O Banco Europeu de Investimento (BEI) e o Fundo Europeu de Investimento (FEI) têm vindo a reforçar os mecanismos de financiamento às empresas europeias em fase de crescimento para evitar a sua fuga para os Estados Unidos. A mensagem foi transmitida pelos principais responsáveis das duas organizações, no conjunto de conversas produzidas pelo The Next Big Idea durante a Web Summit Lisboa, onde destacaram medidas para desenvolver o ecossistema europeu de inovação.

"A Europa tem feito um bom trabalho no desenvolvimento de mercados de venture capital mais maduros no que diz respeito a startups em fases iniciais, mas os mercados continuam fragmentados", afirma Marjut Falkstedt, Chief Executive do FEI. Para a responsável, é fundamental criar melhores oportunidades de exit para as empresas através dos mercados de capitais europeus.

Para combater esta fragmentação, o FEI lançou a European Tech Champions Initiative, um programa com 3,85 mil milhões de euros para investir em “mega fundos” com capacidade de investimento superior a mil milhões de euros. O objetivo passa por permitir investimentos acima de 50 milhões de euros em empresas europeias, criando alternativas ao capital norte-americano.

"Precisamos que o setor privado participe neste tipo de fundos de maior dimensão, porque este é um negócio rentável. Todas estas empresas devem ter oportunidades de exit, seja por aquisição por outras empresas, fundos pré-IPO, ou mesmo pela entrada nas bolsas da União Europeia", sublinha Falkstedt.

Deeptech e cleantech lideram crescimento do mercado

O Head of Venture Capital do FEI, Bjorn Tremmerie, destaca que a Europa concentra 30% mais talento de engenharia per capita do que os EUA e quase três vezes mais capital humano do que a Ásia. "Os talentos não precisam de ir para os EUA na early stage. Um em cada quatro euros investidos globalmente na fase inicial chega à Europa", refere.

Tremmerie acrescenta que “o setor cleantech cresceu dez vezes nos últimos nove a dez anos e vai continuar a crescer. Em paralelo, a Europa está a recuperar terreno em setores de deeptech como mobilidade, robótica e IA”.

A mudança para tecnologias mais profundas responde à necessidade de autonomia estratégica europeia. "Na Europa precisamos de ser mais autónomos, ter maior soberania e controlo sobre o nosso destino", acrescenta o responsável.

Venture debt ganha peso no apoio a startups

A vice-presidente do BEI, Gesolmina Vigliotti, destaca o papel do venture debt, uma forma de financiamento em que uma empresa recebe um empréstimo de uma instituição financeira, como um banco ou uma empresa de capital de risco, para financiar seu crescimento. “É o que chamamos passion capital, porque apostamos na capacidade das startups crescerem e gerarem lucro. Este é um instrumento muito poderoso. Desde 2016, disponibilizámos quase 7 mil milhões de euros a estas empresas na Europa e já financiámos 300 startups", refere.

O BEI também trabalha em parceria com o Conselho Europeu de Inovação para apoiar empresas na fase seed, com instrumentos que combinam subvenções e capital. "Fazemos a due diligence para a Comissão Europeia e decidimos quais as empresas elegíveis para receber estes recursos", explica Vigliotti.

Para a responsável do BEI, é fundamental continuar a investir em investigação e desenvolvimento para acelerar a transição climática. "Gostamos de nos chamar um banco em prol do clima e queremos desenvolver todos os setores que podem melhorar o uso de energia renovável e a poupança energética", sublinha.

Exits continuam a ser desafio para ecossistema europeu

Miguel Alves, Country Manager do FEI, alerta para a necessidade de desenvolver o mercado de exits na Europa. "Dos últimos 2.000 exits do nosso portefólio nos últimos cinco anos, dois terços foram write-offs (quando um investidor reconhece que perdeu todo ou quase todo o investimento feito numa empresa). Apenas um terço resultou em lucro, com 20% a duplicar o investimento, 10% a multiplicar por cinco e só 2% acima de dez vezes o investimento inicial", detalha.

A diferença cultural entre Europa e EUA manifesta-se no tempo médio até ao exit. "As empresas americanas ficam em portefólio menos um ano do que as europeias, que permanecem em média cinco anos e meio. Quando um fundador americano cria um projeto, o principal objetivo é vendê-lo na primeira boa oportunidade", explica Miguel Alves.

A venda da empresa de biotecnologia portuguesa CellmAbs à BioNTech, em 2024, surge como exemplo do potencial do mercado europeu. "Foi um dos cinco maiores exits do ano. Há três anos, ninguém imaginava que este tipo de operação fosse possível", refere Miguel Alves.

"Os exits são importantes para os colaboradores que têm stock options [opções de compra de ações que são oferecidas aos colaboradores ou outros membros da empresa como parte de um pacote de compensação ou como incentivo para a fidelização de talento] e podem depois tornar-se business angels ou criar as suas próprias startups. Precisamos desta primeira geração de empresas bem-sucedidas para criar as “máfias”, no bom sentido, que vemos noutras geografias", acrescenta o Country Manager.

Os responsáveis defendem também uma mudança nos incentivos académicos. "Enquanto os professores forem incentivados pelo número de publicações, e o financiamento depender disso, temos incentivos errados. É um incentivo importante, mas criar empresas e spin-offs é igualmente importante", defende a Chief Executive do FEI.

Durante as conversas, foi ainda sublinhado que a Europa tem de consolidar a sua autonomia estratégica em setores como a IA, cibersegurança e economia espacial.

"Precisamos de um fundo de exit de grande dimensão para dar liquidez ao sistema e garantir que a infraestrutura funciona num ciclo virtuoso", conclui Miguel Alves, apontando a saúde, telecomunicações e deeptech como setores prioritários para desenvolver o mercado europeu de exits.

O Head of Venture Capital do FEI, Bjorn Tremmerie, destaca que a Revolut, avaliada em 45 mil milhões de dólares, é hoje a empresa privada europeia com maior valor. "Se esta avaliação se transformar em dinheiro através de um IPO, e tivermos quatro ou cinco eventos semelhantes, mesmo que de 5 ou 10 mil milhões, isso vai atrair atenção. A tecnologia europeia ainda gera bons retornos", acrescenta.

Portugal ganha peso no radar dos investidores europeus

O Fundo Europeu de Investimento atribuiu recentemente 90 milhões de euros a três fundos de capital de risco portugueses: Armilar Venture Partners IV, Faber Tech III e 33N Cybersecurity and Infrastructure Software Fund. Em última análise, estes fundos gerarão mais de 400 milhões de euros para o ecossistema europeu de capital de risco para acelerar o crescimento das startups.

"Trazer todo este firepower para Portugal, criar fundos em Portugal que investem no estrangeiro, traz muito conhecimento, experiência e até talento para o país. É uma situação win-win para todos" refere Marjut Falkstedt, destacando os domínios da IA, da cibersegurança ou de machine-learning.

A Chief Executive do BEI conclui dizendo que “a inovação não tem que ver com fronteiras nacionais, a inovação tem que ver com a União Europeia. Quando há um empreendedor que quer inovar e tem uma grande ideia, ele não o faz por causa de Lisboa, ou por causa de Portugal, fá-lo porque quer ajudar toda a sociedade. Portanto, nem a inovação nem o capital de risco têm fronteiras”.