Iniciativa do primeiro-ministro, António Costa, que teve esta ideia em 2019 e contactou o Museu do Design e da Moda (MUDE), para estabelecerem uma parceria, a exposição apresenta 85 peças de diferentes naturezas – mobiliário, luminária, objetos decorativos, alfaias agrícolas, tapeçarias, peças científicas –, do século XII ao XXI, que “espelham um entendimento de design muito abrangente”, explicou aos jornalistas a curadora Bárbara Coutinho, diretora do MUDE.
Ao estabelecer esta parceria, apesar de ter sido uma iniciativa do primeiro-ministro, a mostra passou a integrar-se dentro da estratégia do “MUDE fora de portas”.
Na base está um conceito que é “a capacidade inata de o homem transformar a realidade à sua volta”, sendo disso exemplo um trilho de debulhar cereais, pertencente ao Museu Nacional de Etnologia, colocado na parede da sala de jantar.
Outro conceito subjacente à exposição é o diálogo entre a seleção de peças e outras já existentes naquele lugar, que, fazendo uso de materiais como o vidro, a pedra, a tapeçaria ou a cortiça, dão uma visão da portugalidade num sentido mais amplo, disse Bárbara Coutinho.
Os critérios que pautaram o desenho desta mostra foram a conjugação do conforto e da funcionalidade para quem vive e trabalha na residência com a componente de design de interiores.
Todas as peças escolhidas visaram “materializar um conceito e espelhar um país” e dessa forma transformar “um lugar de soberania em epicentro da cultura portuguesa”, afirmou a curadora do MUDE, confessando que para ela todo este processo – que demorou três meses – constituiu um “grande desafio” e uma “responsabilidade”.
Numa visita guiada aos jornalistas, Bárbara Coutinho começou pela sala de jantar, onde o trilho de alfaia agrícola colocado na parede representa a referência a uma cultural rural, ao campo e à funcionalidade, uma peça que é anterior à romanização e que persistiu nos tempos.
Na lógica dos diálogos entre objetos, por baixo do trilho foi colocado um contador da autoria de Filipe Alarcão, uma peça recente, lembrando as dos século XVI e XVII.
Noutra parede, uma tapeçaria representativa de corais vivos, da autoria de Vanessa Barragão, que usa desperdícios de fábricas de tapeçaria, evocando aqui o mar e os corais, mas também as questões ambientais, ligadas ao próprio material que usa.
O lustre sobre a mesa de jantar foi substituído por um candeeiro de cortiça, de Miguel Arruda, desenhado especificamente para aquela sala.
Na sala da receção, contígua à de jantar, sobre uma cómoda, encontra-se um fac-símile do "Apocalipse do Lorvão", um dos três que a Torre do Tombo possui, para além do original, datado do século XII, um dos primeiros e mais elaborados manuscritos iluminados de Portugal, inscrito no registo da "Memória do Mundo" da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), em 2015.
“Faz parte da 'Memória do Mundo', é uma peça com valor para toda a humanidade, pela singularidade, qualidade gráfica e significado histórico e simbólico. Aqui, pela particularidade do design enquanto livro, pelas iluminuras e pela capa, é um belíssimo exemplar do design gráfico”, destacou a curadora.
Ao lado, está uma peça de cerâmica, de Rosa Ramalho – "A Princesa a Cavalo" –, vinda do Museu de Olaria, que remete para o artesanato e saberes tradicionais.
Dividida em dois espaços, esta sala, também chamada Sala da Lareira, tem uma zona de receção de altos dignitários, onde sobressai um tapete de padrão inspirado nos painéis de azulejos da Avenida Infante Santo, desenhados por Maria Keil.
Outras peças constantes deste espaço são um louceiro lacado do século XVII e um baú do século XVI, gravado com arcadas e bestiário, proveniente das ilhas, sobre o qual se encontra uma tapeçaria de Almada Negreiros, feita pelas tapeçarias de Portalegre em 1989, depois da sua morte, sobre um estudo do artista para a Gare Marítima da Rocha Conde de Óbidos, cujo tema é o povo, a fome e a emigração.
Num espaço da mesma sala reservado a reuniões, a curadora chamou a atenção para uma taça de empreita, na mesa de centro, vinda de Loulé, da autoria de Henrique Ralheta.
Trata-se de uma peça feita em parceria com artesãos locais e vendida pelo preço do trabalho à hora, razão por que se chama “Taça Empreita à Hora”.
Quatro cadeiras de madeira trabalhadas com linhas modernas, da autoria de Around the Tree, uma mesa em mármore e uma bilha cravada de pequenas pedras decorativas, evocando novamente o artesanato, compõem este espaço.
A Sala de Espera, ou dos Embaixadores, reserva um tapete de Beiriz, com o seu ponto tradicional, e duas cadeiras de madeira estilizadas, também com a assinatura Around the Tree.
Neste espaço sobressai igualmente, sobre uma cómoda estilo império, uma peça de vícara, de Eneida Tavares, um conjunto de sofás da Adico, feitos em aço tubular num estilo moderno a imitar os anos 1940/50, uma estante com livros para as visitas, só de autores portugueses, e um candeeiro da Boa Nova, de Álvaro Siza, concebido pelo arquiteto como peça integrante de um dos seus primeiros e mais marcantes projetos, a Casa de Chá da Boa Nova, em Leça da Palmeira.
Na parede, uma tapeçaria de Daciano da Costa, pioneiro do design em Portugal, um trabalho inspirado nos estudos de cor que o artista fez para o Hotel Penta, em 1971.
À entrada destaca-se uma secretária com apenas dois pés, de Filipe Alarcão, encimada por um prato de parede de Bordallo Pinheiro, com intervenção do artista Vhils, no formato e na cor, representando o perfil de uma mulher.
Esta peça dialoga com dois jarrões de girassóis, também de Bordallo Pinheiro, já anteriormente existentes no espaço, explicou Bárbara Coutinho, apontando ainda um contador, “reinvenção de Rui Viana”, sobre o qual foram postas duas jarras em cerâmica, inspiradas na imagética de “Alice no País das Maravilhas”.
“Design em São Bento – Traços da Cultura Portuguesa” vai estar patente durante 18 meses, e disponibiliza visitas guiadas todos os primeiros domingos de cada mês.
Esta exposição, com peças de mais de 80 autores e mais de 30 marcas portuguesas representadas, contou com a colaboração de municípios, museus, empresas, designers e coleções privadas.
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