A "Junta de Boys" é um programa de humor, político e não só, com a mira apontada ao poder local. Auto-eleita em 2018, pelos quatro elementos que a constituem — João Nogueira Dias, Luís Tarroso Gomes, José Ferraz e Daniel Vieira da Silva — reúne-se quinzenalmente para "deliberar sobre a atualidade bracarense".
À primeira vista (ou audição), saltam logo algumas comparações. Esta "Junta" tem algo de "Governo Sombra", no formato, de "Jovem Conservador de Direita", no estilo, e de "Insónias em Carvão", na imagem. Nenhuma das referências é negada, mas a estas somam-se outras, como as personagens de Herman José (o próprio nome já dá algumas pistas nesse sentido, recorde-se a rábula “Eu é que sou o Presidente da Junta”), o "Inimigo Público" ou os "Monty Python".
No ar na antena da RUM (Rádio Universitária do Minho) desde que tomaram posse, a "Junta de Boys" foi notícia na última semana: por decisão da rádio, o programa foi retirado da grelha (explicamos mais abaixo todos os contornos). O tema chegou às redes sociais, aos Mão Morta e a mais uns quantos fregueses, que escalaram o caso.
Mas quem governa esta Junta, que não consta das mais de 3 mil espalhadas pelo país? Sobre o que delibera e o que lhe acontecerá agora que perdeu a sua sede? Pedimos uma audição com estes ‘boys’.
Eles é que são os Boys da Junta
Todas as Juntas de Freguesia têm um presidente e esta não é exceção. Daniel Vieira da Silva assume o papel, ele que já foi jornalista e diretor de informação da RUM. Numa conversa por Zoom, que juntou também Luís Tarroso Gomes e José Ferraz, contam que o programa "nasceu para debater e trazer a público alguns temas da cidade" de Braga, "sem qualquer agenda política", mas sempre com "algum humor".
Os 'boys' frisam que "não são, ou pretendem, ser humoristas" — dois são advogados e os outros estão ligados à área da comunicação —, "nem oposição". Os temas variam, mas o alvo é quase sempre o mesmo: Ricardo Rio, presidente da Câmara de Braga (ainda que identifiquem nas próximas autárquicas, as primeiras desta "Junta", uma oportunidade para satirizar a oposição).
"A oposição acaba por ter um papel mais curto, limitada às reuniões de Câmara, quinzenais, ou às Assembleias Municipais, de dois em dois meses, enquanto a autarquia está permanentemente a comunicar coisas que nos dão motivos para brincar", explicam.
"Ao longo do programa fomos inventando algumas entidades, como o primo ou a Frossos Analytics, que nos traz informações confidenciais [Frossos é uma freguesia de Braga]. O público que nos segue já as reconhece", acrescentam.
E quem é o público da "Junta de Boys"? "São pessoas maioritariamente de Braga, interessadas no que se passa na cidade e que não se ficam apenas pela comunicação da própria autarquia", dizem. "Aquilo que tratamos, muitas vezes e infelizmente, não é tratado em mais lado nenhum", apontam, deixando a crítica à comunicação social regional.
Como não podia deixar de ser, a transformação digital também chegou a esta "Junta", que recorre às redes sociais — Facebook e Instagram — para comunicar com os seus fregueses. Assim, a crítica e sátira não se limitam à hora de programa quinzenal, apoiando-se noutros suportes (vamos dizer montagens) para fazer a mensagem passar. "Como boa Junta que somos, adjudicamos alguns serviços. Essas imagens são um primo nosso que faz", respondem, sem despir a personagem, quando perguntamos pelas imagens.
A pandemia obrigou-os a reunir virtualmente, o que levou a que às vozes e nomes se somam-se também as caras. Desde março do ano passado que a reunião é virtual e transmitida no Facebook, garantindo os 'boys' que não mudou nada.
"Não nos escondemos atrás de uma máscara. Cada um de nós tem a uma opinião em relação às várias coisas que acontecem na cidade e faz parte desta 'Junta' dizermos o que pensamos".
Já sobre tachos, favores ou benefícios em troca de benefícios, os "Junta de Boys" garantem que o clientelismo se resume ao nome, já que o estatuto não lhes trouxe ganhos. Dizem-se, porém, disponíveis para "alargar as caixas de correio para receber alguns cabazes".
De local a nacional
Aquilo que era (ou é) um programa com abrangência local viu-se, de um dia para o outro, nos títulos de quase todos os órgãos de comunicação nacionais. E a ‘culpa’ foi dos Mão Morta.
Três elementos da banda de “E se depois”, também de Braga, fizeram saber na semana passada que a rádio universitária estava proibida de passar a sua música. E não só a dos Mão Morta. Isto porque Miguel Pedro, Adolfo Macedo (mais conhecido pelo nome Adolfo Luxúria Canibal) e António Rafael integram os Mão Morta (os dois primeiros desde a fundação e Rafael desde 1990), mas estão também ligados a projetos como Mundo Cão, Estilhaços, Um Zero Amarelo, entre outros.
Na sequência da decisão, a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) notificou a RUM de que se devia abster, “de imediato”, de utilizar as obras dos três músicos.
Em causa estava um "protesto contra uma censura grotesca da RUM a um programa de autor e de humor, que caricaturava algumas situações da vida da cidade e do concelho”, disse contou à Lusa o músico Miguel Pedro.
“Somos amigos dos autores do programa ["Junta de Boys"] e não podíamos ficar calados com o que está a acontecer, uma censura verdadeiramente inadmissível”, disse ainda o baterista.
E se a RUM decidir passar músicas dos Mão Morta depois desta proibição? “Se o fizer poderá incorrer em responsabilidade civil ou mesmo em responsabilidade penal”, explica ao SAPO24 Carlos Madureira, advogado e diretor do departamento jurídico da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA).
“Agora compete à SPA informar [a rádio] sobre quais são as obras [visadas] para que a rádio possa, em concreto, saber quais não pode reproduzir”, acrescentou Carlos Madureira.
De acordo com a SPA os autores das obras “têm o direito exclusivo de as dispor, fruir e utilizar, ou autorizar a sua fruição ou utilização por terceiro”.
Esta não é a primeira vez que uma banda nacional proíbe uma rádio de passar a sua música, mas “são raras as situações”. “São tão poucas”, garante o advogado, “que por isso é que gerou notícia”. “Se fosse prática habitual este tipo de situação, não era notícia, era mais uma”, remata, sem especificar quando foi o último caso e quantas vezes a SPA já foi notificada neste sentido.
Um ficheiro de áudio e o comunicado da RUM
Um dia depois da polémica, e em comunicado, a rádio rejeitou as acusações de censura, garantindo ter “respeito pelos valores da liberdade de expressão e informação”.
Num comunicado em sete pontos, publicado no seu site, a RUM, que é propriedade da Associação Académica da Universidade do Minho, explica que a decisão foi motivava pela "partilha do ficheiro de áudio do conteúdo informativo de uma entrevista para efeitos de entretenimento antes da sua disponibilização ao público nas plataformas digitais", algo que considera ter colocado “em causa o princípio de que os programas de autor são independentes dos conteúdos informativos produzidos pela própria rádio”.
O ficheiro em causa diz respeito “a uma entrevista ao cónego José Paulo Abreu, no âmbito do programa ‘Campus Verbal’”, confirma a "Junta de Boys" numa publicação no Facebook.
“No dia 9 de fevereiro, foi emitida na RUM uma entrevista ao cónego José Paulo Abreu, no âmbito do programa “Campus Verbal”. No dia 11, ou seja, dois dias depois, a Junta de Boys utilizou um excerto dessa entrevista”, explicam.
“Se é certo - e irrelevante - que o som em causa ainda não se encontrava no site da RUM, não é menos certo que pôde ser ouvido - e gravado - por qualquer pessoa situada entre o Monte da Virgem e o Monte de Sta. Luzia, portadora de um transístor com acesso a telefonia em FM ou, em todo o Mundo, através de um dispositivo electrónico com ligação à World Wide Web”, ironizam.
No mesma publicação, a "Junta de Boys" diz não entender “em que medida a utilização, por parte de um programa da RUM, de um som emitido na RUM dois dias antes prefigura delito imperdoável que justifica o cancelamento de um programa que está a ser emitido há 3 anos”.
No entanto, na nota já referida, e a única posição da rádio sobre o tema, a RUM recorda que o programa em causa “já era transmitido em diferido”, à segunda-feira, “depois de ser transmitido em direto ao domingo nas redes sociais, através das quais chegava em primeira mão a um público mais alargado”.
“Nesse sentido, a decisão da Rádio Universitária do Minho não configura qualquer ataque à liberdade de expressão nem a liberdade dos intervenientes no programa é, de alguma forma, posta em causa por esta decisão, na medida que a sua continuidade está assegurada pelos meios próprios que o programa adotou há cerca de um ano a esta parte”, acrescenta a rádio da Associação Académica da Universidade do Minho.
Por fim, a RUM refere que, “apesar dos ataques expressos no espaço público ao longo dos últimos dias”, esta “entende que cumpriu a sua missão e a sua tradição de apoio e impulso ao lançamento de projetos inovadores e agradece ao autor e restantes intervenientes no programa pela sua colaboração ao longo destes anos de emissões”.
Já os 'boys', ao SAPO24, dizem que continuarão a ser ouvintes da rádio local, tecendo elogios aos profissionais que lá trabalhem e à escolha musical e preferem "não alimentar mais a questão" da polémica.
"Isto é como num jogo de futebol, o nosso foco está no próximo jogo, há que levantar cabeça e fazer um bom programa". É desta forma que a "Junta de Boys continuará!", com a reunião a manter-se quinzenal e apenas “através dos meios que a pandemia nos forçou a utilizar”.
Mas há uma novidade: "estamos agora também no Spotify”, com "todo o nosso arquivo desde 2018 disponível para pesquisa livre e assinatura gratuita na maioria das plataformas de podcast e para todas as arquiteturas de hardware".
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