Tempos estranhos, os que vivemos, para ser preciso lançar-se mão a um “jogo de sorte” como forma de encontrar financiamento, dinheiro, para o Estado avançar com a recuperação dos Monumentos Nacionais e Imóveis ou Conjuntos de Interesse Público, ou Em Vias disso, à sua guarda e que estão a cair aos bocados há décadas e décadas, alguns deles de forma irreversível, acrescente-se.
Com efeito, o Ministério da Cultura fez saber que será no próximo mês de Maio, mais propriamente no dia 18, Dia Internacional dos Museus e do Conselho de Ministros europeus da Cultura, que, finalmente, irá lançar a “Lotaria do Património”, uma iniciativa gizada a meias com a Santa Casa da Misericórdia, mas plagiada de terras gaulesas, e cuja entrada em vigor chegara a ser prevista para 2020 mas que só foi possível ser incluída no OE para 2021.
Aparentemente trata-se de uma “lotaria instantânea”, tal qual a “raspadinha” tradicional, custará apenas 1 euro por boletim e, jura-se a pés juntos, a totalidade da receita será afecta ao Fundo de Salvaguarda do Património Cultural, que depois a redistribuirá por um conjunto de intervenções de salvaguarda e valorização patrimonial de carácter urgente, cuja lista, supomos todos, será clara e amplamente escrutinada.
Estima-se que o mealheiro do Estado arrecade 5 milhões de euros ao ano e deseja-se que a estimativa seja rapidamente revista em alta, porque 5 M€/ano são uma gota de água face ao oceano de antigos conventos, quartéis, igrejas, palácios, faróis, etc., etc., famintos por obras e, tão importante quanto isso, por programa funcionais compatíveis com a sua História.
Porque é disso que se trata, de um imenso património à guarda do Estado, herdado muitas vezes sem saber como, que nunca teve como nem quis manter, atente-se na percentagem risível que o Orçamento do Estado dedica anualmente à Cultura e, dentro desta, ao Património, ano após ano, ciclo eleitoral após ciclo eleitoral, para que tomemos consciência da realidade incontornável: há uma imensa indiferença do Estado, e não só, pelo Património que outros nos deixaram.
Contudo, esta nova “raspadinha” é uma medida bem-vinda uma vez que o mecenato tradicional tem sido pouco expressivo em Portugal, servindo apenas para acções pontuais de recuperação de património, ainda que por vezes notáveis, mas deixando de fora 90% do património que precisa de obras e de mecenas. Verdade seja dita, ainda, que o Estado também nunca se preocupou especialmente em dar um novo fôlego à Lei do Mecenato, em torná-la mais atractiva para quem quer, e pode, ser Medici no tempo presente, mas isso é outro assunto, ainda que ao mesmo tempo se tenha anunciado um novo “mecenato cultural extraordinário”, com benefícios fiscais acrescidos, ao qual se deseja a mais ampla divulgação e o melhor dos sucessos.
No que toca à nova “raspadinha”, espera-se que a redistribuição dos seus milhões não seja uma “remake” das prodigiosas contrapartidas resultantes da criação do casino de Lisboa, em 2003, que só por uma vez foram elencadas, preto no branco, na dita contrapartida inicial (recorde-se: 33,5% para um teatro no Parque Mayer – supõe-se que na construção, perdão, reabilitação do Capitólio -, 16,5% para outro equipamento cultural no Parque Mayer – supõe-se que no novel Variedades, 16,5% para a recuperação do Pavilhão Carlos Lopes – leia-se recuperação do invólucro, 33,5% para um museu nacional a criar pelo Governo no município de Lisboa – leia-se o novo “hangar” dos coches). A partir da primeira contrapartida, as demais têm vindo a diluir-se nas mais variadas obras camarárias, incluindo, diz-se, as primeiras ciclovias, sem qualquer pré-aviso nem escrutínio.
Que o escrutínio público e a transparência sejam outros desta vez!
Não só porque estamos perante um vício, onde, por norma, são os mais frágeis e vulneráveis que o consomem em maior grau, e pretende-se que assim não seja, envolvendo nesta “raspadinha” todos os que se interessam pelo Património nacional e querem ajudar a que o “status quo” se altere, mas porque está em causa o Interesse Público.
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