O pior dia da pandemia e de um Orçamento que nos amarga com fantasmas do passado

Tomás Albino Gomes
Tomás Albino Gomes

3.960 novos casos confirmados de infeção pelo novo coronavírus. Os números de hoje configuram um novo máximo diário de casos comunicados pela Direção-Geral da Saúde nas últimas 24 horas.

A marca é volátil, mas é o facto de sabermos e de o próprio Ministério da Saúde o admitir — ainda esta quarta-feira, em conferência de imprensa, o secretário de Estado Adjunto e da Saúde não só assumiu que "estamos numa fase crítica da pandemia" como revelou também que, de acordo com o estudos que têm vindo a ser publicados, "poderá haver uma aumento significativo de casos diários nos próximos tempos" —, que fazem de dias como estes mais um dia mau, sobretudo por afastarem, quem olha para os números do boletim epidemiológico, da esperança do regresso a um mundo e a uma vida mais familiar e próxima da forma de vivenciarmos a vida.

Para além do elevado número de casos confirmados, o boletim registou ainda a morte de 24 pessoas, em comparação com terça-feira, devido à Covid-19, sendo que a zona norte continua a ser a que apresenta o número de novas infeções e óbitos mais elevado.

Uma boa notícia que cairá, muito provavelmente, em breve é a de que o número de internados em cuidados intensivos, ao contrário do projetado pela ministra da Saúde, não ultrapassou o máximo de 271 casos relativos ao dia 10 de abril. No entanto, o boletim aponta para 262 pessoas internadas em UCI o que, mais uma vez, dá a sensação de que os ‘recordes’, como a comunicação social tem apelidado os máximos diários atingidos, passarão a ser banais nos próximos dias e semanas.

Por falar em números que projetam um futuro pouco animador e com tanta ou mais consequência para as nossas vidas, a solução governativa de esquerda, instalada no país desde 2015 e liderada pelo Partido Socialista, tremeu hoje pela primeira vez com um Orçamento de Estado que não contou com outro voto a favor que não o dos socialistas e que passa na generalidade apoiado nas abstenções das duas deputadas independentes, Joacine Katar Moreira (ex-Livre) e Cristina Rodrigues (ex-PAN), como do Partido Os Verdes, do Partido Comunista Português e do Partido Pessoas Animais e Natureza.

Dos partidos que votaram contra o OE2021, entre Iniciativa Liberal, Partido Social Democrata, Chega e Bloco de Esquerda é o voto contra dos bloquistas que salta à vista como fonte de análise política amarga para o executivo liderado por António Costa, não tivesse o Bloco sido peça fundamental para desde 2015 fazer aprovar todos os os Orçamentos de Estado até 2020, incluindo o Orçamento Suplementar, apresentado este ano perante os esforços a que a situação pandémica obrigou.

Apesar de Catarina Martins deixar abertura para um outro sentido de voto na especialidade, assim como os partidos que se abstiveram hoje, à direita um pré-diagnóstico à possível margem de evolução do documento, não faz antever qualquer alteração de um “não” para um “sim” à proposta orçamental do Governo para quando a mesma for debatida na especialidade.

Sendo o BE, ideologicamente, o parceiro natural para apoiar as grandes propostas de um governo minoritário do PS, o debate que ocorreu entre terça-feira e hoje faz antever um futuro tremido na ligação entre os dois partidos sobretudo em relação à Saúde, tema central dos tempos que correm.

Ainda hoje, o debate cerrado entre a ministra da Saúde e Moisés Ferreira foi exemplar das distâncias entre os dois partidos, com o deputado bloquista a acusar o governo de “desistir do SNS” e de anunciar contratações de "profissionais que já estão a trabalhar no SNS", defendendo que o sistema público de saúde "precisa urgentemente de mais e novos profissionais".

As próximas decisões para futuro — foi convocado um Conselho de Ministros extraordinário para este sábado e no qual serão definidas ações imediatas a adotar para combater a pandemia de Covid-19, serão determinantes não só para como vivemos e podemos viver os nosso dias e para como seremos governados e ainda para afastar os medos que pairam das restrições de março e abril e do medo de uma crise que ameaça vir a ser acompanhada, também, por um período de instabilidade governativa. Perante isto e numa hora trazida pela noite que na semana passada era dia, cai-me a melancolia e apetece-me citar a última frase de “O Grande Gatsby”, que não sendo sobre pandemias e desgovernos, é sobre a vida e isso é o que quisermos: “assim vamos persistindo, barcos contra a corrente, incessantemente levados de volta ao passado”.

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