Em entrevista à Lusa, o ator e encenador apontou o reconhecimento dado pela UNESCO ao canto coletivo sem recurso a instrumentos, como a causa que o levou à descoberta do género e, desde aí, já coproduziu o documentário “Cantadores de Paris”, realizado por Tiago Pereira, estando previsto para 2019, o lançamento do álbum “Alentejo Ensemble”.
Depois de oito anos a estudar teatro em três países diferentes (Portugal, Reino Unido e França), chegou a Paris com 23 anos, onde, depois de acabar os estudos, criou a “Rêves Lucides”, uma companhia de teatro com o objetivo de fazer “criações modernas sobre a atualidade, com canto polifónico da região em estudo”.
Agora, aos 30 anos e licenciado em antropologia, prepara-se para “dar aulas de cante alentejano na Universidade de Nanterre”, onde está a fazer o mestrado em etnomusicologia, além das que leciona atualmente, nas quais os melhores alunos são convidados a participar no Rancho de Cantadores de Paris, composto por estrangeiros, mas que canta em português.
“As pessoas não acreditavam, pensavam que éramos lusodescendentes, depois, quando nos encontraram fisicamente, apaixonaram-se. Houve uma ou duas pessoas que foram mais críticas, diziam que não era cante alentejano e era uma reinterpretação, mas não deixaram de valorizar o que fazemos e apoiar-nos a continuar e a informar cada vez melhor. Esta importância da pesquisa, é uma coisa viva e sensível”, afirmou.
Admitiu que o grupo constituído por seis pessoas ainda não tem o som que pode ter, mas defendeu que o objetivo “a longo prazo é criar um grupo de cante alentejano sólido, e continuar com as escolas a formar mais gente, que queiram aprender a cantar em português” e um dia começar a formar professores do estilo em Paris.
Argumentou que “o cante alentejano tem de ser valorizado e trabalhado no exterior” e, como tal, surgiu a ideia para o álbum “Alentejo Ensemble”, uma colaboração com vários grupos de cante alentejano em Portugal, anunciando ainda a vontade de fazer um segundo trabalho, misturando o estilo com “grupos parisienses, música argelina ou ‘jazz’”.
“A tradição não é o que é antigo, é o que o antigo nos deu e que temos a liberdade de fazer com isso o que quisermos. Temos consciência de que estamos a criar tradição com a nossa parte. Não vamos mudar o cante alentejano, nem é nossa intenção, mas queremos usar a nossa voz, em vez de ficar reproduzido”, revelou.
Comparando o público francês com o português, considerou que, em terras lusitanas, apesar de estar “bem estabelecido o que é o cante alentejano de forma tradicional”, foram “bem acolhidos e há um calor humano especial”, enquanto que, em Paris, já houve concertos “em que está tudo caladinho a apreciar a música polifónica”.
“Em Portugal, as pessoas envolvem-se mais, falam connosco e fazem perguntas. Quando vamos a Portugal estamos sempre com grupos corais ou instituições que defendem o cante, estamos sempre nesse contexto”, contou.
Apesar de pensar “regularmente num regresso” ao país ode nasceu, confessa que a “conclusão vai mudando com o tempo”, tendo havido alturas em que pensou abandonar tudo, outras em que pensou ser “impossível voltar”.
“Agora penso em voltar a Portugal esporadicamente, mas a minha base será sempre aqui. Apresentar projetos, colaborar, fomos lá fazer um disco, fizemos o filme e fazer projetos pontuais. A minha tese como é sobre o cante alentejano, cada ano terei de ir três ou quatro vezes a Portugal, mas a minha base há-de ser sempre aqui”, admitiu.
A vida que leva em Paris, é possível graças ao benefício do estatuto de ‘intermitente do espetáculo’, que o permite trabalhar 43 dias por ano, com um salário regular, sendo livre de utilizar os restantes dias a seu bel-prazer, durante os quais aproveita para desenvolver e aprofundar os seus projetos, assim como estudar, conciliando também com o trabalho como ator e animador em espetáculos de crianças.
“Uma atividade que é feita de forma descomprometida em termos económicos e bem feita pode vir a ser a tua atividade principal e remunerada. Já tive concertos em que fui pago e esses dias contaram para os 43 que preciso de trabalhar. A ideia é esta mesmo, por isso é que estou a estudar, para aperfeiçoar esta arte, para que um dia possa viver disto. A natureza da minha atividade é a exploração, ir ao terreno, voltar e criar espetáculos. Faz parte do que eu faço ter essa mobilidade. Ir para Portugal agora era abdicar disso tudo”, relatou.
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