Em outubro de 2017, um destes objetos foi identificado nas observações dos telescópios Pan-STARRS, situados no Havai, com uma característica diferente de todos os observados até esse momento. O objeto era o primeiro visitante conhecido vindo do espaço interestelar. Por causa disso foi batizado de 'Oumuamua (pronunciar as sílabas mua como em Lua) do havaiano que significa batedor, ou primeiro mensageiro que nos chega de longe. Todos os objetos do sistema solar têm a mesma origem e estão desde sempre na mesma região do espaço, de modo que um visitante do espaço interestelar é potencialmente diferente de tudo o que conhecemos.

Um objeto que se aproxime com uma certa velocidade do sistema solar vai acelerar até ao ponto mais próximo, atingindo velocidades muito superiores às dos planetas, e depois desacelerar até voltar a ter a velocidade original, embora numa direção diferente, afastando-se para não mais voltar. Estes objetos deixam rapidamente de ser detectados quando se afastam do Sol, pois são relativamente pequenos, e a sua observação depende da luz refletida. Por isso o período de observação é curto e os dados obtidos escassos.

Os dados mais importantes são o brilho e variação, pois dependem da extensão e características das superfícies viradas para o Sol em cada instante e que permitem inferir o tamanho, forma geral e rotação do objeto. Estimativas sugerem que o objeto terá um tamanho de cerca de 400 metros (entre 100m e 1km) e que será muito oblongo, com a característica única da razão entre o comprimento e a largura ser cerca de 10, muito superior à de todos os objetos conhecidos. Os dados também sugerem que, em vez de rodar em torno de um eixo estável como num pião, o movimento de rotação será irregular.

O 'Oumuamua entrou e vai sair do sistema solar a cerca de 26 km/s, sendo que em abril de 2019 já se encontrava mais longe que Saturno. Para comparação, a sonda terrestre mais rápida que escapou do sistema solar é a Voyager 1, que saiu a quase 17 km/s. O 'Oumuamua demoraria cerca de 48 mil anos a atingir a estrela mais próxima do Sol, se fosse na sua direção. Pensa-se que o 'Oumuamua possa ter centenas de milhões de anos, tendo possivelmente sido ejetado de um sistema estelar por um encontro próximo com um objeto maior.

Um dado crucial nesta história é que se descobriu que o 'Oumuamua estava a acelerar mais do que o previsto, ou seja, exibia uma aceleração "anómala" relativamente à aceleração esperada de uma órbita hiperbólica típica influenciada pelas forças conhecidas: na sua trajetória, a afastar-se do Sol, a aceleração era ligeiramente superior ao esperado, estando este excesso a diminuir relativamente ao esperado.

A hipótese ET

O estranho comportamento e características do 'Oumuamua levaram Avi Loeb, um proeminente astrofísico com centenas de artigos científicos publicados e presidente do departamento de astronomia da Universidade de Harvard, a investigar a hipótese de o objeto ser uma sonda espacial de origem extraterrestre.

A aceleração anómala num asteroide pode ser provocada pela libertação de gases aquecidos durante a aproximação ao Sol. Jatos de matéria libertada também podem explicar a rotação irregular sugerida pelos dados. No entanto, a libertação de gases arrasta normalmente partículas da superfície que costumam ser detectadas, o que não aconteceu neste caso. Esta ausência, entre outros dados, levou Loeb à formulação da hipótese de o objeto ser de origem artificial alienígena.

Aproveitando um projeto de deteção de sinais alienígenas em que estava envolvido, Loeb tentou detetar emissões radio do objeto, sem resultado, e foi avançando com explicações plausíveis em suporte da hipótese ET. Para justificar a aceleração anómala sem emissão de gases e outras características conhecidas, como a não deteção de emissões térmicas características de asteroides, Loeb e os seus colaboradores consideraram a possibilidade de o objeto ser muito fino, como uma vela solar, que utilizaria a radiação solar para acelerar. A sonda estaria desativada, o que explicaria o seu silêncio rádio e o movimento de rotação desordenado.

A hipótese ET é incrível, mas avaliações independentes consideraram que ela seria, pelo menos na altura em que foi proposta, a que melhor explicava todos os dados existentes. Por exemplo, a aceleração anómala observada seria compatível com um decaimento inversamente proporcional ao quadrado da distância ao Sol, como seria de esperar numa vela solar. Mas será a única possibilidade? Os autores tiveram o cuidado de referir esta hipótese apenas como mais uma que não deveria ser ignorada, o que é compatível com o processo científico. Sendo, pelo menos no limite, compatível com os dados existentes (embora haja quem tenha posto em causa essa compatibilidade), a hipótese não deve ser excluída. A questão seguinte é saber o quão provável a hipótese ET é, e se a atenção que lhe foi dada é justificada.

Animação do 'Oumuamua a passar pelo Sistema Solar - European Southern Observatory

Mas quão provável é o ‘Oumuamua ser uma sonda espacial alienígena?

Loeb está envolvido em atividades que o podem ter motivado a desenvolver a hipótese ET: o já referido projeto de deteção de ondas rádio de origem alienígena e também o projeto Starshot, que propõe enviar uma pequena sonda para uma viagem interestelar, impelindo-a usando uma vela e lasers. Uma vela solar normal é empurrada pela luz do Sol, mas a força é demasiado pequena para ganhar velocidade significativa pois a radiação decai rapidamente com a distância à estrela. Utilizando lasers concentrados na sonda, e limitando a massa, equaciona-se que se possa acelerar uma pequena sonda até 20% da velocidade da luz (60000 km/s), abrindo a possibilidade de visitar outros sistemas estelares em tempo relativamente curto: dezenas de anos em vez de dezenas de milhar ou centenas de milhar de anos.

O envolvimento nestes projetos, e possivelmente as suas motivações pessoais (ele parece bastante entusiasmado com a hipótese), sugerem que a mente de Loeb está muito focada em questões que o podem ter levado a exagerar a importância da hipótese ET, valorizando-a em detrimento de outras hipóteses mais prováveis. Afinal, os dados são escassos e o objeto é diferente de todos os outros conhecidos. Como o Mulder, da série de TV "Ficheiros Secretos", talvez ele "queira acreditar".

Loeb, como cientista excelente que é, parece ter sido apenas o mais rápido a propor uma explicação que, sendo extraordinária e não havendo alternativa na altura em que surgiu, tomou proporções desmedidas. Na opinião dele, a explicação de uma vela solar-sonda alienígena desativada era a única explicação possível que tinha conseguido encontrar para explicar todos os dados, afirmando seguir a máxima de Sherlock Holmes de, parafraseando, “Quando se elimina todas as soluções lógicas de um problema, o ilógico, ainda que impossível, é invariavelmente o certo”.

O problema é que invariavelmente se têm descoberto mais coisas no céu do que sonham as filosofias de Horácio, Holmes ou Loeb, mesmo que não homenzinhos verdes: Sherlock Holmes é um personagem de ficção. Na vida real é bem mais difícil eliminar todas as hipóteses lógicas.

É difícil imaginar o que nunca vimos e pensar em tudo o que pode ter acontecido a tal objeto. A história do mundo está cheia de descobertas mais surpreendentes que a nossa imaginação, com expressões que entraram no léxico comum, como a dos cisnes negros, de origem romana e que se tornou sinónimo de impossibilidade no Ocidente, até terem sido descobertos na Austrália. A expressão foi depois novamente popularizada por Nassim Taleb pelo seu livro com o mesmo nome, mas com um sentido ligeiramente diferente. Em ambos os sentidos a expressão é adequada para descrever o 'Oumuamua. Ele é único e não é estranho que tenha propriedades únicas.

A ciência está cheia de fenómenos aparentemente estranhos que depois são facilmente explicados. E para considerar seriamente a hipótese ET temos que debater também muitos pressupostos e tentar responder a muitas perguntas: teremos que pressupor que uma civilização avançada está disposta a enviar sondas que viajarão durante milhares de anos e que haverá tecnologia que permite tais sondas sobreviverem todo esse tempo. Não há evidência para isso. Por outro lado, para sonda artificial de uma civilização avançada o 'Oumuamua desloca-se demasiado devagar, mesmo que mais rápido que as nossas sondas da idade da pedra espacial. O próprio projeto Starshot prevê acelerar sondas bastante mais que isso. Seria racional que uma civilização capaz de enviar sondas interestelares as fizesse deslocar mais depressa. Este é um argumento contra a hipótese ET e qualquer tentativa de explicação de a sonda andar tão devagar será especulação pura.

Podemos construir um caso contra esta hipótese confrontando os seus pressupostos e contrastando-a com a possibilidade de fenómenos naturais explicarem os dados usando inferência Bayesiana: cada questão colocada que dependa de uma explicação pouco provável diminuirá a probabilidade da hipótese ser verdadeira. Esta abordagem pode talvez ser o que está por trás do célebre comentário de Carl Sagan, "alegações extraordinárias requerem evidência extraordinária". Evidência extraordinária não existe neste caso e a hipótese, não sendo impossível, é garantidamente muito pouco provável e muito menos provável do que pode parecer ao observador desprevenido.

Isto não significa que não tenha sido correto ter avançado a hipótese ET. Apenas que é uma entre muitas e muito pouco importante. A honestidade de Loeb ao formular a hipótese não está em questão, mas foi claramente otimista e talvez não tenha encontrado outra explicação possível porque se fixou demasiado nesta. Ele sempre teve uma postura epistemologicamente correta, reconhecendo que era apenas uma hipótese entre outras, mas é comum, e se calhar até positivo, um cientista enamorar-se das suas teorias. Desde que as submeta ao escrutínio de outros. Como dizia o genial Físico Richard Feynman, "O primeiro princípio é que não nos enganemos a nós próprios - e nós somos a pessoa mais fácil de enganar".

A ciência e os media

A importância da hipótese ET foi aumentada pelos media, que vivem de informações extraordinárias. É notícia o homem que mordeu o cão, não o contrário, e ser o primeiro asteroide conhecido oriundo de fora do sistema solar não parece ser suficiente interessante para os jornalistas. Mas uma visita de extraterrestres passa invariavelmente de mera hipótese académica para uma quase certeza, e a sua visibilidade aumenta a sua importância, distorcendo as devidas proporções científicas. É o enviesamento da visibilidade: porque se vê muito, parece mais provável. E é apenas esta versão exagerada que chega à maior parte das pessoas, fazendo parecer o que não é: “os ET quase de certeza existem e passaram por cá”, em vez de “há uma possibilidade remota de os ET existirem e de um artefacto seu ter passado por cá”.

Apesar de tudo, num tempo em que existem tantos problemas de comunicação relacionados com questões científicas, como as alterações climáticas e as vacinas, a notícia foi em geral corretamente tratada pela imprensa, à parte a inevitável visibilidade exagerada. Talvez porque o debate sobre a existência de extraterrestres, e até da sua possível visita, seja mais pacífico que outras questões e do que parecem acreditar alguns governos.

Os cientistas são humanos

Mas é inaceitável tal proposta ter sido avançada? Loeb não devia ter sido mais ponderado e esforçar-se mais por encontrar outras explicações alternativas? E é isto uma mancha na sua reputação? Não, não e não. Mas porquê?

O processo científico raramente acontece como é ensinado na escola, de observação, hipóteses, desenvolvimento de teorias que fazem previsões, seguido de experiências para confirmar ou contrariar as hipóteses e teorias desenvolvidas. Na realidade, a ordem descrita é frequentemente alterada, podendo-se trabalhar do fim, ou do meio, para o princípio. Por exemplo, propor-se uma teoria baseada em conhecimento anterior não obtido diretamente de observações. O trabalho científico pode também ser motivado por razões pouco científicas, crenças pessoais ou erros de perceção. Um caso famoso é a proposta da teoria heliocêntrica de Copérnico, apresentada como um artifício que tornava os cálculos astronómicos mais simples, para evitar aborrecimentos com os poderes instituídos. No entanto, as suas motivações de colocar o Sol no centro parecem ter sido motivadas por razões filosóficas, por uma crença na importância do Sol.

Os cientistas são pessoas, cometem erros e sofrem das mesmas pulsões que toda a gente. Mas o processo científico é robusto, inclui a possibilidade de correção e consegue resistir aos erros dos seus praticantes. A possibilidade de correção é a base da superioridade e do sucesso do processo científico.

Portanto Loeb pode ter dado excessiva importância à sua hipótese, e ela pode ter surgido pelas razões erradas e aumentada na sua importância pelos media. Mas não é errada, mesmo que improvável, e o processo científico está a encarregar-se de a reduzir à sua dimensão correta.


Animação do fenómeno de gaseificação e rotação do 'Oumuamua

Mas afinal, o que pode ser o 'Oumuamua?

Loeb lançou o repto de que, se alguém tinha outra ideia melhor para explicar os dados, devia escrever um artigo. E inevitavelmente foi o que aconteceu.

Foram avançadas várias possíveis explicações naturais para explicar as observações do 'Oumuamua: por exemplo, que uma superfície irregular pode refletir luz de modo não proporcional à superfície, induzindo em erro sobre a forma, e que num ambiente interestelar os asteroides podem estar despojados de poeiras à superfície, tornando invisíveis os gases a escapar. A sua constituição pode ser diferente dos objetos do sistema solar que conhecemos e isso abre a porta a todo o tipo de possibilidades naturais. Há muitas possibilidades lógicas no céu, os extraterrestres não são inevitáveis.

Alguma vez saberemos?

Temos poucos dados sobre o ‘Oumuamua. Ele foi observado brevemente, já vai longe e é, até agora, o único do seu género. Tal e qual como o sinal “Wow!”, detetado em 1977 num radiotelescópio que procurava sinais artificiais de origem extraterrestre. O cientista que analisava os dados impressos ficou tão impressionado com o sinal de 72 segundos que identificou, que escreveu “Wow!” ao lado dos resultados. No entanto, tal sinal nunca mais se repetiu e ficaremos, provavelmente para sempre, sem saber o que o originou.

No caso de objetos interestelares do tipo asteroide – ou sondas alienígenas – teremos que esperar que apareça outro. Há teorias que preveem a existência de inúmeros asteroides interestelares, mas a frequência de passagem no sistema solar depende crucialmente do número e são objetos difíceis de observar. Se for uma sonda extraterrestre, podemos não voltar a ver algo parecido tão cedo...

Então, depois de todo o debate e hipóteses alternativas, afinal o que é o 'Oumuamua? O modo de realmente saber seria visitá-lo, mas isso será bastante complicado no futuro previsível. Ele afasta-se bastante mais depressa que as sondas terrestres já lançadas e desenvolver uma missão demora muito tempo. Com a tecnologia corrente seria praticamente impossível alcançá-lo. Talvez a tal vela propulsionada por lasers possa um dia apanhá-lo, mas isso não vai acontecer tão cedo.

Outra possibilidade é estar atento e tentar encontrar outros objetos similares, agora que temos evidência que existem (mesmo que sejam sondas espaciais) e tentar obter mais dados. Se outros objetos similares surgirem e tiverem comportamento similar, a credibilidade de a explicação ser uma sonda alienígena desativada será certamente diminuída.

Talvez isso até já tenha acontecido. Loeb, sempre ele, especulou que objetos exteriores ao sistema solar podem ser tão frequentes que alguns inevitavelmente teriam caído na Terra (embora mais pequenos, os maiores serão sempre mais raros). Após pesquisarem nos catálogos de eventos existentes, parecem ter detetado um meteoro de 2014 com uma velocidade compatível com a de algo com origem exterior ao sistema solar, felizmente apenas com menos de um metro de tamanho. Entretanto, também esta hipótese já foi contestada… Processo científico a funcionar com normalidade.

O mais provável é o 'Oumuamua ser de facto um asteroide e isso é ainda extremamente excitante. As estimativas do número de tais objetos são baseadas em pouca evidência e variam enormemente. Todos os objetos deste género que conhecemos relativamente bem nasceram no sistema solar. A caracterização de um asteroide interestelar oferecerá informação completamente nova sobre as regiões para além do sistema solar e talvez até outros sistemas estelares. Que surpresas nos poderão trazer os primos do 'Oumuamua?