 evoluam e que perguntem se o cidadão prefere boxers ou cuecas; café cheio ou curto; dourada ou robalo; tampões ou pensos; Sagres ou Super Bock; cozido ou feijoada. Quanto à raça, talvez em 2031. Para já, é preferível fingir que não se vê. É preferível passar a ideia de “não há nada para ver aqui, o racismo não existe, somos todos uma nação muito unida, todos diferentes, todos iguais, viva a amizade”. É a chamada falsa s(c)ensibilidade.

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