No caso do Queer Lisboa, João Ferreira explicou à Lusa que a Ancine voltou atrás no apoio financeiro para custear as despesas de deslocação a Portugal dos realizadores Armando Praça e Diego Paulino, que têm respetivamente em competição os filmes “Greta” e “Negrum3″.
“É um controlo sobre os conteúdos [do cinema brasileiro] e isso é assustador”, lamentou João Ferreira, garantindo, que, apesar do corte financeiro, os dois realizadores estão a angariar verbas e marcarão presença no festival, que começa na sexta-feira.
A Ancine tem um programa anual de apoio à participação de profissionais em festivais e outros eventos de cinema fora do Brasil e, este ano, segundo os resultados na página oficial da agência, estava contemplado apoio para deslocação a seis festivais portugueses: Festival de Cinema Luso-Brasileiro de Santa Maria da Feira (abril), IndieLisboa (maio), FestIN Lisboa (maio), Curtas Vila do Conde (julho), Queer Lisboa (setembro) e DocLisboa (outubro).
Cíntia Gil, da direção do DocLisboa, disse à agência Lusa que o programa deste ano do festival – ainda não anunciado na totalidade – contempla a exibição de cinema brasileiro e que os realizadores convidados confirmaram a retirada de apoio da Ancine.
“Vamos tentar que este claro ataque ao cinema brasileiro não passe despercebido nesta edição do DocLisboa”, disse Cíntia Gil à Lusa.
Sobre a decisão da Ancine, João Ferreira disse que recebeu dos responsáveis da agência a justificação de “restrições orçamentais do governo” e o lamento “dos efeitos negativos da ausência de brasileiros que deveriam participar do Queer Lisboa”.
Esta suspensão da Ancine, confirmada pelo Queer Lisboa e pelo DocLisboa, surge semanas depois de o Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, ter afastado o presidente da Ancine, Christian de Castro, por decisão judicial.
Homóloga do Instituto do Cinema e Audiovisual português, a Ancine é uma agência reguladora que tem como funções o fomento, a regulação e a fiscalização do mercado do cinema e do audiovisual no Brasil.
Jair Bolsonaro admitiu em julho a possibilidade de extinguir a Ancine caso não a possa usar para impor “filtros” nas produções audiovisuais e, em agosto, acrescentou que desejava um presidente na agência com perfil evangélico.
Na semana passada, o ministro da Cidadania do Brasil, Osmar Terra, disse que o novo diretor da Ancine terá um perfil conservador, “tal como o atual Governo”.
O presidente da Ancine, Christian de Castro, foi substituído temporariamente no cargo por Alex Braga Muniz, não tendo sido ainda anunciado o novo responsável oficial.
Para um dos cargos de direção, o governo brasileiro já nomeou Paula Alves de Souza, diplomata de carreira do Ministério das Relações Exteriores do Brasil.
Cíntia Gil considerou que estas mudanças na Ancine são “mais uma peça concertada para destruir toda a evolução no acesso à cultura e na diversidade artística” e para a construção de uma ditadura no Brasil.
Este ano, o IndieLisboa teve uma atenção particular para o cinema brasileiro numa programação intitulada “Brasil em transe”, com objetivo, na altura, de refletir sobre o presente e o futuro do cinema brasileiro.
Miguel Valverde, da direção do IndieLisboa, recordou à agência Lusa que, desde a campanha de Jair Bolsonaro nas presidenciais do Brasil, já se perspetivava o receio em relação ao futuro da Ancine e do apoio oficial à produção cinematográfica.
“É com muita consternação que sabemos da suspensão dos apoios. A presença de filmes brasileiros trazia sempre um debate e isso é importante”, disse Miguel Valverde.
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