São 10:00 e iniciam-se as primeiras atividades desenvolvidas pelo renovado Centro Comunitário da Quinta da Piedade, localizado na União de Freguesias da Póvoa de Santa Iria e Forte da Casa, no concelho de Vila Franca de Xira.
É neste espaço que, ao ritmo dos Queen, o instrutor João Oliveira coordena os passos e a coreografia de cerca de 10 “alunos” que quiseram participar na aula de ginástica.
Esta é uma das 13 atividades gratuitas disponibilizadas pelo Centro Comunitário da Quinta da Piedade no âmbito do projeto “ART FOR ALL”, em curso desde julho de 2020 e que resultou de uma candidatura a fundos comunitários da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira (distrito de Lisboa), com os objetivos gerais de “combater a pobreza e “promover a inclusão social”.
O projeto tem uma duração de três anos e representa um investimento de cerca de 585 mil euros, sendo 50% desse valor comparticipado pelo Fundo Social Europeu.
“Eu sinto-me muito bem. É uma coisa que faz bem a todos nós. A gente fica sempre em casa, não sai, não faz nada, sempre em frente à televisão. Eles tiram a gente de casa para fazer um pouco de atividade”, conta à agência Lusa Odete Semedo, uma das participantes.
A moradora, de 56 anos, residente há 23 anos no bairro da Quinta da Piedade, elogia o projeto da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira e as dinâmicas que trouxeram ao bairro.
“Muita gente agora está a sair, a fazer as coisas. Quando chamam para fazer as atividades a gente gosta porque é muito bom. Eu pessoalmente adorei”, sublinha.
O sentimento é partilhado por Maria Roeste, também de 56 anos e também ela entusiasta das atividades que estão a ser desenvolvidas pelos técnicos do Centro Comunitário da Quinta da Piedade.
“Muitas coisas mudaram. As assistentes sociais são muito prestativas e puxam pelas pessoas. As crianças estão mais ocupadas e nós também temos algumas atividades”, aponta.
Pelas 15:30 começam a chegar ao centro as primeiras crianças e jovens para participar nas atividades da tarde e, no mesmo salão onde durante a manhã os adultos fizeram ginástica, fazem-se agora os trabalhos de casa e ultimam-se os arranjos de Natal, sempre com a coordenação das técnicas do centro.
Um dos jovens que decidiu vir hoje ao centro para fazer os trabalhos de casa foi Miguel Gomes, de 14 anos, que, embora não seja um frequentador assíduo, reconhece a importância das atividades.
“Aqui, eles ficam mais inteligentes porque fazem os trabalhos de casa e conseguem divertir-se e não ir pelos maus caminhos. Tenho um primo meu que está nos maus caminhos e isto aqui serve para os orientar”, afirma.
A importância social do projeto e a sua capacidade transformadora é bem evidenciado pela experiência pessoal da animadora sociocultural Elsa Pereira, de 30 anos, também ela moradora no Bairro da Quinta da Piedade.
“Quando era pequena também frequentei atividades no antigo centro. Se calhar, se não frequentasse, não tinha tido a abertura para a necessidade de estudar. É isso que eu tento passar aos moradores. Nós também temos oportunidades e podemos agarrar. Podemos chegar a outros sítios e não temos que ficar confinados àquele estigma do ‘ai é pessoal do bairro, é preto, trabalha nas limpezas'”, atesta.
Questionada sobre as mudanças trazidas pelo projeto “ART FOR ALL”, Elsa Pereira não tem dúvidas em afirmar que os moradores “estão mais preocupados, mais envolvidos e com um maior sentido de participação cívico”.
“Eu sinto que as pessoas têm mais noção do que é o projeto, o que é uma comunidade e qual é o papel de cada um na comunidade. Quando nós temos as assembleias também se sente isso. Sentem que são ativos”, diz.
A capacitação e a consciência social é exatamente um dos objetivos preconizados pelos impulsionadores deste projeto, além do “combate ao estigma de bairro social”, segundo sublinha à Lusa a vereadora com o pelouro da Ação Social na Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, Manuela Ralha.
“O objetivo aqui é, para já, acabar com esse estigma e que as pessoas não se sintam ainda mais estigmatizadas, para além da sua etnia e das suas dificuldades sociais e económicas, mas também que tenham acesso a todo o tipo de atividades que as outras pessoas tenham”, aponta.
A autarca confessa que, “quando o projeto começou, existiu alguma desconfiança”, mas que com o passar do tempo as atividades foram tendo “bastante adesão”, pese embora os condicionalismos originados pela pandemia.
“Tem sido muito gratificante ver que as pessoas estavam sedentas deste tipo de atividades. As pessoas têm aderido muito bem. Temos hortas comunitárias, reabilitámos o polidesportivo. Isso faz parte de uma visão integrada do trabalho com esta população”, refere, ressalvando que as atividades estão abertas a toda a comunidade e não apenas a moradores do bairro.
Aliás, o consolidar da abertura do bairro ao exterior é um dos objetivos do programa, assim como foi há dois anos a implementação de 26 pequenas hortas urbanas, situadas numa zona com vista privilegiada para o Estuário do Tejo.
Apesar de não viver no bairro, Amadeu Pinto, de 65 anos, desloca-se ali todos os dias para tratar da sua horta.
“Inicialmente, é evidente que senti alguma resistência parte dos moradores aqui do bairro em relação às pessoas que vinham de fora. Hoje em dia acho que isso está totalmente ultrapassado e que, na verdade, existe uma comunhão de ideias e de vontades. Acho que a integração foi bem feita e bem encaminhada”, considera.
O bairro da Quinta da Piedade foi criado em 1999 e é constituído por seis prédios com 82 fogos, nos quais habitam cerca de 200 pessoas.
Em 2017 foi alvo de obras de reabilitação, num investimento de cerca de 160 mil euros.
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