"Estupidamente dissemos que não ao carvão", mas "quando estamos aflitos importamos a energia do carvão espanhola", critica o antigo presidente da Câmara de Comércio e Indústria Árabe-Portuguesa, a propósito de fontes de energia.
Quanto ao nuclear, Ângelo Correia diz que nada tem contra, com exceção das questões de segurança, mas que não serve a Portugal.
O que é poluente é "a construção das centrais, mas não é poluente o funcionamento das estações" e "eu não tenho nada contra o nuclear, exceto um problema: a segurança", começa por dizer o professor catedrático e gestor.
"Ou seja, há duas questões que têm de se colocar no nuclear: para onde vão os resíduos tóxicos gerados? Há processos de reconversão? Há processos de os colocar não naqueles depósitos no fundo do mar ou no meio de um país subdesenvolvido, pagando ao país ou ao rei ou o Presidente da República, ou ao ministro da Energia, ou ao ministro das Minas" para guardar caixotes de chumbo com esses resíduos, questiona.
Esse é um processo "perigoso" e que deixa sempre "uma via de destruição do planeta", refere, salientando, contudo, que os geradores de quarta geração resolvem "parte desse problema".
O problema está "no próprio funcionamento, que é suscetível - veja Zaporíjia - de perturbações e riscos", exemplifica.
"Em si, o nuclear é inevitável hoje em dia e era bom que conseguíssemos resolver, por um lado, os mitos, por outro lado, as realidades". No entanto, acrescentou, "Portugal é pequeno demais para ter um reator".
Cada país "precisa de ter um sistema energético apropriado à dimensão do seu consumo, ou então exporta", mas no caso de Portugal o país não exporta para Espanha, porque esta já tem e "não pode exportar para outro sítio", pelo que o nuclear "para Portugal não faz sentido", argumenta.
Agora, "o que faz sentido é se houver energia nuclear em abundância ao nosso lado, nós comprarmos. Paciência, mas eu preferia a nossa independência e a nossa independência não está nas renováveis" considera.
Ângelo Correia aponta que os elementos da energia renovável - ar, sol, vento - "são voláteis, há ou não há".
E quando "há ou não, todo o sistema não pode estar dependente da ocasião", além de que há fórmulas de armazenagem que não serve as eólicas, nem para a solar, "há para as hídricas, que são as grandes barragens, para o resto não há", argumenta.
"Precisamos de ter um suporte, um 'backup' que 20%, 30% da nossa energia tenha sempre um sustentáculo [para] quando as renováveis não têm capacidade de fornecer eletricidade suficiente existir outra fonte", defende.
E baseado em quê? "Ou no nuclear, que eu acho que ficaria caríssimo para Portugal" ou carvão, "que Portugal aboliu estupidamente no ano passado".
E o que "é que está mal", questiona, para, de novo, indagar: "É sermos nós a fazê-la ou serem outros a exportarem para nós".
Isso "foi um erro, antecipámos no tempo, sem razão de ser", considera, acrescentando que outra hipótese seria Portugal ter "um mecanismo de eficiência energética muito mais forte e rápido".
No que respeita à energia e água, Ângelo Correia considera que é preciso "resolver dois problemas com determinação e consistência": maior eficiência energética e resolver a escassez de água.
No caso do primeiro, por aquilo que se consome "gastar menos 20% a 30%", diz, dando o exemplo do que o Qatar fez nos estádios do Mundial que arranca em novembro, em que "poupou 40%" dos consumos, algo que Portugal está "muito longe de o fazer".
Relativamente ao problema da escassez de água, esta "não se resolve sem uma de duas vias: ou transvases do Douro para sul" ou a dessalinização.
O professor sublinha que se perde "30% a 40% do caudal do Douro" e que se pode estudar a dessalinização.
"Qual é o problema? É que a dessalinização é cara no investimento e cara no funcionamento", aponta, referindo o "grande custo da dessalinizadora", sendo que Espanha, França e países do Golfo apostam na dessalinização.
E qual é o grande custo em energia elétrica? "Para as membranas da dessalinização funcionarem o custo maior de tudo aquilo é a eletricidade".
Ou seja, "somos obrigados não só a fazer dessalinizadoras como a imaginar formas de energias renováveis próximas da dessalinizadora, um projeto integrado, uma visão mais holística que não seja apenas só a dessanilizadora para o sistema ser comportável e útil", salienta.
Isto porque "qualquer dia" em vez de se falar da desertificação do Alentejo, assiste-se.
"É preciso evitar isso", defende, referindo que Portugal "tem muitas ideias, conversas, então, excessivas", mas "fazer? Não".
Passar da ideia à ação é a "grande meta" do sistema político", mas "nós não somos capazes", em muitos casos, de passar à ação, enfatiza.
"A grande deficiência do país, do sistema, é passar ação, à ação no sentido produtivo, capaz, competente, eficaz e barato", conclui Ângelo Correia.
Sines "é uma alternativa pequena, à escala portuguesa"
O antigo ministro do PSD Ângelo Correia defendeu, em entrevista à Lusa, que Sines "é uma alternativa pequena", à escala portuguesa, "e não mais do que isso" e que as relações entre o Qatar e a Europa serão reforçadas.
A entrevista do professor catedrático foi feita antes de ser conhecida a decisão de Portugal, Espanha e França de avançar com um "Corredor de Energia Verde", por mar, entre Barcelona e Marselha e pouco menos de mês do Mundial de Futebol no Qatar.
"Que vai haver um reforço nas relações entre o Qatar e a Europa? Sim, até porque grande parte dos países produtores de petróleo e de gás natural tem as suas aplicações financeiras, que é a sua sustentabilidade futura", em empresas europeias e norte-americanas.
No caso europeu, diz, essa relação já existe, dando o exemplo do 'boom' imobiliário em Chelsea, Mayfair ou Knightsbridge, em Londres, que é "metade" qatari.
Já no caso português, "Portugal é um país que não está no mapa para o mundo árabe. Não está, nunca esteve", assevera, referindo que teve a "hipótese de o ser, mas não conseguiu atrair nada ou algo de substantivo".
Há algumas décadas conseguiu atrair uma participação de mais de 2% da argelina Sonatrach para o capital da EDP, recorda.
"Mas nada de relevante", sintetiza, no entanto, "o Qatar vai ter importância para Europa e a Europa vai precisar do Qatar", prossegue.
Neste âmbito, "Portugal é o peão mínimo. Mínimo, que às vezes em Portugal pintamos não sei se de cor de rosa" aponta.
Instado a comentar sobre a possibilidade do porto de Sines ser relevante para entrada de gás do Qatar, por exemplo, Ângelo Correia afasta esse cenário e sublinha que há portos mais estratégicos.
"O cenário, imaginando que vamos ter um papel relevantíssimo, não vamos. Não vamos, é subalterno e subsidiário", diz, explicando que o LNG [Liquefied Natural Gas, em inglês], gás natural líquido vem a temperaturas de -140 graus e a pressões de 160 bares.
Portanto, "comprimido na forma líquida, sai do Qatar, vem através do Golfo do Suez" e entra no Mediterrâneo. Ora, "antes de chegar a Portugal passa em alguns sítios fundamentais" como Itália e França, sendo que o desembarque do LNG poderia acontecer em território francês, prossegue.
"Mas, supondo que chega à Península Ibérica, antes de chegar a Sines passa em Barcelona" - sendo que Espanha tem cerca de meia dúzia de unidades de gaseificação -, "logo, é preciso que Portugal tivesse uma estação de gaseificação, que é curta", pelo que tinha de "aumentar muito mais", elenca.
Em segundo, "tínhamos que competir em preço com entidades que já existem - seis ou sete em Espanha - que estão subaproveitadas e como estão subaproveitadas, isto é, foram dimensionadas para grandes quantidades, não é utilizado. Mas os custos já lá estão todos incorporados", recorda.
Além disso, admite, o preço de transfega - transferência do gás do metaneiro para uma rede de 'pipelines' - poderá ser "mais barata em Espanha".
Ou seja, "temos que fazer contas porque nestes negócios não há apenas uma visão geopolítica, nem uma visão de amizade: há custos, há preços e há lucros" e, nesse sentido, o Qatar, ou a proprietária do gás que vem do Qatar, e o destinatário vão ter de fazer contas.
E portanto, "eu acho que as contas em Espanha podem ser mais baratas que em Portugal, do que em Sines", sublinha.
Agora, Sines tem o seu papel? "Tem, mas é capaz de ser mais útil para gás, por exemplo, da Nigéria" e, "se calhar também, nos Estados Unidos".
No entanto, "chegar a Sines ou chegar a Amesterdão ou Antuérpia ou outro porto europeu é capaz de ser mais barato e mais rápido", admite Ângelo Correia, ressalvando que é preciso fazer as contas.
"Mas não tenho é a ilusão de que Sines é uma grande alternativa. É uma alternativa pequena, à nossa escala. E não mais do que isso", remata.
* Alexandra Luís (texto)/Lusa
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