A Unilever, que em Portugal detém marcas como a Olá, Dove ou a Becel, ameaça deixar de investir em publicidade em redes sociais como o Facebook e o YouTube. O anúncio será feito esta tarde pelo diretor de marketing e comunicação da gigante industrial, num discurso na Califórnia, Estados Unidos da América, adianta o ‘Wall Street Journal’.
A decisão será efetiva caso estas plataformas não tomem mais medidas para travar a proliferação de notícias falsas, o discurso de ódio ou conteúdo fraturante.
“A Unilever não vai investir em plataformas ou ambientes que não protejam as nossas crianças ou que criem divisões na sociedade e promovam a raiva e o ódio”, deverá dizer Keith Weed esta segunda-feira na reunião anual de líderes do Gabinete de Publicidade Interativa, em Palm Desert, na Califórnia.
O objetivo é dar prioridade ao investimento “apenas em plataformas responsáveis, que estão empenhadas na criação de um impacto positivo na sociedade”, adianta a publicação norte-americana, que teve acesso às notas do discurso de Weed.
No ano passado, a empresa gastou mais de 7,3 mil milhões de euros em marketing. Recorde-se que a Unilever é o segundo maior anunciante do mundo, ficando apenas atrás da Procter & Gamble. Esta decisão pretende usar esse peso para obrigar a indústria mediática — onde se incluem as redes sociais — a peneirar os conteúdos, eliminando aqueles que financiem terrorismo, explorem crianças, espalhem notícias falsas ou promovam ideias racistas e sexistas, explica o jornal.
Trata-se de “ter um impacto positivo na sociedade”, diz Weed em entrevista. “E se nós, enquanto empresa, queremos trabalhar com empresas que não estão empenhadas em fazer um impacto positivo”, explica.
Numa tentativa de cortar gastos, a Unilever tem já vindo a diminuir o investimento na publicidade. Em 2017, um anúncio da Dove, uma das marcas detidas pela empresa, gerou polémica. Muitos acusaram a empresa de racismo e apelaram a um boicote à marca de produtos de higiene pessoal. Na altura, a marca pediu desculpa.
“Os consumidores não querem saber de verificação independente”, dirá Weed, numa reação às medidas anunciadas pelas gigantes tecnológicas, que têm anunciado mais moderadores para avaliar o conteúdo publicado nas plataformas que detêm. Aos consumidores importam “práticas fraudulentas, notícias falsas e os russos a influenciar as eleições norte-americanas”, deverá dizer o diretor de marketing e comunicação da gigante industrial.
E acrescenta: “Eles não querem saber do retorno para os anunciantes, mas preocupam-se ao ver as marcas de que gostam ao lado de publicidade que financia o terrorismo ou a exploração de crianças”.
Estimativas citadas pela agência Reuters apontam que a Google (detida pela Alphabet, dona do YouTube) e o Facebook terão ficado com metade do retorno do investimento em publicidade ‘online’ em todo o mundo feito no ano passado. Só nos Estados Unidos, esse valor terá ficado acima dos 60%, segundo a eMarketer.
A estratégia da Unilever não passa por divulgar medidas concretas a propor às gigantes tecnológicas. Antes, Keith Weed quer trabalhar com as empresas para chegarem a soluções. As primeiras discussões, segundo Weed, já aconteceram com empresas como Facebook, Google, Twitter Inc., Snap Inc. E a Amazon.com Inc., para partilhar ideias sobre o que cabe a cada um para melhorar a situação atual.
Do lado das tecnológicas são conhecidas já algumas mudanças em reação às exigências de anunciantes e utilizadores. A rede social Facebook tem vindo a anunciar sucessivas alterações ao algoritmo que constrói os conteúdos vistos pelos utilizadores. O objetivo tem sido o de dar primazia aos conteúdos de pessoas, deixando cair as marcas — incluindo os meios de comunicação social. Estas medidas, criticadas pela imprensa mundial, levaram já o jornal brasileiro ‘Folha de São Paulo’ a abandonar a página naquela plataforma, onde contava com quase seis milhões de seguidores.
Sobre o Facebook, o diretor de marketing e comunicação da Unilever diz que apesar de a empresa ter dado passos positivos para combater a desinformação, ainda há “mais a fazer”.
O YouTube anunciou também mexidas na tecnologia que usa para mostrar os vídeos, acrescentou mais moderadores humanos para reverem os conteúdos publicados, e deu aos anunciantes mais controlo sobre os lugares onde os anúncios surgem.
Para além disso, a empresa anunciou em janeiro que todos os segundos dos vídeos publicados no programa Google Preferred — uma divisão especial do YouTube, onde estão os vídeos mais populares e por cuja publicidade quais os anunciante pagam mais — vão passar a ser revistos por olhos humanos.
Mas para Weed, da Unilever, estas medidas, apesar de terem significado, ficam aquém do que ainda há a fazer neste campo. Por exemplo, aponta, o YouTube não fez o suficiente para proteger as crianças. E pede que todos os vídeos “com crianças que são monetizados” sejam moderados por humanos.
O diretor de marketing e comunicação da gigante industrial defende que os anunciantes sejam exigentes com as plataformas, já que são eles quem as financia quase na totalidade com milhares de milhões de euros em publicidade. Para começar, sugere que as empresas não ponham “anúncios em conteúdo que não [querem] encorajar”.
Esta conferência anual na Califórnia, lembra o ‘Wall Street Journal’, tornou-se num palco para os grandes anunciantes pedirem mudanças. Já no ano passado, a Procter & Gamble, a maior anunciante do mundo, “fez um ultimato às gigantes digitais para ‘limpar’ a publicidade online”, escreve a publicação norte-americana.
Na altura, Marc Pritchard, o responsável de marca da P&G, expôs uma lista de exigências, que incluíam a criação de um sistema de avaliação e controlo independentes que aditassem as métricas de publicidade de algumas plataformas. E pedia também um maior controlo para que os anúncios das marcas da P&G não acabassem ao lado de conteúdos de organizações como o Estado Islâmico.
Numa entrevista recente, Pritchard reconhece que houve um “progresso impressionante”. Diz mesmo que 90% das exigências que fez no ano passado foram atendidas, restando apenas a auditoria a algumas métricas de publicidade da Google e do Facebook.
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