Depois de explicar que os desfiles da celebração da independência têm contornos distintos no Brasil e em Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa foi instado pelos jornalistas a comentar a “uma terceira parte” do desfile onde se gritaram palavras de ordem contra os candidatos às eleições presidenciais de 2 de outubro.

“Na tribuna onde estava, não ouvi nem essas nem outras palavras de ordem”, adiantou. Já perante a revelação de que esteve acompanhado na tribuna de Luciano Hang — um dos empresários alvo de investigações da Polícia Federal brasileira por suspeita de terem defendido um golpe de Estado caso o Lula da Silva (PT) vença as eleições — Marcelo Rebelo de Sousa justificou-se, dizendo que não controla quem se encontra com ele.

“Como sabem, tirei fotografias e selfies um pouco por todo o lado — já me aconteceu também em Portugal — com muitos cidadãos que não conheço e não pude controlar quem seria”, disse.

Tendo lembrado que não foi o único chefe de Estado convidado para assistir às comemorações — Umaro Sissoco Embaló, Presidente da Guiné-Bissau, e José Maria Neves, Presidente de Cabo Verde, também estiveram presentes —, Marcelo, todavia, continuou a ser questionado quanto à sua proximidade a Bolsonaro e o vice-presidente do Brasil, Hamilton Mourão, já que esteve sentado entre os dois.

De acordo com a enviada da agência Lusa Inês Escobar de Lima, esta foi uma cerimónia institucional com ambiente de campanha eleitoral, perante uma multidão vestida de verde e amarelo, durante a qual se ouviram gritos de apoio a Bolsonaro e palavras de ordem contra o ex-Presidente do Brasil Lula da Silva, seu adversário na eleição presidencial de 2 de outubro.

Durante algum tempo, o lugar do chefe de Estado português na tribuna foi tomado por Luciano Hang, apoiante de Bolsonaro, que teve acesso ao espaço do próprio desfile, onde foi saudar a multidão.

Confrontado com a noção de que terá tomado parte num evento que se tornou num comício pró-Bolsonaro, Marcelo justificou que, nas celebrações do Dia de Portugal de 10 de junho, também foi alvo de ovações.

"Aconteceu-me, no 10 de junho, eu ir a pé durante o percurso, com tribunas dos dois lados, a ser ovacionado por razões que não tinham certamente a ver apenas com o 10 de junho, mas com a simpatia das pessoas em relação a mim. Isso faz parte da lógica destas cerimónias públicas, que é o público apupar ou ovacionar", sublinhou Marcelo. O chefe de Estado português deu o exemplo de quando se deslocou esta terça-feira ao Palácio Itamaraty, tendo sido ovacionado à entrada mas colhido algumas críticas à saída. "A política é isso", atirou.

"Eu estou aqui para representar Portugal num momento histórico, fosse qual fosse o presidente. As pessoas têm de perceber que a campanha eleitoral dura "xis" tempo, o mandato do presidente dura muito mais e a história de 200 anos dura mais ainda. O que fica para a história é que Portugal esteve presente", defendeu.

"As pessoas têm de saber distinguir o que une os povos, une as nações, une os estados, e o facto de realmente haver em determinado momento haver um presidente que se chama 'a' e outro que se chama 'b'", acrescentou, depois de recordar que, nas comemorações dos 100 anos da independência do Brasil, Portugal se fez representar, apesar de estar a atravessar a grave crise política dos anos finais da Primeira República.

"Portugal tem relações diplomáticas com democracias e com ditaduras", continuou Marcelo, acrescentando que convidou e foi convidado "independentemente dos regimes, das personalidades ou das conjunturas políticas serem parecidas ou não". "O que interessa é que há um milhão de portugueses a viver no Brasil e 250 mil brasileiros a viver em Portugal. E esses continuarão a lá viver, qualquer que seja o presidente, qualquer que seja o governo", afirmou.

"A minha função é representar a nação portuguesa, não é representar o professor ou ou Presidente Marcelo Rebelo de Sousa num momento histórico", frisou, lembrando os "séculos de história comum com o Brasil". "Eu venho aqui num gesto histórico. Este é um momento histórico, e não é histórico por haver uma eleição, é histórico porque são 200 anos de vida de um Brasil independente, que é um orgulho para nós", concluiu Marcelo Rebelo de Sousa.

O desfile cívico-militar do feriado em que se comemora a independência do Brasil em relação a Portugal, proclamada há 200 anos, durou cerca de duas horas. Altas entidades brasileiras como os presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Suprem Tribunal Federal não compareceram.

Na Esplanada dos Ministério desfilaram desde viaturas militares a tratores e outras máquinas agrícolas e carros de bombeiros. Aeronaves e helicópteros militares cruzaram o céu de Brasília.

No início da cerimónia, ouviu-se o hino nacional brasileiro e depois o hino da independência do Brasil, cuja autoria é atribuída a D. Pedro, em que se canta "ou ficar a pátria livre ou morrer pelo Brasil", e o tema "Minha pátria para Cristo".

Terminado o desfile, Bolsonaro deslocou-se até um carro de som noutro ponto da Esplanada dos Ministérios de onde fez um discurso de campanha em que alegou ter combatido a corrupção e ter colocado o Brasil com uma "economia pujante".

Declarando que foi Deus quem lhe deu a visão para comandar o país nos últimos quatro anos, Bolsonaro defendeu que está em causa nesta eleição "uma luta do bem contra o mal".

*com Lusa