A exposição “O MFA e o 25 de Abril”, na Gare Marítima de Alcântara, no Porto de Lisboa, mostra o lado mais intimista de um ator, o Movimento das Forças Armadas (MFA), e da sua ação, por vezes secundarizada, em alguns dos processos fundamentais para o 25 de Abril 1974 e instauração da democracia portuguesa.
O papel desempenhado pelos capitães de Abril na Guerra Colonial, descolonização, Revolução dos Cravos, luta pela liberdade e implementação do regime democrático sobem, neste particular, ao primeiro plano.
“Pretendeu-se uma exposição que recolocasse os militares do MFA no centro do 25 de Abril”, sublinhou Maria Inácia Rezola, presidente da Comissão Executiva da Comissão Comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril, durante a inauguração, no passado dia 10, patente de quarta a domingo, até 30 de junho, na Gare Marítima de Alcântara.
Para a historiadora procurou-se apresentar “novos elementos da história da Guerra Colonial e do movimento dos capitães”, e “homenageasse todos aqueles que tornaram o 25 de Abril possível”, acrescentou.
“Didática e informativa”, pretendeu-se que “transmitisse emoções” e desvendasse “relatos, informações sobre o que era o quotidiano da Guerra Colonial, como viviam os soldados e quais eram as suas inquietações” evidenciou. “Esses aspetos são novidade e até agora não foram destacados pela História”, ressalvou.
Uma das particularidades da exposição “O MFA e o 25 de Abril”, de curadoria partilhada entre a Comissão Comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril e a Associação 25 de Abril, está no facto do “curador (Pedro Lauret) ter sido um interveniente direto no processo”, relembrou Maria Inácia Rezola.
Sem descurar “o rigor historiográfico”, introduz “novos dados que só quem esteve dentro da conspiração e da preparação militar do 25 de Abril poderia conhecer", cruzando a história e a memória. E nessa “passagem de testemunho é cada vez mais importante transmitir essa memória e essa história aos mais jovens”, rematou.
“Os militares são esquecidos”
Num local de elevado simbolismo para a história de Portugal, ligado à guerra nas ex-colónias e à descolonização, porto de partida e de chegada de militares para e de os territórios ultramarinos, Pedro Lauret conduziu os jornalistas numa visita guiada. O mote do que está exposto, é um: colocar o MFA no “centro do dia 25 de Abril”.
Militar de Abril e combatente na Guerra Colonial, comandante na Guiné-Bissau entre 1971 e 1973, revisitou o passado com uma provocação do presente. “Onde é que existe em Lisboa uma avenida 25 de Abril, uma avenida do Movimento das Forças Armadas”, questionou. “Em todos as cidades, aldeias deste país há uma avenida 25 de Abril e uma avenida Movimento das Forças Armadas, em Lisboa não há”, realçou, limitando a lembrar-se apenas uma “rua 25 de Abril para os lados de Braço de Prata, entre dois armazéns”, identificou.
“Os militares são esquecidos”, salientou, não aparecendo na toponímia da capital portuguesa. “(Lisboa está) Cheia de ruas com nomes de heróis do liberalismo e da República”, mas “do 25 de Abril é zero”, chamou a atenção.
“Para a Angola rapidamente e em força”. Uma viagem à guerra colonial na primeira pessoa
A exposição, dividida em três cronologias, ilustrada, maioritariamente, a preto e branco, contém documentos da época, fotografias, grande parte da autoria de Alfredo da Cunha e frases emblemáticas que marcam este período da história portuguesa.
A narrativa cronológica arranca com a descolonização após a 2.ª Guerra Mundial. É o tempo do “Orgulhosamente sós”, do Estado Novo, da “resistência de Salazar em democratizar e descolonizar”, recordou Pedro Lauret.
Cita duas frases “fantásticas” do antigo Chefe de Estado. “Para a Angola rapidamente em força” e “está tudo bem assim e não podia ser de outra forma”, assinalou.
“O início da guerra colonial, nos três teatros de operações, foi precedido por três massacres, Angola (a 9 mil quilómetros de distância), Guiné (a 4 mil km) e Moçambique (13 mil)”, destacou.
Fixou atenções nas imagens de 1961, saída de militares do Cais de Alcântara e da Rocha de Conde Óbidos (explica a escolha do local da exposição) para o Ultramar.
Os acontecimentos na Guiné-Bissau, onde cumpriu serviço entre 1971 e 1973, marcam a memória pessoal de Pedro Lauret. “Meti uma cunha e coloquei o meu navio (aponta para a fotografia) na Guiné. Chamava-se Orion, era uma lancha” de fiscalização, explicou o responsável da Marinha que integrou o Movimento dos Capitães e a Comissão que elaborou o programa do Movimento das Forças Armadas (MFA).
“Mostramos os aspetos dos aquartelamentos, como os soldados viviam. Viviam pior do que um bairro da lata”, comparou. “Tentámos que as imagens, numa exposição destas características, fossem ilustrativas, sem serem demasiado chocantes”, catalogou.
Uma vitrina esconde as peças de artilharia portuguesas. “A Mauser, a célebre G3, a FM e a FDP, sigla de Fábrica de Braço de Prata que era perigosa, matava mais os nossos que os outros”, recordou.
Um painel, “a cores”, dos Movimentos de Libertação, conduz ao outro lado da guerra. O armamento usado por esses movimentos está, igualmente, exibido atrás de um vidro. “A Kalashnikov e a PPSh, feita na URSS a que chamávamos a costureirinha porque fazia um barulho (costurar) ... reconhecíamos o som das armas”, frisou.
“Os militares e os bodes expiatórios do regime”
“Os militares e os bodes expiatórios do regime”, repetiu uma vez, duas vezes ao dar dois exemplos. Tudo começa no Estado português da Índia, em 1961 e na mensagem de Oliveira Salazar: “Só pode haver soldados e marinheiros vitoriosos ou mortos”, leu Pedro Lauret numa referência à retirada do exército português de Goa, Gamão e Diu.
A situação na Guiné-Bissau mereceu também palavras do curador e antigo combatente, ao recuperar duas imagens. A “Carta do soldado furriel Casimiro a contar à família o abandono do quartel” e Miguel Pessoa, piloto-aviador cujo avião foi abatido. “Esteve um dia e meio pendurado numa árvore e foi recuperado pelo grupo de Marcelino da Mata. Tem um simbolismo notável”, confessou.
A despedida da Guerra Colonial é feita numa frase de Marcelo Caetano. “Sair com derrota militar com Honra, o que é?”, questionou. “É sair com sangue. É o repetir os soldados e marinheiros vitoriosos ou mortos (de Salazar)”, equiparou.
“A segunda cronologia tem 9 meses. De 1973 a 1974 e é a história da MFA”, resumiu. “Há objetos de época, reuniões de Évora, Óbidos e Cascais, as causas, a falta de oficiais e a conspiração dos oficiais”, contou Pedro Lauret.
“A Comissão tem aqui as carinhas. Digo sempre que o militar do MFA não tem nome nem cara. Tentei, dentro do possível, por alguns nomes e algumas caras”, ressalvou.
Bem visível e destacado, surge o livro “Portugal e o Futuro”, de autoria do General Spínola, considerado um terramoto político da ditadura.
O 25 de Abril de 1974 marca a terceira e última paragem da exposição. O preto e branco dos painéis anteriores, mais ou menos, entrincheirados, dá lugar a um amplo espaço onde predomina o vermelho e imagens de um microfone do RCP, um avião da TAP, um chaimite, um enorme cravo e a palavra, “liberdade”, onde culmina esta revisitação ao passado e se assinala o primeiro ano de Abril.
“A ditadura não tinha caído quando caiu se não tem havido o MFA”
“Reconstituir a história para que as pessoas aprendessem, saber o que foi Guerra Colonial, as frentes, como eram os Movimentos de Libertação, quantos militares, que armas usavam, ao longo de quanto tempo, uma, duas comissões, houve quem fosse chamado para 5.ª comissões, era uma vida inteira, o percurso até ao 25 de Abril, antecedentes do 25 de Abril, era preciso recordar isso”, discorreu Marcelo Rebelo de Sousa, depois de percorrer a Exposição “O MFA e o 25 de Abril”, guiado pela voz de Pedro Lauret.
“Uma história que não foi contada na época porque as ditaduras não contam a outra história. Não é oficial, é clandestina”, disse o presidente da República, reconhecendo que “a ditadura não tinha caído quando caiu se não tem havido o MFA e isso fica claro na exposição”, reconheceu.
“A exposição é determinante para mostrar que fomos nós, os Capitães de Abril, o principal protagonista do derrube da ditadura, da implementação da paz, da democracia e da liberdade”, recordou Vasco Lourenço, presidente da Associação 25 de Abril.
“Interessam-nos que a exposição continue, porque está inacabada e mostrasse que o MFA, por vontade própria, deixou de ter papel na política e voltou aos quartéis em 1982 com o fim Conselho da Revolução”, finalizou o Capitão de Abril.
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