“Escultura e reciclagem” foi o tema escolhido por Diogo Nunes para o mestrado em Belas Artes. Trabalha atualmente numa peça que integrará uma exposição coletiva, dedicada ao antigo cônsul Aristides de Sousa Mendes, feita a partir de uma cadeira que encontrou perto de casa. Ficará patente na Presidência do Conselho de Ministros, revelou.
“Ao fazer uma escultura com materiais reciclados estou a não utilizar uma cadeia de produção que tem um impacto ambiental grande, seja na extração da matéria, seja no impacto carbónico que a indústria toda tem no processo até à chegada do material. Ao mesmo tempo, há a questão do desperdício. Tento incorporar essas duas vertentes no meu trabalho”, contou o jovem à reportagem da agência Lusa na mais antiga escola superior de artes do país.
As questões da sustentabilidade do planeta e das alterações climáticas que estarão em foco na cimeira da Organização das Nações Unidas (ONU) na próxima semana, em Glasgow, Escócia, fazem cada vez mais parte das preocupações dos alunos de artes, onde nem sempre é fácil contornar a utilização de materiais tóxicos.
“O discurso das artes em relação ao clima tem-se diversificado bastante nos últimos tempos. Tento posicionar-me em relação a esses discursos não abordando os temas em si, mas tentando que a minha arte incorpore uma forma de fazer que seja de acordo com essas preocupações”, afirmou.
Ao longo dos três anos de licenciatura Diogo aprendeu a trabalhar o metal. No último ano, tem recolhido materiais usados e descartados para desenvolver esculturas. Pondera também trabalhar com cartão, no futuro, um material que considera ter “muitas potencialidades que ainda não foram exploradas”, além de ser “barato” e de se encontrar facilmente na rua.
Nos últimos anos, Diogo intensificou a pesquisa sobre a relação da escultura e da arte com as questões ambientais. O escultor nórdico Olafur Eliasson é para o jovem artista uma figura incontornável, a par do trabalho no terreno dos ´land artists´.
Alice Alves terminou o curso de escultura, com as mesmas preocupações em mente. Desde o ensino secundário que procurou usar materiais reciclados. “Na faculdade é sempre difícil conseguir trabalhar só com materiais reciclados. Por vezes acabamos por gastar mais recursos para conseguir chegar ao objetivo final que queremos no trabalho. Então, tem sempre de haver uma balança entre os materiais reciclados e alguns materiais que temos de comprar”, defendeu.
“As alterações climáticas influenciaram sempre o meu trabalho, desde muito nova”, assumiu a jovem escultora, que criou um conjunto de peças a partir de materiais retirados das antigas minas do Lousal, em Grândola, no âmbito de um trabalho para o último ano do curso.
Alice tem trabalhado sobretudo temas relacionados com a natureza. No Lousal explorou o lastro das minas e os problemas deixados ao ambiente, as lagoas ácidas e a contaminação dos solos por fertilizantes feitos a partir de compostos tóxicos.
“Retirei todos os componentes que foram extraídos da mina [pirite, calcopirite, galena, sulfato de ferro], trabalhei sobre as suas formas atómicas e sobre todos os problemas que estão à volta daquela extração, que foi muito pesada para o ambiente”, explicou.
O trabalho dos alunos vai integrar uma exposição, a inaugurar em novembro, no Lousal, numa iniciativa com a qual se pretende também homenagear os mineiros e lembrar “todas as cicatrizes” que as minas deixaram na terra e nas pessoas.
Catarina Farinha trabalha em cerâmica e tem o barro como material de eleição por ser “infinitamente reciclável”.
“Mesmo que eu o coza ou que agora, sem querer, cometa um erro, posso simplesmente voltar a pôr isto na água e voltar a utilizar. Posso estar sempre a utilizar este material sem estar a prejudicar o ambiente”, demonstrou.
Ao lado, Diogo Ferreira, que está a tirar a licenciatura em escultura, especializado em metais, vê também na arte uma forma de intervenção.
No ano passado dedicou-se a um projeto, “Os Homens do Lixo”, em que pegou em materiais já sem uso para os transformar em capacetes. Seguiram-se sessões fotográficas em descampados atingidos por grandes quantidades de entulho e outros resíduos.
Daí a pegar em velhos aparelhos de televisão para os cobrir de cimento e os apresentar como “os fósseis” da atual geração foi um passo.
“Em artes, não pensamos muito nisso, mas não precisamos de livros, precisamos de material artístico e o material artístico também é caro. Então, muitas vezes tentamos reciclar tudo aquilo que conseguimos para conseguirmos chegar ao final e termos um trabalho tão bom como se fosse feito com material comprado”, disse.
Por outro lado, ao usar objetos comuns facilmente reconhecíveis por todas as gerações, Diogo tenta chegar a mais pessoas, na arte e na mensagem.
O pintor Ilídio Salteiro, professor na faculdade, tem observado de perto o interesse dos alunos pelas questões ambientais: “Efetivamente está no trabalho de todos os alunos essa preocupação”.
A instituição está também a responder aos novos tempos e estreou este ano uma disciplina opcional sobre arte e sustentabilidade, direcionada para as relações entre a arte e a natureza, bem como o papel do homem neste contexto.
“Costumo dizer aos meus alunos que têm de ter os pés assentes na terra. Significa exatamente ter os pés assentes sobre os problemas que todos nós enfrentamos, porque não há trabalho de arte contemporânea se não estiver a pensar nos problemas contemporâneos. E as questões climáticas, as questões ambientais, do mesmo modo que as relações sociais, do mesmo modo que a identidade, são questões que se prendem com a contemporaneidade e estão efetivamente presentes nos trabalhos deles”, reiterou.
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