E se morrer pudesse ser diferente? Para fazer um caixão tradicional, geralmente onerosos, é preciso abater duas árvores. A Sigma Pack propõe uma solução ecologicamente responsável a uma fração do preço: caixões de cartão 100% biodegradáveis, feitos quase na totalidade através da reciclagem de papel.
Morreram, em 2016, mais de 110 mil pessoas em Portugal (Pordata). Se para todos esses óbitos tiver sido usado um caixão tradicional, são mais de 220 mil árvores abatidas só por este setor — fora as exportações, segundo as contas da empresa.
A start-up portuguesa Sigma Pack propõe, por isso, trazer a economia circular à produção de caixões: "como fazemos a recolha dos resíduos urbanos, nomeadamente o papel, o cartão, esses produtos são transformados e são utilizados. Há aqui duas mais-valias: recolhemos o lixo, transformamo-lo em produtos que podem ser utilizados e evitamos o abate das árvores. Isto faz com que exista uma grande melhoria da qualidade de vida para quem cá fica", diz Nuno Gonçalves, responsável pela empresa.
Nuno trabalha na área de embalagens há mais de duas décadas. Especializado na indústria pesada, como a embalagem de motores, mas também pescado, o gestor de negócio da Sigma Pack tinha noção das capacidades do cartão.
"Sempre me fez confusão", explica, "sabendo das resistências dos cartões, das qualidades, da forma como [o cartão] podia ser aplicado, por que razão não havia muitas pessoas a mexerem com este tipo de materiais [no setor funerário]?". A pesquisa começou há cerca de dez anos. Nuno procurava caixões ecológicos, mas descobriu que "o que havia era muito vago, coisas muito residuais".
Há quatro anos, despediu-se da multinacional onde era diretor comercial para voltar a agarrar a ideia. Encontrou, na Argentina, uma pessoa com um conceito muito semelhante ao que tinha idealizado. A troca de ideias entre os dois lados do Atlântico permitiu-lhe criar o projeto da Sigma Pack em 2015.
"É um setor muito difícil de trabalhar", admite; porém, revela que têm recebido "respostas extremamente agradáveis". "Mais dia, menos dia, os recursos naturais acabam mesmo e se não passarmos para produtos alternativos, as coisas não terão melhorias".
Apesar de o objetivo ser construir uma agência funerária, por agora, são "apenas fabricantes e distribuidores do produto, o que faz com que os canais de distribuição sejam os agentes funerários" já implantados no mercado. Todavia, a adesão desses agentes "não tem sido muito acentuada", revela Nuno Gonçalves.
E aponta algumas causas: "sendo este um produto de que é necessário falar, explicar o conceito e que para além disso tem um custo substancialmente mais baixo, isto é algo que nem sempre agrada aos agentes funerários".
Por isso, seguiram um caminho diferente. "Temos feito algumas vendas pontuais para alguns agentes funerários, mas entrámos nas cadeias de empresas que estão diretamente ligadas a situações de resgate de desastres naturais, situações de emergência, nomeadamente a Cruz Vermelha", com quem já têm parceria.
"É importante porque eles são os primeiros a chegar no caso de um acidente e o corpo das pessoas é colocado nestes caixões.”
Para além disso, são a “única empresa que tem capacidade para dar resposta em situações de desastre natural". No caso de um evento catastrófico em que seja necessária a recolha de centenas de corpos, a Sigma Pack consegue pôr num contentor convencional 1.200 caixões, "algo que é impossível fazer com um caixão normal", afirma o responsável pela empresa.
"As pessoas são enterradas ou cremadas dentro de um caixão que é digno na mesma, não são enterradas em coisas que não são dignas”. “No caso de um desastre natural esta é uma forma muito mais digna de colocar o corpo de uma pessoa e colocar informação". E os corpos ficam "dentro de um caixão e não num saco de plástico como habitualmente se faz”.
100% biodegradável, mesmo o laminado interior do caixão é feito em amido de milho. Para além disso, não tem quaisquer produtos contaminantes, não existindo quaisquer riscos para os solos onde seja enterrado, "o que não acontece hoje com os caixões normais, que têm metais, químicos, têm vernizes que passam para as terras, das terras para as águas..."
Também o processo de decomposição é muito mais rápido, defende Nuno. "Este caixão no final de quatro meses, quatro meses e meio, está totalmente biodegradado, o que vai favorecer a decomposição do corpo".
Mas será esta alternativa segura? Nuno garante que sim. Um caixão da Sigma Pack "tem capacidade para estar duas horas à chuva. Estamos a falar de cartão, é um cartão que está preparado para isso, mas não há nenhum caixão que fique duas horas à chuva, normalmente estamos a falar do trajeto entre carros ou a colocação na terra", explica.
Apesar de ser cartão, "tem uma grande resistência", afirma. Para além disso, o caixão tem uma capacidade de até 200 quilos.
Também no conceito de funerais ecológicos, a Sigma Pack oferece outra solução. Urnas para as cinzas das cremações, onde são depositadas sementes de uma árvore à escolha, que vai nascer recuperando parte do material mineral que resulta da cremação do corpo. Em vez de cemitérios, fazem-se jardins.
Todavia, enquanto a vertente fúnebre para humanos não arranca a sério, a Sigma Pack testa os produtos com uma agência funerária para animais. E aqui, "tem sido muito mais fácil", diz o responsável pela empresa.
"Estas urnas das cinzas dos animais que se transformam numa árvore têm tido uma aceitação muito elevada".
"Dada a dificuldade que tivemos inicialmente de colocação dos caixões e pelo facto de sermos uma start-up e necessitarmos de realizar negócio, sentindo que havia procura por estas urnas que se transformam em árvore", decidiram encaminhar parte da área de negócio da empresa para explorar o setor dos animais.
"Decidimos montar uma pequena estrutura", que faz um serviço completo, "desde a recolha do animal à cremação individual, a uma cerimónia de despedida tal e qual como é realizada com os humanos", explica.
Depois, as cinzas da cremação são colocadas dentro das urnas específicas da empresa, transformando-se depois numa árvore. "É uma continuidade da vida", diz. "Logicamente, não é o nosso animal que ali está, mas há lá uma pequena parte e se essa pequena parte contribuir para dar vida a um novo ser, isso é muito bonito".
Através de parceiros, com 32 pontos de recolha no continente, a empresa consegue "fazer a recolha em qualquer ponto do país em menos de seis horas". Em breve chegarão também às ilhas e implementarão a primeira rede franchisada do setor, com presenças no Porto, Faro e Madeira.
O objetivo passa por aprender com este projeto e, depois, replicar o modelo para o segmento dos funerais de humanos. "Ao criarmos a primeira agência funerária ecológica, sendo produtores, tendo a estrutura toda montada", deixam de estar dependentes dos canais de distribuição convencionais.
Atualmente, o negócio das urnas que se transformam em árvore resulta com os agentes funerários, todavia, "a parte dos caixões, que para nós também era importante escoar em massa”, está a ser feita de “forma mais reduzida porque a informação não passa do agente funerário para o cliente final, fica estagnada, não existe a apresentação de uma alternativa", revela.
"Normalmente, aquilo que o agente funerário faz é mostrar aquilo que tem para entrega imediata", afirma. "Nem todas as empresas têm pessoas com determinado tipo de formação ou disponibilidade para explicar como tudo se processa", diz.
Nem toda a gente gosta de pensar na morte, "mas há outras que pensam e querem deixar as coisas todas organizadas para que no dia da sua morte não tenham de criar problemas aos familiares", para isso, a Sigma Pack propõe um "contrato de funeral em vida". Feito com testemunhas, as pessoas podem escolher como querem o funeral ecológico. Isso só será possível, porém, quando forem a um agente funerário.
E isso chegará quando a funerária animal estiver em velocidade cruzeiro, antevê.
Plantar florestas em vez de cemitérios
No Parque Natural de Sintra-Cascais, a Sigma Pack tem já um talhão onde podem ser depositadas as urnas ecológicas. Apesar de lá estarem também cinzas humanas, atualmente "está mais vocacionado para os animais", explica Nuno.
Depois da colocação das cinzas humanas, as notícias na comunicação social e "algumas forças exteriores" fizeram com que "as coisas tivessem de ser vistas de outra forma". Não estando proibida, a colocação de urnas ecológicas com cinzas humanas está a ser pensada para que "seja utilizável para todos".
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