Há uma semana, metiam-se trancas às portas, na esperança de que fosse suficiente para travar a força do mar. Mas não foi.
À entrada da baía do Porto Pim está o restaurante Genuíno, que é já um marco na zona. Genuíno Madruga, o dono, é um homem do mar, já correu o mundo num solitário e as provas decoram as paredes e as mesas do restaurante que abriu há cinco anos.
Sabe que, ali, “o mar, por vezes, não é brincadeira nenhuma”. Por isso, teve “em conta todo este passado” quando construiu o edifício. Do estabelecimento ao mar distam oito metros, mas, por precaução ou sorte, o mar não entrou.
Ainda assim, a noite que inaugurou o mês de outubro “foi para não esquecer”, afirma o navegador. “Assim que foi possível chegar ao restaurante, pelas sete da manhã, não era possível ficar aqui. O mar e o vento eram de tal forma, que não era possível”, conta.
“A gente aqui vive no Atlântico Norte, portanto, mais ano menos ano, mais mês menos mês, vamos assistir a estas situações. Tanto mais com estas alterações que existem – efetivamente existem, não é só conversa –, as alterações do clima, é bom que as pessoas estejam atentas, porque vão surgir fenómenos destes com mais intensidade e com mais frequência”, diz também.
Desta vez, o seu restaurante escapou à tragédia que assolou muita da vizinhança, mas admite que “a força da natureza é muito superior àquilo que a gente pode imaginar".
"Mesmo construindo edifícios à prova de tudo, há de chegar o dia em que aquilo não vai ser suficiente”, garante.
Igor Andrade trabalha, há cerca de uma semana, numa padaria no Porto Pim. Mora na Matriz, que não foi muito afetada pelas intempéries. Na manhã de quarta-feira passada, acordou por volta das 10:00 e juntou-se à família, que, reunida na sala, acompanhava pela televisão os acontecimentos.
“As ruas estavam todas destruídas, cheias de lixo, madeiras, cadeiras, houve casas que ficaram sem telhas, as mobílias a flutuar”, conta Igor.
Ao ver aquele cenário, ligou à avó, que mora ali mais à frente. A avó de Igor tinha “o teto a pingar”, mas recorreu ao Facebook e ao Instagram para apelar a que a ajudassem com telhas “e, em menos de um dia, ficou resolvido”, adianta.
O jovem destaca que, depois da tempestade, “uniram-se todos para se ajudar uns aos outros".
"Deram comida, roupa, tiveram a ajudar a limpar a praia”, relata.
É essa união e o sentido de comunidade que vale a quem viu o mar entrar pela porta adentro.
Foi o caso das vizinhas Maria de Jesus e Hermínia Santos, que moram em frente ao Portão do Porto Pim e viram as ondas a galgar por cima da imponente estrutura.
A noite foi passada em branco. Até às 04:00, as vizinhas iam trocando mensagens, para saber se precisavam de alguma coisa, mas, a certa altura, as mensagens pararam.
“Eram 08:15, eu já tinha água pela cintura”, afirma Hermínia. “Por dentro da porta, via, acima da minha cabeça, a água do mar cá fora. Ali a estatueta do dr. Luís Decq Mota estava tapada. Não se via nada. Isto aqui parecia o mar”, narra a moradora.
Maria de Jesus mora naquela casa há 33 anos. “O mar já me bateu muita vez à porta, mas nunca entrou. Não como desta vez. Fica gravado na memória”, atira.
A água causou-lhe estragos em todo o rés-do-chão. Ativou o seguro, mas o montante que lhe foi atribuído, de 3.800 euros, não chega para os prejuízos, que estima que ascendam aos dez mil euros e, por isso, vai contestar.
Por agora, conta com o apoio da vizinhança que “tem sido incansável".
"Não há palavras”, reitera.
Uma ajuda que é essencial para a vizinha, Hermínia Santos, que não tem seguro do recheio da casa. Até agora, já lhe ofereceram um frigorífico, uma máquina de lavar roupa, um móvel que, infelizmente, era grande demais para a sua sala, e coisas mais pequenas, como lençóis.
“O que tem feito mais falta tem sempre aparecido, sempre”, sublinha.
Sofia Pereira, uma jovem de 23 anos, perdeu o atelier onde produzia artesanato, bem como muito do que tinha no rés-do-chão da casa onde vive com a avó.
“A noite correu bem”, considera a artesã: “Desde as duas da manhã, andava a enxugar a água que entrava por debaixo da porta. Meti cobertores, meti várias coisas para ir enxugando a água, para não passar para o resto da casa” conta. Um procedimento que várias tempestades já a tinham habituado.
O pior veio de manhã. “Às 07:05, a porta rebenta. A parte debaixo, a almofada da porta, rebentou. Era uma porta de alumínio e rebentou por baixo. Eu vim parar cá atrás ao quintal. A minha preocupação foi segurar a porta de madeira da casa, para proteger o atelier. Quando eu olho para a rua e começo a ver as minhas coisas todas já a boiar, a porta da garagem já tinha rebentado. A partir daí, não havia nada a fazer”, relata.
Sofia não tem seguro. O que se antevê é “trabalho de anos, não é de uma semana, nem duas, nem três”, para recuperar o que perdeu. Resta-lhe a ajuda, que conta que chegou até de antigas professoras.
Criou, também, uma petição no Facebook, em que espera conseguir angariar dois mil euros, que serão, também, canalizados para adquirir as máquinas de que precisa para trabalhar. Mas, até agora, conseguiu apenas 150 euros.
“Perdemos as duas coisas. Nem uma coisa, nem a outra: nem o trabalho para recuperar a casa, nem a casa para ajudar a incentivar para alguma coisa”, lamenta.
A passagem do furacão “Lorenzo” pelos Açores, na madrugada e manhã de quarta-feira, dia 02 de outubro, provocou mais de 250 ocorrências e obrigou ao realojamento de 53 pessoas.
*Por Inês Linhares Dias/Lusa
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