A “história de Portugal do século XX não seria a mesma sem Mário Soares” e “o rumo integrador, tolerante e cosmopolita da nossa Europa não teria sido o mesmo sem a participação ativa de Mário Soares”. Foi desta forma que  o atual presidente do Conselho Europeu, António Costa, evocou Mário Soares num discurso na sessão que assinalou o centenário do seu nascimento que decorreu na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, num auditório com lotação esgotada, onde também discursaram o chefe de Estado de Cabo Verde, José Maria Neves, e o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

“Mário Soares pensou sempre Portugal como um europeísta. Pensou Portugal com olhos europeus. Sempre fiel aos valores humanistas que reconstruíram a Europa no pós-guerra. Que a foi aproximando, integrando e alargando. Destino comum na defesa do humanismo, da liberdade, da paz, da justiça social, da prosperidade e da democracia”, enalteceu.

Foi por pensar Portugal como europeísta, continuou António Costa, que Soares “lutou sempre por um país livre e mais justo, menos desigual e cada vez mais aberto ao mundo”. “Porque só cumprindo estes valores, poderia Portugal mudar o rumo da sua história em ditadura, pôr termo ao colonialismo, e encontrar na Europa o caminho de uma história afortunada”, sustentou.

António Costa realçou que o antigo Presidente da República “soube criar, recriar e mobilizar solidariedades europeias espalhadas por toda a União” e lembrou que apesar de o histórico socialista ter presidido a três governos de curta duração, “a verdade é que a determinação de Mário Soares fez desses governos determinantes e que estivessem precisamente no início, durante e no termo” do processo de adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia (CEE).

Costa lembrou a assinatura do tratado de adesão à CEE, em 1985, “um dos últimos atos do seu último Governo a que presidiu e que já então estava a ser derrubado” – uma alusão à crise política do verão de 1985, escutada na plateia pelo antigo Presidente da Republica Cavaco Silva, que assumia a liderança do PSD nessa época.

“Sabemos que muitos problemas subsistem, mas o Portugal de hoje é radicalmente diferente do Portugal que tínhamos em 1985. E grande parte dessa diferença se explica pela nossa adesão à então CEE. E este Portugal era o Portugal sonhado por Soares, absolutamente aberto ao mundo. A Europa estava, a partir de então, definitivamente connosco”, sublinhou.

O presidente do Conselho Europeu destacou ainda que Mário Soares, já depois de ter sido ministro, primeiro-ministro e Presidente da República, foi ainda eurodeputado, entre 1999 e 2004.

António Costa: “É essa sua grandeza intemporal que hoje celebramos neste seu centenário. Em Portugal e na Europa. É essa sua dimensão intergeracional que nos deve orientar no futuro. Hoje e sempre, viva Mário Soares”

“Precisamos mais do que nunca da inspiração de Mário Soares para, em Portugal e na União Europeia, fortalecermos o que nos une e para enfrentarmos o que nos tenta separar: pulsões imperiais, tentações protecionistas, intenções nacionalistas, intuitos xenófobos, propósitos desinformativos, desígnios disruptivos”, sublinhou.

“A Mário Soares e à sua geração política devemos a vitória da visão estratégica sobre a resistência dos interesses menores, a vitória da vontade sobre o temor daqueles que receavam o desafio da integração, da preservação do interesse comum sobre a dissonância insanável, da cultura diplomática sobre o conflito violento, do exemplo ético sobre a vulgaridade”, considerou.

Para António Costa, todos são “legado de Mário Soares”: “quem o seguiu e quem se lhe opôs, quem o defrontou e quem o apoiou, quem com ele privou e quem nunca o conheceu, quem se formou politicamente com ele e quem já se fez pleno cidadão depois da sua partida”.

“É essa sua grandeza intemporal que hoje celebramos neste seu centenário. Em Portugal e na Europa. É essa sua dimensão intergeracional que nos deve orientar no futuro. Hoje e sempre, viva Mário Soares”, rematou.

Pedro Nuno Santos: "Aquilo que me interessa é ter o meu partido todo unido, honrar o legado de Mário Soares, a pensarmos em Portugal, em melhorar a vida dos portugueses"

Também presente na sessão, o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, afirmou que quer honrar o legado de Mário Soares e alertou que a tarefa de “completar as liberdades todas”, à qual o histórico socialista deu corpo, “ainda não está acabada”.

Interrogado sobre se Mário Soares estaria orgulhoso do Partido Socialista atualmente sob a sua liderança, Pedro Nuno Santos respondeu: “Espero bem que sim. Esforçamo-nos por isso, para que ele tivesse orgulho no Partido Socialista, todos os militantes, espero bem que sim”.

Pedro Nuno Santos desvalorizou o facto de o primeiro-ministro, Luís Montenegro, não ter estado presente nesta sessão evocativa, na qual o Governo se fez representar pelo ministro dos Assuntos Parlamentares, António Leitão Amaro, e rejeitou “polémicas”.

“Neste momento, aquilo que me interessa é ter o meu partido todo unido, honrar o legado de Mário Soares, a pensarmos em Portugal, em melhorar a vida dos portugueses. Aquilo que para mim é importante enquanto político e líder do Partido Socialista é que a tarefa de Mário Soares, que Mário Soares iniciou e à qual deu corpo, ainda não está acabada. Nós ainda temos de completar as liberdades, as liberdades todas, a liberdade de termos uma vida decente”, sublinhou.

O líder socialista lamentou o facto de muitos portugueses ainda verem “a sua vida a marcar passo” e salientou a importância de trabalhar para que todos os cidadãos “e não uma minoria” sintam que “este país é para eles”.

“Essa é a tarefa do Partido Socialista, é a tarefa dos socialistas e é nessa tarefa que eu e todos os socialistas estamos empenhados, em ter um país onde todos se sintam respeitados e valorizados. O Partido Socialista nunca esteve tão unido como está hoje”, rematou.

Leitão Amaro: “Uma das palavras e uma das mensagens principais e testemunhos da sua vida foi o da tolerância"

“Uma das palavras e uma das mensagens principais e testemunhos da sua vida foi o da tolerância. E eu acho que esta é uma ideia que devemos cultivar mesmo nas nossas diferenças: respeitar quem lutou pela democracia, por um país melhor, pela liberdade, com tolerância. Acho que a democracia portuguesa precisa desse espírito, dos que lutam pelo bem comum, com tolerância, discordando por vezes - e nós discordámos várias vezes de escolhas de Mário Soares. Deve-nos unir aquilo que é mais importante que é a defesa do povo português”, considerou António Leitão Amaro que representou hoje o Governo na sessão evocativa.

Interrogado sobre o porquê de o primeiro-ministro não ter estado presente, Leitão Amaro desdramatizou, lembrando que Luís Montenegro esteve na sessão solene evocativa na Assembleia da República na sexta-feira e foi autor de um artigo no jornal Público sobre o tema.

Leitão Amaro acrescentou que o Governo vai continuar a associar-se no apoio a várias iniciativas de celebração dos 100 anos do nascimento de Mário Soares, lembrando-o como “uma das personalidades mais importantes e que mais contribuiu para a democracia portuguesa”.

“Podemos, vários de nós, em vários momentos, discordar de algumas opções, mas o contributo para que Portugal seja uma democracia, tenha vencido uma ditadura e depois a tentação de uma nova ditadura na sequência da Revolução Democrática deve também e muito a Mário Soares”, sublinhou.

“Um grande momento democrático”, Marcelo condecora Mário Soares a título póstumo

A sessão evocativa foi também o momento para o Presidente da República condecorar o antigo chefe de Estado Mário Soares, a título póstumo, com o Grande Colar da Ordem de Camões, distinção honorífica que foi entregue aos seus filhos Isabel e João.

No seu discurso, que encerrou a sessão, o chefe de Estado considerou que o centenário do nascimento de Mário Soares “é um grande momento democrático” que “contribui para a “unidade dos portugueses”.

Marcelo Rebelo de Sousa condecora Mário Soares a título póstumo com o Grande Colar da Ordem de Camões
Marcelo Rebelo de Sousa condecora Mário Soares a título póstumo com o Grande Colar da Ordem de Camões
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Tendo a ouvi-lo o antigo Presidente da República Cavaco Silva e o anterior primeiro-ministro e atual presidente do Conselho Europeu, António Costa, Marcelo Rebelo de Sousa defendeu que o centenário de Mário Soares “não invoca apenas um grande português, não invoca apenas um grande político, um grande lutador, um grande visionário do futuro, um grande construtor do futuro, cria condições únicas para unir os portugueses e unir Portugal”.

Para Marcelo Rebelo de Sousa, “a grande força” de Mário Soares era ser “um homem apaixonado pelas suas causas”.

“Mário Soares viveu com paixão a luta contra a ditadura, viveu com paixão a revolução, o início da democracia, as derrotas e as vitórias da democracia, sempre pronto para começar, nos momentos mais improváveis, nas idades mais improváveis, nas circunstâncias mais improváveis”, disse.

João Soares: "Mentiras absolutamente miseráveis”

A sessão evocativa foi também marcada pelas palavras de João Soares na qye lembrou o pai como alguém que “marcou e marca pelo legado político, cívico, cultural e humano” mas também recordou o “homem de família” que agia com “imensa ternura e solidariedade”. João Soares fez questão de salientar que o seu pai foi “um filho, pai e avô exemplar”.

“E é importante dizê-lo com esta clareza e simplicidade, contra algumas narrativas falsas que por ai continuam e vão aparecendo. Ele foi e ainda é vítima das maiores calúnias na nossa vida política. Montadas pela ditadura e suas forças obscuras mas não só”, lamentou.

João Soares afirmou ter ouvido recentemente na rádio “uma calúnia miserável que tem sido repetida”, de que Soares teria pisado a bandeira de Portugal nos anos 70.

“Ele foi e ainda é vítima das maiores calúnias na nossa vida política” - o lamento de João Soares no dia em que o pai faria 100 anos
“Ele foi e ainda é vítima das maiores calúnias na nossa vida política” - o lamento de João Soares no dia em que o pai faria 100 anos
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“Uma falsidade absoluta de paralelo com as mentiras caluniosas sobre a descolonização ditas por um representante da extrema-direita no nosso parlamento anteontem. Mentiras absolutamente miseráveis”, criticou.

Na sexta-feira, na sessão solene evocativa do centenário do nascimento de Mário Soares, na Assembleia da República, o presidente do Chega, André Ventura, recordou “o papel incontornável” de Soares no 25 de Novembro e nos primeiros passos do país na Europa, mas fez o discurso mais crítico para o evocado.

Ventura acusou Soares de ter sido “cúmplice e ativista de um sistema de donos disto tudo, que se iniciou à sua sombra e se manteve à sua sombra”, acusando-o ainda de ser responsável por uma “descolonização desumana e mal feita”.

Cavaco Silva: "Ttivemos sempre relações cordiais e de respeito mútuo"

O antigo Presidente da República Cavaco Silva afirmou hoje que manteve com Mário Soares relações cordiais mesmo nas ocasiões em que foram adversários políticos e considerou que o fundador do PS foi figura maior do século XX.

Aníbal Cavaco Silva falava aos jornalistas na Fundação Calouste Gulbenkian, após ter estado presente na sessão comemorativa dos cem anos do nascimento de Mário Soares, Presidente da República entre 1986 e 1996, e primeiro-ministro de três governos constitucionais (1976/78, 1978, 1983/85).

“Mário Soares é uma figura maior da política portuguesa do século XX e com repercussões no século XXI. Tive a ocasião de escrever que Portugal deve a ele o grande contributo para a democracia pluralista e para a adesão à União Europeia”, declarou o antigo primeiro-ministro social-democrata.

Cavaco Silva recordou depois que foi adversário político de Mário Soares “em algumas ocasiões”.

“Mas tivemos sempre relações cordiais e de respeito mútuo. Por isso, estou aqui a afirmar claramente que trabalhei com ele durante dez anos e, como líder do PSD, apoiei a sua reeleição” para as funções de Presidente da República, apontou.

Interrogado sobre a razão para não ter estado presente na Assembleia da República, na sexta-feira, na sessão solene evocativa dos cem anos de Mário Soares, Cavaco Silva respondeu: “Porque o meu tempo pessoal não era compatível com o tempo da homenagem da Assembleia da República”.

(artigo atualizado às 21h34)

*Com Lusa