Ainda existindo muitas questões em aberto sobe o que aconteceu à diferença entre PS e PSD, que parecia estar a diminuir com o avançar da campanha, é importante olhar para os dados das eleições pois estes dão-nos boas pistas para compreendermos o que se passou este domingo.

Começando pelo campeonato do terceiro lugar, luta que parecia muito competitiva nas sondagens, o vencedor é claro. O Chega termina este ciclo de eleições (Presidenciais, Autárquicas e Legislativas) consolidando-se no espaço das médias forças políticas. Surgindo nesta eleição em terceiro lugar, mesmo que abaixo do esperado pelo seu líder antes da campanha (André Ventura queria eleger 15 a 25 deputados e ultrapassar a barreira dos 10% dos votos).

Esta consolidação pode ser vista no Mapa 1 (abaixo), onde se mostra qual a terceira força política mais votada em cada município. É evidente pelos resultados no Norte, no Centro e no Algarve que o Chega está consistentemente implantado em quase todo o território português. 

A grande exceção a este domínio é o Alentejo, cujos terceiros lugares são ainda dominados pelo PCP e pelo PSD. Nos concelhos onde surge o PSD em terceiro lugar, é por se encontrar atrás do PCP, onde este mantém a segunda posição. Uma situação semelhante pode ser detetada nos concelhos a norte da margem sul da Área Metropolitana de Lisboa, também colorida por tons laranja e vermelho.

Outro território onde o Chega parece estar a ter mais dificuldades a implementar-se é no Norte litoral. Aqui encontramos os bloquistas em terceiro em concelhos como Ovar, Santo Tirso, Santa Maira da Feira, Espinho e Gondomar. Já os liberais conseguem o terceiro lugar em lugares como Maia, Braga, Matosinhos, Porto e Vila Nova de Gaia. É interessante notar que em quase todos estes concelhos a quarta força não é o Chega, mas sim a IL nos casos em que o BE é terceiro; e o BE onde o IL é terceiro.

A Iniciativa Liberal consegue também ser a terceira força em Lisboa, Oeiras e Cascais. O BE surge como terceiro colocado em Coimbra e Góis, e o CDS, embora tendo uma grande derrota eleitoral, ainda consegue ser o terceiro classificado em Ponte de Lima e Vale de Cambra.

Mapa 1 - Terceira força política mais votada em Portugal Continental por município. Fonte: MAI

Olhando agora para o grande vencedor da noite, o PS não só superou as expectativas traçadas pelas sondagens, conseguindo a maioria absoluta, mas fê-lo ganhando em todos os círculos eleitorais, com exceção da Madeira. Surgiram por isso muitas teorias sobre as transferências de voto que podem explicar este volte-face inesperado. No entanto, essa possibilidade só poderá ser verificada por sondagens pós eleitorais – ou seja, por inquéritos que perguntem diretamente aos eleitores em que votaram no passado. Contudo, os dados concelhios sugerem algo.

Gráfico 1 - Diferença na votação no PS e nos partidos à sua esquerda por município. Círculos pretos representam municípios e a linha azul a tendência geral. Fonte MAI

O Gráfico 1 (acima) parece apontar para uma transferência de votos de BE e PCP para o PS. Por exemplo, no concelho da Moita, distrito de Setúbal, os dois partidos mais à esquerda perderam cerca de 15 pontos percentuais, passando de, em conjunto, valer 35% do voto em 2019 para cerca de 20% em 2022. Ao mesmo tempo, os socialistas cresceram cerca de 12 pontos percentuais, passando de 37% para 49%.

Mas esta correlação não se cinge a este município. Em vários municípios, onde o PS cresce cerca de 10%, o BE e PCP foram confrontados com perdas combinadas de pelo menos 15%, como podemos ver nos pontos pretos no canto inferior direito do gráfico. Por outro lado, encontramos vários concelhos onde o PS teve resultados eleitorais semelhantes a 2019, e onde os dois partidos mais à esquerda tiveram quedas menores, na ordem dos 5%. Assim, pode-se concluir que os socialistas tendencialmente crescem mais onde os seus antigos parceiros da gerigonça mais perdem.

Porém, é preciso notar que isto não significa necessariamente que foram os baixos resultados socialistas apontados pelas sondagens da última semana de campanha que levaram os eleitores do BE e do PCP a trocar o voto para o PS. Aliás, os dois partidos mais à esquerda não ficaram muito longe do que esperado pelas sondagens. Por seu lado, o PS conseguiu um resultado bastante superior ao antecipado. O que parece colocar em dúvida a ideia de que ocorreu uma transição de última hora.

Finalmente, vale ainda refletir sobre a relação do voto do PS e do PSD. No Mapa 2 (abaixo), podemos ver onde cada um destes partidos ganhou vantagem em relação ao outro, relativamente à eleição passada. Ou seja, as áreas com tonalidade mais forte de rosa são onde o PS conseguiu uma maior diferença em relação ao PSD, comparando com os resultados de 2019. Por exemplo, em São João da Pesqueira, distrito de Viseu, onde PS perdeu por 9% em 2019, agora ganhou por 6%, significando uma vantagem de 15 pontos percentuais nesta análise. Por outro lado, Reguengos de Monsaraz surge a laranja mais marcado, uma vez que a margem de vitória do PS passou de mais de 28% para menos de 20%, ou seja o PSD ganhou 8 pontos percentuais entre os dois actos eleitorais.

Olhar para o Mapa 2 (abaixo) revela algumas variações curiosas. Se vemos que na generalidade dos municípios o PS ganhou vantagem em relação ao seu principal rival, não o fez em todo o território. No Algarve, no interior Alentejano e no interior de Trás-os-Montes, o PSD conseguiu ainda ganhar alguma vantagem em relação aos socialistas. Em sentido contrário, é nos distritos de Coimbra, Guarde, Viseu e Vila Real onde o PS ganhou uma maior vantagem em relação aos sociais-democratas. Sendo a mesma preocupante para o PSD, dado que era nestes distritos onde se encontravam alguns dos seus bastiões mais importantes. E será interessante ver, nas próximas eleições, qual o futuro destes bastiões: se voltam a votar mais à direita ou se esta eleição inaugurou um maior ciclo competitivo entre PS e PSD nestes círculos eleitorais.

Mapa 2 - Diferença entre votação PS e PSD, em 2022, quando comparado com a mesma diferença em 2019. Fonte: MAI

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António Luís Dias é investigador de Ciência Política no ICS — Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e no IPRI-NOVA - Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa.

Nota metodológica: no Grafico 1, para melhor compreender o impacto do crescimento do PS sobre a prestação eleitoral combinada do BE e do PCP, somou-se o resultado obtido por estes dois partidos em cada município em 2019 e 2022. E depois subtraiu-se ao resultado mais recente, o de 2019, valor colocado no eixo vertical. Isto permitiu evidenciar a correlação negativa entre os dois resultados eleitorais.