As insolvências da antiga Triumph (Loures) e da Ricon (Vila Nova de Famalicão) “acontecem precisamente num dos períodos mais positivos que o setor tem tido nos últimos anos: em 2017 a nossa estimativa é que vamos chegar aos 5.200 milhões de euros de exportações, que é o maior número de sempre, superando o recorde de 5.087 milhões de euros de 2001, que foi o pico antes das crises e dos choques competitivos que sofremos no início da década”, afirmou o diretor-geral da ATP, Paulo Vaz, em declarações à Lusa.
“Só que — acrescentou — nessa altura tínhamos o dobro das empresas e dos trabalhadores que temos hoje, pelo que temos atualmente níveis de produtividade muito maiores”.
De acordo com o dirigente associativo, as dificuldades da antiga Triumph e da Ricon “não eram de hoje, vinham-se arrastando e tiveram agora o seu desfecho”, sendo apenas “uma infeliz coincidência” que não reflete, de todo, a atual situação do setor têxtil e vestuário português.
No caso do grupo Ricon, constituído por oito empresas cujo encerramento e liquidação foi decretado na semana passada pelo Tribunal de Comércio de Vila Nova de Famalicão, deixando no desemprego 800 trabalhadores, Paulo Vaz admite que a excessiva dependência face a um único cliente — a Gant — terá sido um, mas não o único, problema.
E, embora admita que esta dependência face a um quase exclusivo cliente já terá vitimado algumas empresas têxteis nacionais – sendo disso exemplo a fabricante de malhas Thor, que fechou no final dos anos 90 após perder as encomendas da inglesa Next — o responsável acredita que este “não é, hoje, um problema” que ameace o setor em Portugal.
“Por muitas vantagens que em determinadas circunstâncias possa parecer ter uma relação de grande exclusividade com um só cliente, a verdade é que o mundo muda muito depressa, as circunstâncias alteram-se, e de repente estamos com um problema. Mais do que uma regra de gestão, diria que é uma regra de bom senso não colocar os ovos todos no mesmo cesto e fazer uma dispersão, tanto quanto possível, entre vários clientes e mercados. E nós, enquanto associação, estimulamos as empresas para que não caiam nessa armadilha”, afirmou.
Neste contexto, a ATP vem desenvolvendo desde 2002 um programa de internacionalização apostado em “estimular o contacto e conhecimento de mercados alternativos”, no âmbito do qual a indústria têxtil e vestuário nacional participa atualmente em feiras no Japão, China, Argentina, Colômbia, Brasil, Canadá, Taiwan, Singapura ou Coreia do Sul.
O objetivo é “que as empresas tenham consciência de que há mais mundo para lá daquele que conhecem e que é um ato de boa gestão e de prudência diversificarem os seus clientes e destinos de exportação”.
“De uma maneira geral”, Paulo Vaz considera que “as empresas compreendem isso e procuram corresponder”: “As tendências que temos continuam no bom sentido e acreditamos que ainda vamos ter bons anos para diante, que procuraremos explorar da melhor maneira. Até porque hoje as empresas têm claramente uma ‘governance’ [governança] muito mais adequada, uma agressividade comercial muito maior e um conjunto de suportes, nomeadamente no sistema científico e tecnológico, que lhes permite criar a inovação e a diferenciação que agarram os clientes”, sustenta.
Questionado sobre se, em relação ao grupo galego Inditex (dono de marcas como a Zara, Massimo Dutti, Stradivarius e Uterque) não poderá ser considerada excessiva a dependência por parte de algumas empresas nacionais, nomeadamente do Norte do país, o diretor-geral da ATP admite que tal aconteça, mas destaca que “Portugal é tão importante para a Inditex quanto a Inditex é importante para Portugal”.
“Eu diria que há aqui uma relação de simbiose que é difícil cortar de cada um dos lados, porque esta relação de proximidade e de trabalho em conjunto também é o segredo e a razão de ser do modelo de negócio da Inditex, que se baseia muito na proximidade e na rapidez de resposta que os modelos de ‘fast fashion’ exigem”, afirmou.
Salientando que, “nisto, Portugal é quase imbatível, já que tem o ‘lead time’ [prazo de entrega] mais rápido do mundo”, Paulo Vaz aponta ainda a “grande proximidade geográfica, já para não dizer cultural, com a Galiza e com as empresas que aí estão sediadas”.
“E é isso que nos dá alguma tranquilidade ou poderíamos ter aí um problema complicado, mas acho que está claramente mais atenuado por esta realidade”, disse.
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