Há uma imagem de Lisboa que pode parecer de mera promoção turística aos mais distraídos mas que na realidade mostra outra coisa. Mostra uma cidade escondida mas ativa 24 horas por dia, a cidade que é percorrida pelo fluxo de dados gerados por quem a habita. Sejam condutores no trânsito, turistas de visita a um monumento ou meros e pacatos cidadãos na sua rotina de despejar o lixo. São estes dados, por exemplo, que passarão a estar monitorizados ao segundo no Centro Operacional Integrado de Lisboa, que é uma espécie de radiografia permanente à cidade. Todos esses dados têm hoje um valor que dificilmente seria imaginável há apenas uma década. Porquê? Porque passaram a ser medidos e depois de serem medidos passaram a ser analisados, e só depois disso, se tornaram verdadeiramente especiais. Ou, como diz Alexandre Fonseca, CEO da Altice Portugal,  “as pessoas falam muito em dados e acho que é um abuso de linguagem - e espero que seja. Porque onde está o valor não é nos dados, os dados por si são matéria prima em bruto, a seguir vem uma fase que é a informação mas já estamos numa terceira vaga que é a de transformar informação em conhecimento que nos permita estabelecer padrões”.

Há também pouco menos de dez anos, a Altice Portugal, então Portugal Telecom, lançava no mercado um conceito à época inovador: o da convergência. No caso, convergência entre o serviço fixo e móvel de telecomunicações. A PT que é hoje Altice Portugal continua a acreditar que convergência é the name of the game - mas agora a etapa é outra. Não é novo para as telcos, terminologia que se usa para designar os operadores de telecomunicações, a convergência dos dois extremos da sua atividade: a montante, a rede, a infraestrutura de telecomunicações, e a jusante, os clientes e a utilização que fazem dessa rede. O que é novo é  o que hoje podem fazer com a informação que têm sobre essa utilização da rede e dos serviços pelos seus clientes. Que, naturalmente, geram os tais dados que uma vez trabalhados nas suas mais diferentes formas permitem reconhecer padrões e também desvios, e desenhar soluções que resolvam problemas às pessoas. É aqui que a cidade - ou as cidades - são um laboratório especialmente ativo, uma vez que pela concentração de pessoas e atividades escalam este desafio em várias frentes, do trânsito diário à segurança de pessoas e bens, do controlo da água que consumimos ao incentivos às famílias que se mostrem mais responsáveis na separação do lixo. É a tal cidade invisível que a cada segundo se move debaixo dos nossos olhos - ou melhor será dizer dos nossos ecrãs, botões e teclados já que cada vez mais há um interface digital nos pequenos atos quotidianos.

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“Quando há sete anos começámos a ver alguns exemplos e, na altura, a Portugal Telecom lançou o conceito de convergência, que hoje é algo banal, era uma convergência entre serviços fixos e serviços móveis. Hoje, para a Altice, a convergência é conectividade, serviços de conteúdos e também a componente digital. Esta convergência entre estes três serviços é que leva a que um operador como a Altice Portugal não seja apenas um fornecedor de conectividade e seja um fornecedor de serviços e de tecnologia. E portanto o que mudou foi a nossa perspetiva estratégica face a um setor que hoje já não é o setor das telecomunicações, é o setor como gostamos de chamar das infocomunicações, que são comunicações digitais que levam um valor muito maior, muito mais abrangente, ao mercado”. É assim que Alexandre Fonseca explica o que aconteceu em quase uma década.

O que leva a conversa com o CEO do operador de telecomunicações a um ponto que é particularmente crítico, sobretudo à luz da discussão sobre a construção de cidades inteligentes num país que sendo pequeno tem grandes diferenças entre o Interior e o Litoral e entre as cidades e as áreas rurais. As cidades de que ouvimos falar na cimeira das Smart Cities [Viseu, Fundão, Lisboa, Ponta Delgada, Albufeira, para referirmos algumas] são um país à parte, perguntámos. “Temos de ser honestos e dizer duas coisas distintas. Em primeiro lugar, que acompanhei o Smart Cities Tour e estas sete cidades assistiram a discussões extraordinariamente importantes que envolveram centenas de pessoas, do turismo, à inovação, a sustentabilidade, a mobilidade. Estas cidades não são um mundo à parte - foram os locais escolhidos para discutir como podemos transformar as cidades e como a tecnologia pode ajudar. Agora na perspetiva de ser um mundo à parte há algo que em Portugal infelizmente ainda existe que é uma assimetria clara do ponto de vista regional e não se vê só em termos populacionais e em termos económicos, mas vê-se numa componente extremamente importante que é o acesso a tecnologia de banda larga”.

"Porque é tudo muito bonito, mas depois se, ao fim ao cabo, uma cidade de média ou pequena dimensão em Portugal, do interior do país e de baixa densidade populacional, não tiver fibra ótica não consegue comunicar com o mundo."

É aqui que está assente um dos pilares do negócio da Altice, e é também aqui que Alexandre Fonseca concretiza a ideia de convergência que hoje orienta a estratégia do grupo, não apenas em Portugal, mas nos mercados onde está presente. “Ouvimos aqui vários autarcas dizer que sem fibra ótica não é sequer possível desenvolver iniciativas deste tipo. Porque é tudo muito bonito, mas depois se, ao fim ao cabo, uma cidade de média ou pequena dimensão em Portugal, do interior do país e de baixa densidade populacional, não tiver fibra ótica não consegue comunicar com o mundo. Era a mesma coisa que, na década de 80, fazermos uma viagem de Lisboa à Guarda e demorarmos oito horas de caminho”.

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Esta infraestrutura de rede é também a carta de diferenciação que as empresas de telecomunicações jogam no tabuleiro dos grandes players digitais da atualidade. Nomes bem familiares de todos nós, como Google, YouTube ou Facebook cuja oferta de plataformas depende da existência de uma rede por onde as comunicações circulam. Por onde os dados circulam. O que estas empresas têm sido especialmente eficientes - e para usar a expressão que dá o mote ao artigo, inteligentes - a fazer é a gestão da informação que cada utilizador gera quando faz uma pesquisa, segue uma recomendação ou simplesmente clica num determinado link. Esse trabalho de análise é o cérebro de praticamente todos os ecossistemas digitais - e naqueles em que não é está difícil augurar um bom futuro. Porque, na realidade, essa é a principal matéria-prima, a tal que depois de trabalhada se transforma em conhecimento. Sobre nós todos, os nossos hábitos um a um, e também sobre as comunidades, ou a cidade se assim as quisermos organizar.

Alexandre Fonseca prefere falar de “um círculo virtuoso e não vicioso” quando se refere à mudança que se assistiu em termos tecnológicos nos últimos 40 anos. “O que acontece é que há sempre new players, new entrances e, de facto, hoje temos grandes players globais, mas não vemos, nem na Altice global nem na Altice Portugal, esses grandes players como concorrentes. Vemos como parceiros e hoje sabemos que a coopetição é um conceito perfeitamente enraizado na nossa indústria”. O facto é que no dia-a-dia, empresas que usam as redes - os OTT ou over-the-top - e empresas que detém as redes convivem, em competição ou cooperação. E também é um facto que disputam clientes, mesmo que em momentos diferentes da cadeia de valor. E, independentemente da visão que cada empresa terá da história recente, as evidências mostram que em  quinze anos entraram no mercado, e nas nossas casas e locais de trabalho, empresas que ou não existiam ou não sabíamos que existiam antes disso. E foram também elas que pressionaram a mudança do lado das telcos - uma mudança que é hoje assumida como vital.

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“Quem vem do mundo over the top necessita de um veículo para chegar aos seus clientes, quem vem do mundo das telecomunicações não precisa de veículo nenhum porque essa relação existe há anos. E isso é um fator diferenciador. E quando falamos que os over the top puros têm muitos dados, é um facto - mas só têm esses dados porque lhes chegam através de um serviço de conectividade. E não nos podemos nunca esquecer que quem está no meio nessa cadeia de valor somos nós”. Nas palavras do CEO da Altice percebe-se qual o trabalho que as empresas de telecomunicações têm andado a fazer e como estão a usar valências que tinham desde sempre e outras que tiveram de ir buscar para se manter em campo num mercado com a exigência do tecnológico. “Como vários setores de atividade já nos mostraram ao longo de muitas décadas, séculos nalgumas industrias, é no centro da cadeia de valor que está o valor acrescentado. Normalmente, o que tem acontecido é que são os extremos da cadeia de valor que se vão diluindo, se vão fusionando, vão muitas vezes se perdendo e caindo - o centro é aquele que fica e que se transforma, tem é que se transformar , não pode ficar monolítico”.

"Acredito piamente e a história já o demonstrou que os players de telecomunicações continuarão a ser incontornáveis, desde que saibam transformar-se e não queiram transformar-se apenas numa utilitie"

O retrato de Alexandre Fonseca é também o retrato de uma indústria que teve de responder e perceber onde estão os seus pontos fortes e fracos num jogo que está longe de estar terminado, se alguma vez estará. “A grande diferença - e essa é que é a pedra de toque de transformação dos operadores - é serem capazes de perceber que os paradigmas de consumo de serviços estão diferentes. O que está a transformar-se não é tanto o operador de telecomunicações; o que se está a transformar é o cliente, o utilizador final da tecnologia”.

O consumidor mudou, as empresas de telecomunicações estão a mudar, e à volta a mudança chega em todas as frentes. A ligação do mundo digital ao mundo físico é a próxima fronteira e, desta vez, as empresas de telecomunicações estão, pelo menos, mais atentas à concorrência que lhes entrou por dentro não apenas por estes grandes players mundiais, mas pelas centenas de startups tecnológicas que todos os dias entram no mercado com novas propostas e ideias. Alexandre Fonseca diz-se convicto no futuro das telcos:“acredito piamente e a história já o demonstrou que os players de telecomunicações continuarão a ser incontornáveis, desde que saibam transformar-se e não queiram transformar-se apenas numa utilitie - esse é o caminho”.

Na intervenção de fecho da cimeira Portugal Smart Cities, o presidente da Câmara Municipal de Viseu e vice-presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses, Almeida Henriques, deixou claro que construir estes espaços é mais que tecnologia: “não são as cidades que têm de correr atrás da tecnologia, é a tecnologia que tem de ir atrás das cidades”, afirmou. Alexandre Fonseca concorda: “é precisamente esse o ponto. Temos estado empenhados em trabalhar com as cidades mas não necessariamente, desculpe-me a expressão, em despejar tecnologia nas cidades. O tema das cidades inteligentes passa muito pela capacidade de se tomarem decisões que têm como principal objetivo resolver problemas das pessoas e às vezes pega-se nesta perspetiva pelo ângulo errado que é dizer que se vai comprar a última peça de tecnologia mais cara, mais evoluída, mais da moda para resolver os problemas e não pode ser assim”.

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O que significa “a tecnologia ir atrás das cidades”? “Penso que a tecnologia tem de ir atrás das cidades na perspetiva em que têm de ser as cidades a dar o primeiro passo, tem de ser as cidades e os autarcas em primeiro lugar a conhecer a sua comunidade e os seus cidadãos, a conhecerem as necessidades reais e depois a encontrarem as melhores soluções para essas mesmas necessidades. E aí gostamos de acreditar - aliás temos a certeza - que soluções tecnológicas serão necessárias para otimizar os recursos e resolver os problemas. Mas o que tem de nascer primeiro é a necessidade e o problema que tem de ser resolvido”.

Nessa transformação, há sedução e desconfiança. Por um lado, os cidadãos sentem o impacto que a tecnologia “inteligente” pode ter nas suas vidas - se lhes otimiza percursos no trânsito, se lhes garante mais segurança ou se permite que economizem electricidade e água - por outro discutem-se temas de fundo sobre a propriedade dos dados e a forma de controlo do propósito em que são utilizados. Neste contexto, a ideia de uma espécie de comando central da vida na cidade e, por inerência, na vida de cada cidadão tem também tanto de sedutor como de inquietante. E é na clarificação dessa dúvida essencial sobre o que as pessoas realmente querem que se irá definir a estratégia da Altice, garante o seu CEO. E, na realidade, ninguém está certo que seja desejável transformar o smartphone numa espécie de comando central, mesmo que já comande muita coisa. “Eu não sei se é para aí que queremos ir por um motivo muito simples: eu não sei se é para aí que o consumidor quer ir e ele é que determina. O que eu sei é que há um fator determinante hoje nas escolhas dos consumidores que se chama conveniência. O objetivo da tecnologia deve ser no final do dia melhorar a vida das pessoas e fazê-las mais felizes: se ter num dispositivo único a capacidade de controlar tudo, desde o ar condicionado à pulsação à glicémia a aonde o carro está estacionado, for o que se pretende, então concretizado será. Hoje um dispositivo móvel já tem 1000 vezes mais capacidade de processamento que um contador de secretária há 15 anos. Sabemos que podemos ir por aí. Se vamos, o consumidor dirá”.

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