A Jornada Mundial da Juventude (JMJ), além dos eventos centrais com o Papa, fez-se também da descoberta da Igreja Católica em todas as suas vertentes — até em aspectos que poderiam parecer não ser assim tão diretos para parte dos jovens. Na Cidade da Alegria, em Belém, um dos stands chamava a atenção: ali falava-se da vida humana, de gravidez e até um útero gigante marcava presença, em contraste com os pequenos modelos de bebés consoante a semana de gestação.
Cinco jovens portuguesas aproximaram-se de um stand na Cidade da Alegria. Primeiro não falavam, observavam apenas com olhos curiosos o que as rodeava. Às costas tinham bandeiras portuguesas, pelo que uma das responsável pelo local depressa iniciou a conversa. “Ah, portuguesas! E de onde são?”. “Oeiras”, ouviu-se na resposta dada em coro.
À frente delas, Rita explicava o que ali se fazia. Antes disso, já o tinha feito ao SAPO24. “Falamos às pessoas sobre o Apoio à Vida e o apoio à mulher grávida com dificuldade, qualquer dificuldade que seja”, começou por apontar.
"É muito importante ter estas pessoas todas na cidade, não só portugueses como do mundo inteiro, porque a sensibilização para a importância de apoiar uma mulher grávida é cada vez mais importante nos dias de hoje”, acentuou ainda.
Por isso, há que começar o trabalho pelos jovens, que se mostram “sempre muito interessados”. E a constante movimentação na banca foi representativa disso. “Este tema é absolutamente pertinente inserido numa Jornada Mundial da Juventude e numa coisa católica que, na verdade, é para todos. A questão da gravidez inesperada e da dúvida em relação a ‘como é que vou conseguir ter este bebé’ é uma situação que acontece cada vez com mais frequência”, aponta Rita.
E há mesmo “jovens de todas as idades” a pedirem apoio. “Costumamos dizer que uma grávida em dúvida é qualquer mulher em idade fértil, entre os 16 e os 42 anos. Temos um gráfico que mostra que é uma coisa muito homogénea, mas há uma prevalência talvez dos 18 anos e dos 30 e qualquer coisa, mas é geral”.
Tatiana, também a vestir a camisola do apoio à vida, disse ainda ao SAPO24 que era importante “mostrar o desenvolvimento das crianças, do início ao fim”, para dar apoio às mulheres que pudessem estar com dúvidas quanto a prosseguir com a gravidez. Para esse efeito, vários modelos de bebés estavam pousados em cima de um cubo, com a devida identificação das semanas correspondentes.
Mas voltemos ao grupo que lá parou. Quatro das cinco jovens, todas entre os 14 e os 15 anos, começam por confessar ao SAPO24 que, num primeiro instante, pararam no stand por verem que “havia um jogo”. Mas depois perceberam que o tema era sério — o jogo era uma encenação de vários confrontos possíveis de uma mulher grávida — e ficaram a ouvir.
"Chamou-nos a atenção por ser muito diferente. Nos outros sítios era tudo muito sobre Jesus e tudo o mais e aqui é sobre fertilidade. É outro tema que também é muito importante na Igreja e na vida de uma mulher”, começa por dizer Mariana ao SAPO24. “Só víamos coisas de freiras, coisas mesmo mais religiosas”, acrescenta Teresinha a rir.
Logo ao lado, Catarina diz que, de facto, não seria “um assunto que se fale a propósito de uma Jornada Mundial da Juventude”, mas nota que não é novidade e que “falamos disto na escola”. Maria não concorda na totalidade e diz que “é importante falarem do tema porque não se fala assim tanto” associado à Igreja, embora por vezes chegue à catequese.
“Mas é bom, porque há muitas mulheres que ficam sozinhas na gravidez e muitas pedem auxílio à Igreja por precisarem de ajuda para manter o filho. E manterem o filho, mesmo sozinhas, é também uma decisão da sua fé”, atira Teresinha, de resposta pronta.
Com isto, vem à baila a questão do aborto, que a Igreja Católica condena. “É uma coisa muito falada, há um grande debate entre as pessoas que apoiam e as que não apoiam, mesmo dentro da Igreja. É uma coisa muito política, mas que envolve mais do que isso, refere Mariana.
De seguida, um alerta que gostaria que chegasse a todos: “percebo que haja pessoas que têm a mentalidade tradicional, mas hoje a Igreja devia ser mais aberta a estes temas”.
Com atenção redobrada, uma outra peregrina lia tudo o que estava nas paredes do stand. Carla tem 27 anos e veio de Fortaleza. “A temática chamou-me a atenção. Sou médica lá no Brasil e o nome ‘apoio à vida’ despertou curiosidade, porque é algo que eu busco dentro da minha vida profissional e na minha vida religiosa, na minha busca por Deus”, explicou ao SAPO24.
“A gente vê as imagens dos recém-nascidos conforme as semanas e vamos sentindo como é a vida. Não é mais vida ou menos vida, é sempre a vida e nos faz querer lutar por essas vidas que ainda não falam”, frisou.
Pela profissão, conjuga o que aprendeu na faculdade e o que diz a Igreja. "Aprendemos todo o processo e o amor de Deus desde o início. Quando a gente pensa que tudo isto foi Deus que criou, a gente se sente muito amada por Deus, porque criou o corpo da mulher, o corpo do homem, o corpo da mulher formado em ciclos. Assim vamos entendendo, na parte biológica, sempre associando com a criação divina, o amor de Deus por nós, que pensa em nós desde antes de termos vida”.
“Eu cheguei e vi um grupo de jovens portuguesas e foi super legal a abordagem que as meninas aqui do stand estavam fazendo para trazer tudo isto para a realidade delas. Estas matérias são vistas na escola, mas a gente vê que, cada vez mais, é uma realidade mais próxima deles. Então é importante a mulher entender o seu ciclo e o seu corpo da maneira que Deus criou”, recordou Carla.
Por isso, apesar de achar que ainda é “um desafio”, a médica considera que” aos poucos a Igreja vem ajudar” os jovens a olharem para estes temas. “É importante o diálogo, adaptar a linguagem sem ser tanto de escola, mas numa realidade mais próxima da realidade deles”.
“A gente precisa de se conhecer e cuidar da nossa saúde, tanto para a menina como para o menino que pensa em futuramente casar e que deve saber conhecer os ciclos da mulher. Os ciclos vão mudando, o humor vai mudando”. E dá um exemplo muito pessoal: “hoje meu esposo entende que eu tenho ciclos, que às vezes estou mais vulnerável, mais sentimental, mais chorosa, e é legal ele entender isso e estar mais disponível para me ajudar”, remata.
Vanessa é enfermeira parteira e também esteve no stand, para dar a conhecer "The Beginning of Life" e falar de métodos de planeamento familiar e monitorização de saúde feminina.
Já depois do fim da JMJ, explica ao SAPO24 a importância da presença destes temas na Cidade da Alegria. "A experiência da promoção do autoconhecimento e da descoberta da beleza do corpo, especialmente do feminino, tem sido demasiado apaixonante e poderosa para não partilharmos. Sentimos esta urgência de contar isto a toda a gente, porque a frase que ouvimos mais dos nossos clientes é 'porque é que só soube disto agora?'. Por isso, achámos que a JMJ era uma oportunidade fantástica para partilhar estes conhecimentos da ciência com os jovens de todo o mundo", justifica.
Para ajudar a passar a mensagem, um jogo, recorrendo a um útero gigante cor-de-rosa: "BaskEggBall". "Os jovens eram como que ovários e tinham de lançar os óvulos para dentro das trompas e foi tão cómico! Depois víamos o zigoto humano a entrar no útero e também tínhamos um mecanismo para explicar a menstruação", descreve. E acrescenta uma nota importante: "menstruação em vermelho e não azul como nos anúncios dos absorventes". Para a enfermeira, tudo isto foi apresentado "com naturalidade, sem preconceitos, nem tabus, nem palavras em vez de outras".
Apesar de ser algo que quase parecia estranho num evento como a Jornada Mundial da Juventude, "a reação [dos jovens] foi incrível".
"Agradeceram imenso o nosso trabalho, víamos os olhos a brilhar quando explicávamos como funciona o sistema reprodutor e, em particular, as jovens vibravam com esta novidade de um movimento feminino dentro da Igreja que defende o direito à ovulação, que grita que merecemos mais do que a contraceção e que é lindo ser mulher e que o ciclo é sinal de saúde", evidencia.
Com isto, não há dúvidas de que "o útero é que era o chamariz", reflete. "Vi muitas caras chocadas e muitas bocas abertas, mas pela positiva, imensa gente a querer tirar fotos e a regozijar quando percebiam a nossa coragem em falar destes temas, mas sempre alinhadas com a verdade do ser humano".
Ou seja, "a biologia por trás da teologia", adianta. "O corpo conta uma história e através do corpo conseguimos chegar ao sentido da vida e do amor humano. Acima de tudo, a provocação deu lugar à reflexão e à afirmação do que muitos jovens já traziam no coração".
Para Vanessa, o principal objetivo "era falar da beleza do corpo humano a todos, todos, todos", refere, em alusão à frase do Papa Francisco que marcou também a JMJ.
"Quando faziam mais perguntas, então encaminhávamos para outros especialistas nessa área. O que sentimos foi que os corações estão sedentos de um amor que sacie e que faça sentido, muito mais do que aventuras passageiras. Mas, para dar resposta, temos de falar abertamente, tratar as coisas pelos nomes certos, sem tabus, sem brejeirice, mas com verdade e respeito pela grandiosidade do ser humano", diz a enfermeira.
Po isso, "compreender a biologia também nos ajuda a compreender a teologia. Quando se percebe que a relação sexual é uma entrega total, sem reservas, sem medos e que, dessa forma, até o prazer é maior, então não vamos querer menos. Menos não vale a pena. Lutemos pela verdade e pela beleza", conclui.
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