A zona Centro de Portugal é um dos pontos mais esotéricos de Portugal. Entre santuários, mosteiros, conventos e capelas, o que não falta são histórias de milagres, mitos e lendas que vão passando de geração em geração e que parecem cativar crentes e curiosos. É no Médio Tejo que vamos encontrar um dos sítios que está na rota do Património da Humanidade e que todos os anos atrai milhares de turistas que ali vão com uma missão semelhante à nossa: desmistificar o que se diz sobre Tomar.
A primeira paragem parecia óbvia. Mesmo do ponto mais baixo do vale do Nabão, o rio que atravessa a cidade, conseguimos ver o principal ponto turístico e cultural da cidade. Está na hora de subir até ao Convento de Cristo.
Separadas por 4 mil quilómetros, unidas pelas comparações
Os registos dizem-nos que a construção do Convento de Cristo começou algures no século XII, tendo terminado seis séculos depois. A história da origem do monumento faz-nos recuar até aos primórdios do Reino de Portugal, à altura da presença dos cavaleiros templários, que fizeram do Convento de Cristo a sede da Ordem dos Templários em terras lusitanas.
Ao longo dos anos, sofreu várias alterações e reestruturações: a Ordem dos Templários (que foi extinta em 22 de março de 1312, pela bula Vox Clamantis) deu lugar à Ordem de Cristo e a herança foi sendo passada sem Tomar nunca perder a devida importância. Aliada à mística bélica e militar, que tornam esta numa das cidades-base da formação de Portugal, está a aura religiosa. Não só porque os cavaleiros templários e os cavaleiros da Ordem de Cristo eram organizações religiosas cristãs, mas também porque, diz-se por aqui, que Tomar é “Jerusalém do Ocidente”.
No final de contas, a comparação não é coincidência. Vamos aos factos. Tomar é atravessada pelo rio Nabão, tal como Jerusalém está próximo do rio Jordão. E tal como Jerusalém, Tomar também é uma importante cidade para aqueles que espalharam a palavra de Cristo. Estas parecem ser as principais comparações lógicas dadas pelos entendidos, mas a verdade é que, tal como a cidade portuguesa, muitas outras podem encaixar na mesma categoria. É aqui que entram as teorias de conspiração, uma das razões que nos trouxe à descoberta.
“Quando o vale do Nabão foi doado à ordem do Templo, havia um jovem de nome Gualdim Pais, que tinha ido em missão para a Terra Santa [Jerusalém] e que se tornou Grão Mestre Provincial da Ordem do Templo. E esse homem foi o responsável pela construção que aqui vemos [o Castelo de Tomar]. Foi ele que decidiu mandar construir um castelo em Tomar, e, segundo dizem as lendas, mandou fazê-lo à imagem daquilo que ele viu em Jerusalém. Decidiu fazer a Jerusalém do Ocidente.” Quem nos conta a história é João Fiandeiro, guia da empresa Caminhos da História que, tal como outras empresas da região, organiza visitas pelo Centro de Portugal. Tal como nós o fizemos, regularmente é questionado acerca destes segredos escondidos pela cidade, e acaba por partilhar “aquilo que se diz por aí”, sem nunca confirmar ou desmentir. Mas as comparações não ficam por aqui.
“A charola do Convento [um dos principais pontos-chave do monumento] é muito semelhante à Cúpula do Rochedo, na Mesquita de Omar, em Jerusalém. Dizem que charola é uma cópia da Cúpula e do Santo Sepulcro [dois dos mais importantes templos cristãos de Jerusalém]. Isso também atrai muitas vezes visitantes que procuram vir aqui fazer algum tipo de ritual religioso porque acreditam na ligação.”, continua João Fiandeiro.
Por último, destaca ainda um detalhe intrigante. Depois de construído o castelo, estava na altura de desenvolver a região. Na verdade, aqueles terrenos já eram ocupados por uma povoação anteriormente conhecida como a Nabância, mas foi o castelo deu origem àquela que séculos mais tarde foi declarada como a cidade de Tomar. Mas o nome como o conhecemos hoje só foi adotado no século XX. Até aí, era a cidade de Thomar, um nome de origem árabe, que significa Terra de Omar [um poderoso Califa muçulmano com ligações aos templos anteriormente referidos].
Será Tomar a Jerusalém do Ocidente? Resposta não temos, mas a verdade é que parece estar tudo ligado. O melhor foi quando percebemos que isto era apenas a ponta do icebergue.
O tesouro que todos querem encontrar
Se João Fiandeiro tivesse de escolher uma pergunta que lhe fazem quase sempre que faz visitas guiadas por esta zona, elegeria “Onde é que está o Santo Graal? Está em Tomar?”. Ora, a pergunta pode parecer descabida. Porque é que o cálice utilizado por Jesus Cristo na Última Ceia haveria de ter vindo parar a terras lusitanas? É aqui que a explicação fica mais densa e se abre espaço para muitas teorias.
créditos: Diogo Gomes | MadreMedia
Nas palavras do guia, “há uma discussão muito antiga sobre o que será o Santo Graal. Para muitos, será o cálice da Última Ceia, em que partilhou o pão como sendo o corpo e o vinho como sendo o sangue. Ora, o mito do Santo Graal diz-nos que quando Cristo está na cruz, onde acaba por morrer, quem recolhe o seu corpo é o seu tio, José de Arimateia, que o leva para o jazigo de família [onde mais tarde ressuscitou]. Recolheu os seus pertences, entre os quais estava o cálice, e há um mito que diz que ele recolhe também o sangue que jorrava do corpo de Cristo e a água dos seus pulmões. E dizem que essa mistura dava vida eterna a quem a bebesse, tinha a cura para todos os seus males.”
Segundo nos conta, a história, e aqui a crença religiosa pode ser posta de lado, José de Arimateia iniciou depois um périplo de forma clandestina e criou uma irmandade, a Irmandade do Graal, que fez o seu percurso pela Europa e chegou ao sul de Inglaterra, onde ergueu a primeira abadia cristã da Europa, em Glastonbury, em Inglaterra.
“O facto é que, Glastonbury é muito mística, mas a ideia do cálice, em si, pode ser simbólica. Ou seja, a ter existido o cálice da Última Ceia, era um objeto ou de madeira, ou de cerâmica, ou até de corno, que eram os materiais que se usavam na altura para beber, e que se perderam com o tempo. Não era um objeto cheio de esmeraldas e rubis, como aquele que nos é apresentado. Portanto, o Graal em si é algo muito mais profundo e simbólico do que um cálice. O ato de beber da fonte é aquilo que nós fazemos, por exemplo, quando compramos um livro. E é esse o conhecimento que realmente estava no Graal. E era isso que os templários detinham, o conhecimento. Porque eles estão em Jerusalém, no início do século XII, durante a primeira cruzada, e vão recolher conhecimento com coisas que encontraram do princípio da cristandade e foi isso que os tornou muito poderosos.”
Assim sendo, esta seria a leitura pela qual Tomar guarda também é o Santo Graal. Mas esta, reforça João Fiandeiro, é apenas uma das muitas versões da história. Há ainda quem diga que o verdadeiro cálice possa estar guardado numa arca algures na zona circundante ao Convento de Cristo, na área conhecida como a Mata dos Sete Montes, ou quem conspire que o Santo Graal esteja dentro de uma arca trazida pelos templários, que está escondida numa cave do Castelo de Tomar, um local que, ainda que estudado pelos entendidos, não é explorado pelos curiosos, e onde há, segundo relatos, uma parede misteriosa construída algures no século XX.
Será por isto que também se ouve falar de espíritos de templários que guardam a cidade? Ou isso é só uma história que contam aos miúdos para os assustar? Bom, é nestas alturas que a imaginação e a criatividade nos levam para os pensamentos mais paranormais, confirma o guia. Mas a verdade é que, teorias à parte, Tomar é um poço de cultura, dentro e fora das paredes dos monumentos.
E já que estamos por Tomar…
Há várias experiências complementares às temáticas exploradas no Convento de Cristo. Para além das visitas normais, o Convento organiza também visitas noturnas, ideias para ver com mais atenção aqueles detalhes que o excesso de luminosidade não permite. E aqui não há que ter receios. Os guias asseguram que não há por ali espíritos cruzados.
Ainda na Mata dos Sete Montes, há três percursos pedestres assinalados (o Caminho da Cadeira D’el Rei, o Caminho da Charolinha e o Caminho de Acesso ao Convento) que qualquer um pode fazer e que vão dar não só uma outra perspetiva dos monumentos e também mostram outras marcas por ali espalhadas.
Se quiserem viver a verdadeira experiência templária, espreitem as redes sociais do grupo Thomaronoris, uma associação sem fins lucrativos que se dedica a recriar a tradição e que regularmente organiza eventos com os quais o público pode interagir. Das danças medievais aos acampamentos templários, sem claro deixar as simulações de batalhas de lado, são experiências sensoriais que prometem encantar miúdos e graúdos.
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*O SAPO24 viajou a convite do Turismo do Centro de Portugal
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